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A Música é poesia incorpórea.
Guerra Junqueiro (1850-1923)

Após blog recente (Leitura e Leitura, 18/11/2023) e o último, nos quais abordo o quase “desprezo” das novas gerações pela literatura, alguns leitores fizeram associação com o que pode estar ocorrendo com a música clássica ou erudita em nosso país, assim como em vários centros europeus. É fato que em nosso solo houve uma profunda transformação, se considerada for a presença da música dita elitista em meados do século XX.

Se os conjuntos orquestrais continuam as suas trajetórias junto ao público específico, o mesmo não se pode dizer em relação à atividade solista ou camerística. Estou a me lembrar de que, na década de 1990, estávamos em Belém do Pará, hospedados no mesmo hotel, a notável e saudosa pianista Yara Bernette (1920-2002), o excelente violoncelista Antônio Lauro Del Claro e eu, pois participamos, em recitais distintos, de um Festival de Música. Bernette, que durante longos anos dirigiu a Escola Superior de Música e Arte Dramática de Hamburgo, a certa altura nos disse que o recital solo estava em pleno declínio na Alemanha e em outros países da Europa e que apenas aqueles precedidos por grande divulgação e holofotes poderosos ainda conseguiam plateias plenas. Essa revelação de impacto lenta e seguramente se abate sobre o Brasil.

Atendo-se à nossa cidade, tínhamos em São Paulo algumas salas que abrigavam recitais solos e camerísticos nas quais público interessado e numeroso se fazia presente. Os jovens intérpretes ocupavam espaços não apenas em recitais, como também junto às orquestras. Duas delas convidavam novéis talentos, a Orquestra da Rádio Gazeta, conduzida pelo Maestro Armando Belardi (concertos semanais transmitidos ao vivo pela Rádio) e a de Amadores, a ter como regente Léon Kanievsky. Uma plêiade de instrumentistas da nossa faixa etária se apresentava constantemente como solistas. As salas ficavam repletas de entusiasmados ouvintes e havia camaradagem entre os jovens músicos. Frise-se que, naquele período áureo de São Paulo, professores de piano fixados na cidade recebiam os alunos em suas moradas e são lembrados pelas capacidades insofismáveis e pela absoluta lhaneza: José Kliass (Rússia), Fritz Jank e Hans Bruch (Alemanha), Souza Lima e Dinorá de Carvalho (Brasil), como exemplos.

Entre as décadas de 1950-1960, a população da cidade de São Paulo, segundo o IBGE, saltou de 2.168.096 para 3.781.446, atingindo cerca de 12.330.000 em 2020. Inversamente, minguaram as apresentações solo de novos instrumentistas ao longo das décadas. No Brás, o Teatro Colombo, de boa dimensão, abrigava recitais de jovens nas programações patrocinadas pela Prefeitura, que organizava concursos semestrais e os vencedores se apresentavam naquele espaço acolhedor. Infelizmente pegou fogo em 1966. Havia outras salas na cidade que mantinham programação concorrida destinada aos novos talentos. O MASP mantinha intenso calendário sob a direção do Maestro Walter Lourenção. Lá me apresentei na década de 1970 inúmeras vezes e em 1982, interpretando em quatro recitais a integral para piano de Claude Debussy com a sala repleta. Recitais também eram oferecidos no Theatro Municipal, não apenas para os nomes referenciais no planeta, como para renomados intérpretes pátrios e novos talentos. Nos anos 1950-1960, integrais aconteciam. O notável pianista austríaco Friederich Gulda (1930-2000) interpretou as 32 Sonatas de Beethoven em oito récitas, e a extraordinária opera omnia foi, mais de uma vez, apresentada em São Paulo pelo ilustre pianista e professor Fritz Jank (1910-1970). Seria possível, hoje, a realização de extensos ciclos altamente didáticos como esses? Basicamente quase todos os recitais recebiam numeroso público. Sempre com o Theatro Municipal lotado. Recordo-me de que, em meados do século XX, quando um intérprete renomado se apresentava no TM, havia a juventude a formar fila para ocupar as galerias do Teatro centenário. Se daquele período áureo ao atual a população quintuplicou, sextuplicou, o mesmo não ocorreu no que tange ao número de solistas pátrios, assim como em relação ao número de salas destinadas aos recitais solo ou camerísticos. Há diversas na cidade, mas destinadas a várias atividades, inclusive a musical. Umas poucas apenas para recitais.

