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Considerações a partir de um livro de História para estudantes

Roma, que na época da sua grandeza,
colocou todo o mundo civilizado sob as suas leis,
impregnou-o do seu espírito e continua a dominá-lo
mais de mil e quinhentos anos após a queda do seu império
.

A.Ammann e E.-C. Coutant (1916)
(“Histoire Romaine et Les débuts du Moyen Âge”)

A pergunta que sempre me faço: A Cultura Humanística sobreviverá à avalanche do desmanche? Ao longo dos anos, foram inúmeros os blogs que escrevi a respeito de uma nítida decadência, estimulada por inúmeras fontes com esse desiderato preciso. Quando Mario Vargas Llhosa comentou que se processa a derrocada da Cultura Erudita, poderíamos estendê-la para todas as áreas interligadas. Não precisamos ir longe nestas deduções. Na simples consulta aos principais sites de notícias, verifica-se que, a começar pelo mau trato da língua portuguesa, Costumes e Moralidade de há décadas atrás já não fazem parte desses veículos de divulgação. Após matérias de articulistas sobre política, justiça, esporte e cotidiano, há profusão de intromissões na vida de figuras muito ventiladas, que são expostas nesses espaços em suas intimidades. Os jornais de maior circulação, após um sentido emagrecimento em termos de páginas, tiveram igualmente empobrecimento no conteúdo. Razões há, pois leitores na idade madura que acompanharam durante décadas essas publicações perderam gradativamente o interesse nessa nova configuração dos periódicos. Não seria a decadência cultural uma das causas do encolhimento?

Da parcela da biblioteca que herdei de meu Pai, um livro me chamou a atenção, “Histoire Romaine et les débuts du Moyen Âge” (Paris, Fernand Nathan, 1916), escrito pelos professores A. Ammann e E.-C. Coutant, destinado aos alunos do segundo ciclo em França. Apreendi que, se no início do século XX a idade de entrada para o segundo ciclo variava, a partir de 1927 estendeu-se a escolaridade obrigatória para 14 anos. O livro em pauta destinava-se aos estudantes adolescentes, sendo que é de causar admiração o conteúdo amplo e extremamente didático do livro em suas 451 páginas! Dividido em quatro partes: Os primeiros tempos de Roma, A conquista do mundo, O Império romano e os Inícios da Idade Média, todas com subtítulos que exibem textos redigidos com a tão tradicional clarté française, glorificada mundo afora, máxime àquela altura. Os autores no prefácio salientam: “resolvemos tornar nossos livros realmente úteis ao maior número de alunos, e fazer não simples livros de leitura, mas verdadeiros instrumentos de trabalho”. Terminam considerando: “Não temos a ambição de transformar os alunos em eruditos; mas nós cremos ser necessário que eles conheçam o nome, o caráter, o valor das grandes obras históricas, cuja existência ninguém deveria ignorar”. Indicam bibliografia a ser consultada e como encontrar nessas obras capítulos e páginas “que podem oferecer interesse especial”.

Amplamente ilustrado com desenhos apropriados, a fim da fixação na memória do aluno, o livro não se atém unicamente aos fatos ocorridos e documentados, mas descreve os ambientes naturais, enriquecendo e sedimentando o aprendizado. Como exemplo, para o maior entendimento dos adolescentes, a Itália é “dissecada” sob o aspecto geográfico: continental, peninsular, insular, populações nessas terras, força da natureza e as erupções vulcânicas. Descrevendo pormenores, após essas premissas geográficas e os primeiros povos, os autores inserem um quadro a recapitular as origens romanas: I Geografia física da Itália, II Geografia política, III As populações, IV Roma sob os reis. Essa metodologia resultaria certamente numa fixação maior do aprendido pelos alunos. Os tantos quadros ao longo da obra são sempre precedidos por item essencial — “Deveres escritos” — e neles há várias perguntas sobre os temas expostos, que devem ser elaborados pelos adolescentes. Dois outros itens são fundamentais, um “Índice Geográfico” e leituras recomendadas. Entre estas, estão presentes autores como Fustel de Coulanges (1830-1889), autor da célebre “A Cidade Antiga”, Jules Michelet (1798-1874), este um dos maiores historiadores do século XIX, assim como inúmeros outros escritores que se dedicaram aos temas tratados, tanto sobre história como temáticas relacionadas. Impressiona ao longo do livro a riqueza bibliográfica.

