“Carlos Seixas, estrela de Coimbra”

Encarna Carlos Seixas um estilo individual,
um estilo e uma estética portuguesa,
diferentes da arte italiana, francesa, alemã, inglesa, espanhola ou polaca.
Santiago Kastner
(“Carlos Seixas”, 1947)

Recebi com alegria artigo do notável medievalista João Gouveia Monteiro, professor titular jubilado da Universidade de Coimbra, abordando um dos mais importantes compositores europeus que escreveram para cravo, Carlos Seixas (1704-1742), hoje interpretado igualmente ao piano e ao órgão. Ao longo de mais de 18 anos de blogs hebdomadários, publicados ininterruptamente desde Março de 2007, tenho salientado a majoritária presença do  repertório sacralizado nas programações de recitais. Mentes têm relutância em apresentar compositores extraordinários, mas que não tiveram as graças do tripé formado pelo agenciador de concertos, intérprete habituado à eterna repetição de compositores em seus programas e o Estado, este  carente de verdadeiros especialistas com ampla visão da cultura humanística, figuras raríssimas ao longo do tempo.

João Gouveia Monteiro, exemplo de lhaneza, permitiu que incluísse em meu blog o artigo “Carlos Seixas, estrela de Coimbra”, publicado no “Diário de Coimbra” no dia 11 de Junho. Sabia o dileto amigo que tanto o genial Carlos Seixas, assim como o meu saudoso Pai (1898-2000) e este pianista nasceram no dia 11 de Junho.

Motivo fundamental, já observado em blogs há mais de uma década, testemunha o meu apreço às composições para cravo de Seixas. Quando adolescente, recebi da ilustre pianista polonesa Felicja Blumental (1908-1991) um LP com Sonatas para cravo de Carlos Seixas interpretadas ao piano. Fiquei totalmente subjugado pela beleza daquelas criações.

Clique para ouvir, de Carlos Seixas, Sonata em Sol menor, na interpretação de Felicja Blumental:

https://www.youtube.com/watch?v=gHLjftKaMDY&t=7s

Em 2004, o selo belga De Rode Pomp lançou um álbum com dois CDs e 23 Sonatas de Carlos Seixas que gravei em Mullem, na Bélgica Flamenga. Ao longo das décadas, não poucas vezes abri meus recitais em vários países interpretando Sonatas de Carlos Seixas. Em 2004, centenário do excelso músico, a Universidade de Coimbra prestou justíssima homenagem ao ilustre filho nascido na cidade. O professor João Gouveia Monteiro era, naquele período, Pró-Reitor da Cultura. O renomado  musicólogo José Maria Cardoso (1942-2021), saudoso amigo, professor da Universidade, teve a feliz ideia de programar as Sonatas de Carlos Seixas em três instrumentos diferentes: cravo, destino original da criação, órgão e piano. O cravista norueguês Ketil Haugsang, o organista espanhol José Luis Gonzalles Uriol e eu apresentamos Sonatas do notável compositor em três dias sucessivos, na Biblioteca Joanina (cravo e piano) e na Capela Real (órgão).

Clique para ouvir, de Carlos Seixas, a Sonata em Si bemol Maior (78), na interpretação de J.E.M:

https://www.youtube.com/watch?v=E8GX3qIjfLI&t=20s

O texto claro e de síntese do professor Gouveia Monteiro, expõe dados fundamentais do músico conimbricense: “O voo do condor – Carlos Seixas, estrela de Coimbra”:

“Carlos Seixas é para muitos o maior músico português de sempre. Nasceu em Coimbra a 11.VI.1704, ou pouco depois (o batismo foi a 10.VII). A família veio de Tomar, pois em 1699 o pai, Francisco Vaz, foi contratado pelo Cabido como organista da Sé. A família instalou-se na Alta, na Rua da Ilha, e aí deve ter nascido o prodígio.

Francisco Vaz casara com uma senhora de Tomar, Marcelina Nunes. Antes de José António Carlos, o casal teve um filho (Francisco) que estudou Medicina e faleceu em 1711. A análise da sua candidatura à UC permitiu ao saudoso Abílio Queirós (a quem devo estes dados) apurar a existência de alguns religiosos na família de Seixas, cujo avô materno fora alfaiate.

É pouco o que, apesar de Barbosa Machado («Bibliotheca Lusitana», s. XVIII), sabemos sobre José António Carlos «de Seixas» (nome usado por um primo que estudou Cânones em Coimbra). Porém, é certo que quando o pai faleceu, tinha ele 14 anos, foi a escolha do Cabido para organista da Sé! Cumpria-se a boa regra: o organista titular devia preparar o sucessor…

A formação musical de Seixas fez-se à sombra da Sé Velha, do Mosteiro de Sta. Cruz e das capelas da UC. Não existia uma escola para formar organistas, mas as lições do Mestre de Capela da Catedral foram cruciais na sua aprendizagem do canto e da teoria musical. Certo é que o portento se destacou, rumando à capital c. 1722.