Salas que abrigavam temporadas anuais com intérpretes solistas ou de música de câmara foram desativadas para esse fim, sendo que a do Museu de Arte de São Paulo ou, mais recentemente, a do MuBE são exemplos. Subsistem, como resistência, espaços pequenos que mantêm a chama da esperança, onde jovens intérpretes e instrumentistas se apresentam para fiéis ouvintes. Quanto à nova geração de músicos, alguns talentosos a ela pertencentes buscam acima do equador horizontes mais propícios para o aperfeiçoamento.

Quanta verdade nas palavras da eminente professora, tradutora e escritora Aurora Bernardini inseridas no blog precedente: “O desinteresse pelo conhecimento humanístico empobrece a memória e empobrece a vida. Mas que luta convencer disso as novas gerações!”.

Ao longo dos blogs, que se prolongam desde Março de 2007, tenho frisado que várias são as razões da progressiva desarticulação da Música erudita. A indústria do entretenimento, a visar sempre ao lucro, não tem o menor interesse em promover intérpretes de música erudita, salvo exceções, não apenas pelo espaço restrito que o gênero ocupa na sociedade, mas também pelo público-alvo, constituído pela nova geração sempre em busca dos ídolos extremamente ventilados nos vários gêneros “musicais” que atraem multidões. A rápida transformação de hábitos e costumes, a fixação abusiva na telinha que altera comportamentos fixando nas mentes o efêmero, estariam entre outras motivações desaticuladoras.

Em várias oportunidades salientei através dos blogs a desativação da crítica voltada à Música clássica. Participei no ano de 2012 de um debate na Universidade Sorbonne, em Paris, a respeito da crítica musical, pois um palestrante comentou o seu progressivo desaparecimento na imprensa  parisiense, restrita basicamente online àquela altura. Lembrei que, nas décadas de 1950-1960, os principais jornais parisienses mantinham uma seção dedicada à crítica dos principais eventos e que o “Guide du Concert et du Disque”, hebdomadário, cobria grandes eventos e aqueles realizados nas pequenas salas, onde muitos jovens se apresentavam. Guardei os comentários sobre as minhas apresentações. Um grande estímulo. Eram vários os críticos especializados. Como curiosidade, menciono uma crítica publicada no Guide… referente a um recital que interpretei na École Normale de Musique (19/11/1960). Positiva, com algumas observações de ordem interpretativa. Dias após, recebo de um outro crítico do semanário, o musicólogo Michel Louvet, extensa consideração sobre o mesmo recital, a contrastar com as posições da colega, pois pensou ter sido o indicado para o mister. Absolutamente inusitada a situação. Dois críticos da mesma publicação em um mesmo evento!

São Paulo, naqueles decênios, teve uma crítica musical atuante e a lembrança dessa atividade se faz novamente presente. Em blogs bem anteriores, focalizando contextos outros, menciono o fato. O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Folha da noite, Diário de São Paulo, Diário da Noite, O Tempo, Correio Paulistano, A Gazeta, Giornalli degli italiani, Jornal Alemão, Shopping News e a revista Anhembi mantinham críticos especializados que compareciam às muitas apresentações paulistanas, a maioria músicos atuantes ou professores de música. A cidade cresceu e a crítica musical constante, estimuladora… evaporou.

Verifica-se na Música o que se assiste na Literatura. Naquela, Conservatórios, que se dedicavam à Música erudita, de concerto ou clássica, encerraram as atividades e deram lugar a outros estabelecimentos, que maximizam a denominada música popular e suas ramificações, havendo menor espaço para a música clássica. Sob outra égide, os Departamentos de Música das Universidades recebem, para os cursos de instrumento, majoritariamente estudantes de música que se habilitam e se esforçam, mas pouquíssimos egressos dos bancos universitários seguirão carreira solo. A maioria encontrará nas orquestras a realização dos seus anseios ou se dedicarão à docência.

Livrarias fundamentais ou fecharam ou exibem preferencialmente livros que seduzem as novas gerações, mas cujos conteúdos são duvidosos qualitativamente. Músicos e literatos têm de recorrer às pequenas salas de concerto ou às editoras independentes, tantas destas últimas em luta permanente para a divulgação de suas obras.