No desenrolar da História Romana, as muitas etapas por que passou o Império Romano, bem antes da sua instauração até a sua decadência, são didaticamente explicadas. Há ênfase às Guerras Púnicas, a confrontar Roma contra Cartago, assim como a tantas outras contendas para extensão territorial.

“Histoire Romaine…” pormenoriza os dois séculos da vigência da República Romana e sua queda, assim como a ascensão posterior dos Imperadores, nomeando-os e considerando suas ações individualizadas, seus erros e acertos, sempre ao final aguçando a mente dos alunos através dos deveres a serem por eles cumpridos.

De interesse o debruçamento sobre a sociedade nos tempos do Império. São estudados a vida romana, Pompeia, os espetáculos, as escolas, os costumes, a aristocracia e aquelas que, à altura da “Histoire Romaine…”, eram denominadas as classes inferiores e seus escravos.

Um longo segmento do livro aborda o cristianismo, sua aparição na sociedade, seus efeitos, a perseguição sofrida, a abolição posterior do paganismo, mercê da decisão do Imperador Teodósio, que reinou de 378 a 395, o que tornou o cristianismo (catolicismo) a religião oficial. O imperador tem menção especial dos autores: “Teodósio, ‘o último dos Romanos’, conhecido através dos tempos como ‘Teodósio, o Grande’. Não seria pelo fato de ter sido ele um grande gênio, mas tinha um admirável bom senso prático, talentos como administrador e general e, graças às suas qualidades, conseguiu retardar em alguns anos a queda do Império”. Foi após a sua morte que houve a cisão do Império, tornando-se doravante Império Romano do Ocidente, que findou em 476, e Império Romano do Oriente, que durou até 1453 com a queda de Constantinopla.

O desenrolar do livro encaminha o aluno leitor até os primórdios da Idade Média, como bem expresso no título. Os romanos consideravam bárbaros todos povos que habitavam fora do Império. Diversos ocupariam os espaços conquistados com a decadência do Império Romano: Germânicos, Francos, Anglo-Saxões. Em “Histoire Romaine et les débuts du Moyen Âge” há um esboço relativo aos povos invasores, seus costumes, suas organizações sociais. Igualmente abordam mais resumidamente o Oriente, os árabes e o Imperio Bizantino.

Embora haja professores e pesquisadores na acepção, dedicados ao estudo de temas voltados à Antiguidade e, entre estes, história dos povos, arte, literatura, filosofia, ciência, assiste-se no país, sistematicamente, a um desmonte do conhecimento das humanidades. Chega a ser vexatória a comparação do livro francês para o segundo ciclo francês nos idos de 1916 com o material utilizado presentemente!!! Pouco a pouco, as novas gerações consideram o passado fundamental apenas conhecimento sem nenhum interesse na era da internet. Como curiosidade, por vezes ausculto jovens alegres e descontraídos cursando escolas renomadas. O desconhecimento dos studia humanitatis é notório, sem contar as disciplinas voltadas às ciências exatas, a resultar na própria deterioração das provas escritas e da expressão oral. Infelizmente, muitos dos programas apresentados aos adolescentes têm um forte teor ideológico, que se afigura como de maior importância para determinados docentes. E a contaminação se dá.

Sou cético quanto ao retorno aos estudos aprofundados das humanidades no nível dos ciclos juvenis. O que se me afigura com esperança é a transmissão desses conhecimentos no âmbito familiar, pois ainda há quantidade de famílias que cultuam o riquíssimo conhecimento legado por figuras insuperáveis em suas respectivas áreas. Oxalá isso permaneça como estandarte para um futuro…

“Histoire Romaine et les débuts du Moyen Âge”, published in 1916 and intended for the second cycle in France, i.e., teenagers, shows the gaping distance from what is taught today to the same age group, due to a clear decline in the study of Humanities.

Três poemas de Aloysius Bertrand inspirando Maurice Ravel

A música é poesia incorpórea.
Guerra Junqueiro (1850-1923)

O tríptico de Maurice Ravel (1875-1937), “Gaspard de la nuit, é uma das obras mais significativas do repertório pianístico de todos os tempos. Ao buscar no Youtube gravações do notável pianista português Sequeira Costa, encontrei o seu registro fonográfico de “Gaspard de la nuit” inserido recentemente no aplicativo. Veio-me a ideia de compartilhá-lo com os leitores.