Seixas ensinou em casas particulares de Lisboa e tornou-se organista da Santa Basílica Patriarcal. Teve assim acesso à corte de D. João V e D. Maria Ana de Áustria. Manuel C. Brito subdividiu os espaços musicais da Lisboa desse tempo em cinco grupos: música sacra, de corte, (semi)privada, teatral e pública de ar livre. Seixas só não terá intervindo nos dois últimos, beneficiando dos mecenatos do rei e do Visconde de Barbacena.

Como organista, compôs obras vocais religiosas, mas o grosso das suas sonatas destinou-se a instrumentos de tecla de corda, como o cravo ou o clavicórdio! Em Santa Cruz fizeram-se cinco livros de cópias da sua música, de que a UC conserva dois (58 sonatas). Mas a maioria dos Ms. estão fora de Coimbra: todos os de música vocal (arquivos de Viseu, Lisboa, Elvas e Évora) e vários com a sua música instrumental (Bibliotecas Nacional e da Ajuda).

Na corte joanina, Seixas encontrou Domenico Scarlatti (em Portugal entre 1719-1729), célebre compositor que nutriu grande admiração por ele. Porém, afirmou um estilo próprio. O grande pianista J. Eduardo Martins disse que Seixas captou a alma lusitana, com alguns andamentos bem lentos a par de terminações em andamentos rápidos, modulações e uma constante ‘culminância emotiva’.

O isolamento português e a partida de Scarlatti estimularam a sua originalidade, de que a Inf.ª Maria Bárbara, futura rainha de Espanha, terá sido a maior beneficiária. Mas Seixas morreu em 1742, aos 38 anos, de febre reumática, deixando mulher e cinco filhos. Um mês depois, os círculos cultos da corte dedicaram-lhe solenes exéquias, do que resultou a famosa gravura de J. Daullé sobre retrato de Vieira Lusitano, estudada por A. Filipe Pimentel.

A obra de Seixas (coeva de Bach, Händel, Rameau) foi pouco conhecida durante muito tempo. O próprio cravo, embora o seu repertório fosse muito apreciado, viveu tempos difíceis no século XIX, esmagado pelo triunfo do pianoforte e do piano. Coube ao musicólogo inglês Santiago Kastner resgatar o legado de Seixas: as 1.as edições da sua obra para teclado seriam publicadas pela Schott em 1935/1950.

Em 1980/1992, a FCG editaria 105 sonatas de Seixas para instrumentos de teclas. A Ivo Cruz, G. Doderer, Cremilde Fernandes, J.P. Alvarenga, João Vaz, Pedrosa Cardoso e J. E. Martins, entre outros, se devem contributos preciosos para iluminar o génio desta estrela maior de Coimbra, que vale a pena celebrar e ouvir em órgão, cravo ou piano 321 anos depois. Ouça ainda hoje o seu concerto em Lá maior!”.

Clique para ouvir, de Carlos Seixas, o “Concerto em Lá Maior” para cravo, na interpretação do cravista norueguês Ketil Haugsang, acompanhado pela Orquestra Barroca da Noruega:

https://www.youtube.com/watch?v=B-meg1tT2J0

O resgate inicial de Carlos Seixas realizado por Santiago Kastner, inicialmente com a edição de Sonatas e Tocatas (Schott, 1935-1950), após com o livro “Carlos Seixas” (Coimbra, Coimbra Editora, 1947) e bem posteriormente com a edição do conjunto de Sonatas (Fundação Calouste Gulbenkian, 1980-1992), corroboraram para a divulgação ainda tímida, diga-se, da obra do notável compositor. Kastner apreende em seu livro algo fundamental a respeito de como captar a essência da música de Carlos Seixas: “Quer a arte de Seixas ser manuseada com afeto e delicadeza. A querençosa bonança, a transparente boniteza desta música pede ser enquadrinhada com o gosto requintado do ‘connoisseur’ ou do provador selecto”.

Clique para ouvir, de Carlos Seixas, Sonata em lá menor, na interpretação de J.E.M. Gravação do recital na Igreja do Convento Nª Senhora dos Remédios, em Évora (11/11/2011):

https://www.youtube.com/watch?v=BP3Aic2bvac

The distinguished professor at the University of Coimbra, João Gouveia Monteiro, recently wrote an article about the great Portuguese composer Carlos Seixas (1704-1742) and published it in the Diário de Coimbra on June 11, the date of the remarkable musician’s birth.