O descaso pelo conhecimento humanístico poderia ser evidenciado nesses megashows que lotam estádios, onde milhares de jovens se extasiam com a parafernália visual e os altos decibéis. Ousaria vaticinar que, se no intervalo de uma “música”, uma voz ao megafone perguntasse: “quem já ouviu falar de Sócrates, Michelangelo, Bach, Beethoven, Cervantes ou Rodin?”, raríssimas mãos se ergueriam. Alguns se lembrariam do excelente jogador do Corinthians ou da série de filmes “As tartarugas Ninjas”, pois uma das quatro tartarugas, lamentavelmente leva o nome do imenso escultor e pintor italiano. Viria também à memória outro filme, “Beethoven, o Magnífico”, o cão da raça São Bernardo.

Nas duas atividades da cultura humanística autêntica, Música e Literatura, a Máquina que conduz eventos e publicações desconhece o valor incomensurável dessas culturas, e o propósito primeiro da sua engrenagem é apenas um, hélas: o lucro. Se acrescentarmos a Pintura, a arte contemporânea atual está atrelada a interesses que, igualmente, tem o ganho como meta essencial. Pouco a fazer.

Classical music and literature. Issues of current relevance and similar problems in today’s ephemeral world.

 

Leitores opinam e vaticinam

Temos, sobretudo, de aprender duas coisas:
aprender o extraordinário que é o mundo
e aprender a ser bastante largo por dentro,
para o mundo todo poder entrar.
Agostinho da Silva
(“Entrevista”)

O blog anterior suscitou posições saudosistas e outras expondo ceticismo quanto ao alcance atual da literatura específica destinada a adolescentes e jovens. Gerações de antanho foram atraídas por coleções ou livros avulsos com propósitos educacionais definidos. As muitas colocações dos leitores não deixaram de louvar as duas coleções, “O Thesouro da Juventude” e o “Mundo Pitoresco”, elogios esses vindos daqueles que acumulam muitas décadas.

Nos meus 85 anos, foram enormes as transformações experimentadas pela literatura para adolescentes e jovens dos meados do século XX e os da mesma faixa etária nos dias atuais. Outros são os interesses da maioria da juventude hodierna. As décadas que se sucederam pouco a pouco desviaram a atenção do conhecimento humanístico. Aceleradamente, após a internet, o aprender foi se tornando mais supérfluo, imediato e sucessivamente modificado, atendendo aos constantes avanços da tecnologia que, a cada passo, mais se distancia do legado literário-filosófico ditado pelos grandes mestres da Antiguidade ao século XX.

A superficialidade, irmã gêmea da brevidade das mensagens internéticas, não deixaria de penetrar no âmago de centenas de milhões que se prendem às telinhas para inteirar-se dos fatos de toda ordem e comunicar-se no cotidiano. “A pressa é inimiga da perfeição”, como se apregoava no passado, desvirtuou a língua, não apenas em termos do Brasil, mas em tantas outras terras, minimizou o pensamento, banalizou os costumes, atendo-se ao fugaz que não deixa traços, apenas prossegue em direção à paradoxal “sedimentação” da efemeridade, hélas.

O falar bem está a se estiolar. Em vários noticiários televisivos abundam os cacoetes; nos sites prolifera a inobservância do trato linguístico. Não teria sido a formação incompleta de determinados agentes da comunicação uma das causas?

Retorno à essência das mensagens que, em síntese, focalizou as leituras destinadas aos adolescentes e jovens nos meados do século XX.  Gildo Magalhães, ilustre professor titular aposentado da Universidade de São Paulo, aponta respectivamente para a formação décadas passadas: “É exatamente esta a sensação que você descreve que eu sinto também, ao folhear algo como o Tesouro da Juventude, ou até mesmo o Diccionario Lello, que meu pai tinha e me foi depois presenteado”. Lia-se muito e a memória retinha parcela considerável do conhecimento aprendido. A não menos notável professora titular aposentada da USP Aurora Bernardini observa com precisão: “É verdade. O desinteresse pelo conhecimento humanístico empobrece a memória e empobrece a vida. Mas que luta convencer disso as novas gerações!”