Estou a me lembrar de que em Paris estudei seis meses com o ilustre pianista e professor Jacques Février (1900-1979), que fora mestre também de Sequeira Costa dez anos antes. Février foi o intérprete da primeira audição em Paris do Concerto para a mão esquerda de Ravel. Disse-me ele que nenhum outro pianista tocava “Gaspard de la nuit” como Sequeira Costa, que compreendera o tríptico em sua essencialidade, e que não conhecera pianista com uma técnica tão impressionante como a dele. Estávamos no longínquo 1959.

Quantas não foram as interpretações do tríptico que ouvi ao longo das décadas? Tantas extraordinárias, outras boas. Contudo, ao ouvir presentemente a gravação de Sequeira Costa, tantos anos após uma primeira escuta, comungo a opinião do mestre Février. Necessário se faz traçar algumas considerações concernentes à “Gaspard de la nuit”, obra que também interpretei no Brasil e no Exterior, assim como outras duas composições referenciais de Ravel, “Miroirs” e “Le tombeau de Couperin”. Saliento que àquela altura, fronteiriça aos anos 1950-1960, estudei com Sequeira Costa os 24 Estudos de Chopin e algumas Sonatas de Beethoven.

Quantos não foram os compositores que encontrariam na poesia o veio inspirador para canções acompanhadas ao piano ou orquestra, óperas e seus enredos poéticos, ou, numa “abstração”, para piano solo a partir do conteúdo do poema? Franz Schubert (1797-1828), Robert Schumann (1810-1856), Gabriel Fauré (1845-1924), Hugo Wolf (1860-1903), Claude Debussy (1862-1918) e Camargo Guarnieri (1907-1993) são alguns dos nomes que compuseram lieds, mélodies ou canções para canto e piano, realizando o perfeito amálgama.

Apreender o conteúdo poético em sua abrangência e transformá-lo em outra categoria criativa na esfera da arte requer requisitos essenciais por parte do transpositor. Maurice Ravel, ao conhecer, por intermédio do insigne pianista e seu amigo Ricardo Viñez (1875-1943), o livro de Aloysius Bertrand (1807-1841), “Gaspard de la nuit”, debruça-se sobre três dos inúmeros poemas em prosa, Ondine, Le Gibet e Scarbo. A poética de Aloysius Bertrand, a integrar a literatura fantasmagórica, sofre forte influência do escritor romântico alemão E.T.A. Hoffmann (1776-1822) e do artista Jacques Callot (1592-1635), autor de desenhos e gravuras, tantos desses voltados a um mundo depressivo. A curiosidade de Ravel foi campo fértil para a apreensão, no caso de “Gaspard de la nuit”, de conteúdos românticos cinzentos.

Aos 17 de Julho de 1908, ano da composição do tríptico para piano, Ravel escreve à sua amiga Ida Godebska: “… De momento, a inspiração parece estar a fluir. Após longos meses de gestação, Gaspard de la nuit vai ver o amanhecer. Foi o diabo que veio, Gaspard, o que é lógico, uma vez que é ele o autor dos poemas”.

A primeira peça, Ondine, figura tão presente na imaginação de outros compositores, como Claude Debussy (8º Prélude do primeiro livro), flui na pena sensível de Ravel como sedutora a partir da estrofe do poema em prosa de Bertrand: “Murmurando uma canção, ela me suplica que coloque em meu dedo o seu anel para me tornar o esposo de uma Ondine e visitar com ela o seu palácio, tornando-me o rei dos lagos”. Ravel empregaria anteriormente em duas obras capitais, Jeux d’eau e Une barque sur l’océan (terceira peça de Miroirs), processos pianísticos muito próximos.

Le Gibet recebe, da parte do insigne pianista Alfred Cortot (1877-1962), uma observação essencial: “Seria difícil supor um contraste de sentimento mais impactante do que este que opõe, ao fluido encantamento anterior, o sinistro impressionismo do Gibet. Nessa peça, vemos Ravel se aventurar na interpretação musical das aterradoras imagens contidas no poema de Aloysius Bertrand com a mesma lucidez, a mesma pujança divinatória que ele emprega para definir as sensações mais familiares”. Tem-se como última estrofe do poema de Bertrand em prosa: “É o tilintar do sino nas muralhas de uma cidade sob o horizonte, e a carcaça de um enforcado avermelhada pelo sol poente”. O si bemol – parte central do teclado – a tilintar inflexível, dita a sombria evolução durante o transcurso de Le Gibet em sua impassibilidade, a configurar, ademais, uma das peças mais complexas para a interpretação. A obediência absoluta às indicações de Ravel, a não permitir qualquer desvio, é a possibilidade de uma interpretação adequada: “Sans presser ni ralentir jusqu’à la fin – Sourdine durant toute la pièce”. Sequeira Costa se mostra um mestre absoluto.