Como não me lembrar, em tempos bem remotos, da leitura dos livros de Monteiro Lobato (1892-1948)? Nos meus 10 ou 11 anos, percorri-os quase na totalidade e a turma do Sítio do Pica-pau Amarelo foi fundamental àquela altura. “História do mundo para crianças” (1933) levou-me primeiramente à leitura de “A Conquista da Terra”, de Wilhelm Treue (1909-1992), e à incrível “A Expedição Kon-Tiki”, de Thor Heyerdahl (1914-2002). O livro de Treue me foi extraordinário, pois de maneira didática o autor desvenda a epopeia do homem em suas conquistas e intrepidezes. Possivelmente  meu interesse pelas obras do aventureiro francês Sylvain Tesson (1972-) ao percorrer o planeta teria origem certa. São vários os blogs dedicados às suas andanças (Vide menu: Livros – Resenhas e comentários – lista). “Os doze trabalhos de Hércules” (1944) encaminhou-me aos vários livros sobre a mitologia grega. Esta, figuradamente personificada nas aventuras de Hércules, tendo os personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo a acompanhá-lo numa “distância segura”, abriu-me a perspectiva de leituras sobre a Grécia Antiga, seus filósofos, artistas e escritores. As incursões posteriores aos livros percorridos na adolescência tiveram pois origem segura. Não seriam aquelas obras o peristilo basilar para aprofundamentos? Naquele longínquo período de formação, a leitura, paralela aos deveres escolares e aos estudos pianísticos, propiciou o descortino.

Rememoro uma coleção especial. Tratava-se de biografias resumidas em uma ou duas dezenas de páginas que destacavam, em cada livro particularizado, compositores, filósofos, pintores, escritores… Traduzidas do inglês para o português, tinham elas importância fundamental, não apenas com exemplos de vida dignificantes, mas também como referências culturais e humanísticas que substanciavam o conhecimento geral, indispensável em tantas decisões que o jovem daquele período tinha de tomar em relação ao futuro. Outras biografias em volumes individuais foram “consumidas”: Mozart, Bach, Beethoven, Aníbal Barca, Fernão de Magalhães, Napoleão, Churchill e tantas mais… Aquelas âncoras, em suas áreas específicas, eram sempre revisitadas e o conhecimento penetrava na memória. Paralelamente líamos os clássicos, pois nosso Pai insistia que “o estilo é o homem”, sempre a mencionar o conde de Buffon (1707-1788).

O escritor e poeta Flávio Amoreira, em crônica publicada em “A Tribuna” de Santos, escreve: “É sabido que a alta literatura é sempre pedagógica, é sabido que ler os clássicos nos modifica (quase sempre para melhor) por toda a vida, é sabido que ler é uma atividade insuperável em busca de autoconhecimento e é sabido que escolas, governos e pais têm feito pouco para motivar os jovens ao hábito sagrado da leitura” ( Novembro, 2023). Verdades absolutas.

O presente post, a rememorar leituras realizadas a mais de sete décadas, fez-me debruçar sobre a importância de um hábito salutar que, paradoxalmente, a alta tecnologia tende a sufocar. A extinção do objeto físico em relação à Música clássica ou erudita, LPs e CDs; e a banalização temática de livros à disposição, “marginalizando” a grande literatura, estão a provocar o já mencionado culto ao efêmero e, com ele, um futuro incerto.

Readers wrote about the collections “O Mundo Pitoresco” (The Picturesque World) and “O Thesouro da Juventude” (The Treasure of Youth) as well as other books that were fundamental in the formation of past generations, understanding that the habit of good reading is essential from adolescence and youth onwards.

 

 

Retido na memória

O MUNDO PITORESCO, com os seus nove volumes
artística e luxuosamente encadernados,
impressos em excelente papel,
leva-nos a todos os recantos do Mundo.
As gravuras encantam pela beleza e fidelidade.
São mais de 2.500, das quais 400 ilustrações em cores
que vão documentando ao vivo o que os textos descrevem.
(Publicidade, 1944)

Na memória, território da emoção,
é que eu encontro grandes coisas que me valem a alma,
que me salvam o espírito, que dão vida pra mim.
(Ator Lima Duarte em recente entrevista).

Em dia mais descontraído fiquei a olhar as lombadas de livros percorridos durante a adolescência. Retirei de uma das estantes um dos nove volumes de “O Mundo Pitoresco” (Rio de Janeiro, W.M.Jackson, 1946). Foi-me presenteado por nossos Pais nos meus 13 ou 14 anos. Naquele longínquo tempo, meus olhos atravessaram a coleção inteira, como o fizera anteriormente ao ler “O Thesouro da Juventude” nos seus 18 volumes (vide blog: 17/10/2009).