Scarbo, assim como Alborada del gracioso, quarta peça de Miroirs, estão entre as criações mais virtuosísticas do repertório raveliano. A figura de Scarbo é a de um anão diabólico e uma das estrofes de Aloysius o descreve: “O anão cresceu entre mim e a lua como o campanário de uma catedral gótica, com um sino de ouro a tilintar no seu chapéu pontiagudo!”. Sabe-se que, entre as intenções de Ravel, pairava a de compor algo mais difícil do que a dificílima Islamey de Mily Balakirev (1936-1910). O próprio Ravel definiria “Gaspard de la nuit” como de “virtuosidade transcendente”.

Clique para ouvir, na interpretação hors concours de Sequeira Costa, “Gaspard de la nuit”, de Maurice Ravel. A gravação foi realizada nos tempos dos LPs, com o atrito da agulha sobre o disco tantas vezes provocando ruídos:

https://www.youtube.com/watch?v=5C-cl8LgpcQ

Gaspard de la nuit, by the French poet Aloysius Bertrand, is a book of ghostly prose poems that had an influence on the poetic literature of the genre. Composer Maurice Ravel would write a triptych based on Bertrand’s poem, which would bear the same name, being one of the most challenging creations written for piano. The remarkable Portuguese pianist Sequeira Costa (1929-2019) made an anthological recording of Gaspard de la nuit.

Recomendações preciosas do meu saudoso Pai

O gado sabe quando deve deixar de pastar,
mas o homem estúpido não conhece a medida do seu apetite.
Se desejas ter uma vida mais longa, um corpo com boa saúde, vigoroso e com bom apetite,
e travar conhecimento com as obras maravilhosas de Deus,
trata em primeiro lugar de pôr o apetite dentro dos limites da razão.
Acautela-te de pequenas extravagâncias; uma pequena fenda pode naufragar um navio.
Benjamin Franklin (1706-1790)

O blog recente, “L’Art de bien gérer sa santé”, foi lido pelos meus irmãos Ives e José Paulo, que sinalizaram que nosso Pai, José da Silva Martins (1898-2000), sem mencionar a obra do notável médico francês Paul Farez (1868-1940), seguiu muitos de seus preceitos ao escrever o seu próprio livro, “Saúde”, bem recebido pelos leitores.

Quando da edição (São Paulo, Martin Claret, 1995), li e comentei reiteradas vezes com meu Pai sobre as normas por ele seguidas para a manutenção da sua própria saúde, pois ao escrevê-lo estava nos seus 97 anos, vindo a falecer três semanas antes de completar 102 anos. Disse-me que o ilustre cardiologista Adib Jatene (1929-2014) generosamente confessou-lhe que o Pai sabia melhor como manter a saúde do que ele próprio.

“Saúde” é o resultado da experiência de vida do nosso progenitor, que a mantinha através de um método rigoroso. Até adentrarmos a plena juventude, nosso Pai nos fez seguir muitos dos seus conhecimentos práticos relacionados à saúde, preferencialmente no que concerne à alimentação, como também aos cuidados físicos através da ginástica sueca, muito praticada no período. Escreveu os preceitos elencados no livro e que transmito ao leitor:

“1º) Torne indispensável o uso diário de um comprimido de: Complexo de Vitaminas B + C, Vitamina E, Vitamina A, divididas nas três principais refeições; 2º) Tome ao jantar, se possível, um comprimido de óleo de alho, levando em consideração que o alho e a cebola, sendo barreiras contra os resfriados e gripes, são dois produtos indispensáveis para uma boa saúde; 3º) Beba de litro e meio a dois litros de água diariamente, fora das refeições, a fim de que detritos dos emunctórios sejam eliminados. Destes detritos não eliminados dimanam muitas doenças. Não beba, porém, nenhum líquido senão depois da digestão completada, isto é, duas ou três horas depois de cada refeição, porque qualquer líquido vai perturbar a digestão nesse interregno; 4º) Se o leite é indispensável à criança, é prejudicial ao adulto e perigoso para o doente. Pode alguém tolerá-lo, mas não recebe benefícios dele; 5ª) Faça ginástica suave, que movimente todos os órgãos do corpo. Se de idade avançada, ande algum tempo, seja até em casa ou apartamento. A marcha é a melhor das ginásticas; 6º) Três a cinco vezes por dia, espaçadamente, faça respirações profundas, que atinjam todo o seu aparelho digestivo e os pulmões, porque na respiração normal há partes desses órgãos em que o vivificante oxigênio nunca chega. Retenha por segundos o ar desta respiração mais profunda; 7ª) Evite a ociosidade e o cansaço. A vida é movimento, segundo Pascal; mas, se avançado em idade, nada faça que o possa cansar; 8º) Que a base da sua alimentação seja composta de legumes e frutas, que prolongam a vida com saúde, enquanto carnes e peixes a diminuem. Dentre as carnes, prefira a branca à vermelha; 9º) O açúcar industrial, como os doces, são maus alimentos, enquanto que o açúcar das frutas é um ótimo alimento. Eis a síntese dos conselhos que ofereço para uma vida com saúde e que por mim são vividos”.