Lembrei-me da leitura de tantos temas, da visita com o olhar sobre outros mais e do encantamento que essas duas coleções despertavam. Os dois títulos muito contribuíram para a formação básica indispensável às gerações fronteiriças à minha. Se o “Thesouro da Juventude” abrigava segmentos do humanismo, da ciência, da prática cotidiana e de tantos outros mais conhecimentos, “O Mundo Pitoresco” percorria não apenas as cidades, aldeias, regiões e a vastidão do planeta, mas igualmente os oceanos que cercam os continentes, assim como imperceptíveis pontos, ilhotas até então não visitadas, encantando o leitor, máxime pelo mistério de terras e habitantes que vieram à luz mercê da coleção. Imagens e práticas de povos “estranhíssimos”, que naquela época nos eram totalmente desconhecidos, aguçavam a imaginação. Também a natureza em seu esplendor figurava no conjunto de livros. Todo esse acervo contido nas 2.331 páginas, com textos didáticos e precisos, além de imagens cuidadosa e sinteticamente explicadas. Retirei da estante um determinado volume e, ao folheá-lo, recordei-me instantaneamente das leituras prazerosas no início dos anos 1950, tão fortemente os textos e as imagens ficaram gravadas na memória. Folheei outros volumes e o impacto se repetiu.

Finamente encadernado e com as capas apresentando em discreto relevo nove imagens diferentes, “O Mundo Pitoresco” foi amplamente louvado pelos textos e pelas fotos, a minoria em cores. A coleção envelheceu e as referências sofreram mutações descomunais após essas décadas. Perdeu interesse? Certamente que não para aqueles que hoje buscam interpretar o presente através da leitura do passado contido nessa coleção não tão distante no tempo; não para o leitor que porventura percorre as páginas do Mundo Pitoresco pelo simples prazer da leitura. Para as novas gerações às quais mostrei a coleção, o interesse foi irrisório; para as novíssimas, creio que se acentuaria o desinteresse pelo avanço descomunal das geringonças eletrônicas que as prendem à telinha “mágica”. Se a leitura de livros basicamente já não as entusiasma, as mudanças, tantas abruptas, que aconteceram nesses oitenta anos ainda mais as distanciam daquele passado perscrutado com acuidade pelos organizadores de “O Mundo Pitoresco”. Sob a égide atual, alguns costumes de determinados povos mencionados na coleção estiolaram-se por motivos os mais variados.

“O Mundo Pitoresco” privilegia, o que é louvável, temas inusitados, tantos inéditos, e a pluralidade imensa de costumes e religiões da quantidade de povos que desfila pelas páginas causava forte impacto. Logicamente cidades importantes espalhadas pelos continentes têm seus espaços. Uma das intenções dos editores estruturou-se na revelação de locais e povos praticamente desconhecidos, privilegiando valores intrínsecos expostos sempre com naturalidade. Poder-se-ia acrescentar que parte substancial da geografia física e dos povos do planeta encontra-se na coleção.

Se houve mudanças de quantidade de costumes mercê do “progresso”, também a repaginação de continentes, no que tange a países, deu-se máxime no século passado, sendo que na Ásia e na África as transformações foram mais sensíveis. Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal deixaram de ser colonialistas e se retiraram daquelas vastas regiões, nem sempre pacificamente. “O Mundo Pitoresco”, ao pesquisar povos os mais diversos do planeta, buscou igualmente tradições advindas da fase colonial, fato que concede à coleção abrangência singular.

“O Mundo Pitoresco”, publicado inicialmente em inglês e a seguir em espanhol, teve a posterior tradução em português. Seria possível asseverar que a atualidade vertiginosa desestimulou a edição de obras como “O Mundo Pitoresco”, “O Thesouro da Juventude” ou o bem posterior “Conhecer”. Antolha-se-me que o desinteresse pelo conhecimento humanístico empobrece a memória, pois o afluxo internético e imenso, instantâneo, está sujeito à evaporação. Sem a âncora estabilizadora o navio pode ficar à deriva. Sem a conhecença que fixa o passado com seus valores intrínsecos, mas também desacertos – esses em áreas outras -, o cérebro fica sujeito ao hodierno sem alicerces.

“The Picturesque World”, a collection of 9 books first published in the United States and Spain (1940s) and in 1944 in Brazil, is an extraordinary tour of the most diverse regions of the planet, presenting peoples, customs, traditions, as well as the exuberance of nature. Full of images and precise texts, “The Picturesque World” has enchanted generations.