Sistemático, nosso Pai seguia à risca determinados preceitos. Entendia serem o alho e a cebola preciosos. Insere no livro um provérbio muçulmano: “Coma cebola durante um ano, se queres saborear mel durante toda a vida”. Quanto ao leite (item 4), jamais o vi tomar um gole sequer. Dizia ele que nenhum mamífero, após desmamar, retornava às mamas maternas. A ginástica sueca matutina (item 5) era-lhe indispensável, acompanhada de prolongadas respirações que preenchiam os pulmões até a base, como dizia. Realmente evitava a carne vermelha (8º item) e mui raramente a consumia. Quanto ao açúcar industrial (item 9), era taxativo e evitava solenemente doces ou outras guloseimas. A respeito da água (3º), bebia pela manhã, lentamente, uma quantidade razoável, mastigando-a. Dizia que assim procedendo ela já estaria incorporada ao organismo. Tinha ele um conceito bem diverso no que concerne à cerveja, pois “…ela encharca o estômago”, mercê da quantidade geralmente excessiva que é bebida não solitariamente.

Um dos hábitos que meu Pai sempre teve foi o de beber moderadamente em todas as refeições uma taça de vinho. Estou a me lembrar de várias vezes na minha infância tê-lo visto receber vinho em barricas de tamanho médio vindas de Portugal e pessoalmente engarrafá-lo. Também vertia um pouco de vinho à sopa, carinhosamente preparada por nossa saudosa Mãe, sopa essa infalível todas as noites.

“Saúde” aborda um tema de real importância referente à quantidade de alimentos consumidos e um posicionamento de nosso Pai foi fartamente presenciado pelos filhos. Escreve: “Os homens, em sua maioria, excluindo-se o Terceiro Mundo, comem o dobro de suas necessidades. Com esse erro, diria até vício, esgotam suas forças vitais, e um cortejo de enfermidades os acompanha, tendo o seu epílogo na morte prematura”. Tão fortemente acreditava nessa disciplina alimentar que, em segmento outro, comenta: “Mastiga cada partícula de alimento perfeitamente; saciarás assim, com metade do alimento habitual, o apetite, economizando forças vitais aos teus órgãos digestivos e terás melhor assimilação”.

O livro contém inúmeras citações de personagens históricas que mencionam dados sobre a saúde e até sugerindo alimentos salutares. Uma delas de Pitágoras, quinhentos anos antes de Cristo apregoando que as favas, leguminosas da família do feijão, eram nocivas à saúde, citação precedida por posicionamento do autor: “O feijão, bom para o trabalhador braçal, é pesado para o trabalhador intelectual”. Em um dos segmentos do livro, nosso Pai menciona uma série de legumes e verduras, indicando os seus benefícios.

“Saúde” apreende ensinamentos vivenciados durante sua longa existência. Seus outros livros tratam da “Saúde” mental e espiritual, finalizando o ciclo fundamental para uma vida saudável de maneira homogênea. Foi apenas aos 86 anos que publicou seu primeiro livro, sendo que o último, “Breviário de Meditação”, foi escrito aos 101 anos.

Não seria a menção de um pensamento do Padre Manuel Bernardes (1644-1710) – “Não há modo de mandar, ou ensinar, mais forte e suave de que o exemplo; persuade sem retórica, reduz sem porfia, convence sem debate, todas as dúvidas desata, e corta caladamente todas as desculpas” -, o objetivo do precioso livro “Saúde”?

In the book “Saúde” (Health), written by my father when he was 97, there is a summary of the procedures he followed during his long life, which lasted until he was 102.