Coimbra e Pombal
Revisitar uma cidade pode revelar aspectos não apreendidos anteriormente. Este é o sexto ano consecutivo em que me apresento em Coimbra, sob os auspícios da tradicional universidade. Longe estou de conhecer parcela pequena da urbe repleta de encanto e mistério.
Após a conferência-recital, Regina, meu ilustre amigo e professor da universidade José Maria Pedrosa Cardoso e eu descemos as íngremes e espremidas ladeiras de pedras irregulares. Escadarias perigosas – uma tem o nome de quebra-costas – estão a denunciar o infausto à espreita. Fomos jantar no restaurante O Trovador, bem em frente à porta Especiosa, lateral da Sé Velha. Não foi a primeira vez, ao longo dos anos, que lá paramos para saborosas refeições, que apenas Portugal sabe proporcionar. Mas, incrivelmente, seria esta a primeira visão que fixei da Sé Velha de maneira mais persuasiva. Fiquei extasiado e no dia seguinte, ao subir escadas e ladeiras para o ensaio do recital que ocorreria à noite, admirei a extraordinária Catedral, o mais importante monumento românico existente em Portugal. Ao adentrar, o maravilhamento.
A Sé Velha, como é conhecida, foi construída em local estratégico. A pedra fundamental da construção data do início do século XII e foi lançada no período de D. Afonso Henriques. O culto regular acontece desde 1184.
O estilo da Sé Velha faz parte da vasta atuação que a construção românica desempenhou em Portugal. Uma de suas notáveis características é a austeridade, mercê do exterior ter essa forma paralelepipédica. Se traços islâmicos podem ser evidentes na porta principal, destaquem-se as portas laterais. A Especiosa, criação de João de Ruão, detém essa apreensão dos importantes arcos da Renascença italiana. A outra porta, menos imponente, foi dedicada a Santa Clara.
O interior da Sé Velha é deslumbrantemente austero e a dimensão de sua nave principal se impõe, sendo igualmente relevantes as duas outras, laterais. De extraordinária feitura é o retábulo principal, rigorosamente excepcional nas dimensões e na grande unidade. De madeira dourada e policromada, data do início do século XVI, tendo sido o mais relevante construído em Portugal no período.
Ao sair, ainda vislumbrei as ameias, pois se tratava de uma Catedral que era também autêntica fortaleza. Continuei a subir ruelas, contornando as curvas até chegar ao destino, na Praça Central da Universidade. O espírito estava preparado para o recital que se daria logo após.
Parte considerável das cidades ou vilas medievais tem seu castelo construído no alto de morro ou colina mais proeminente. Pombal não é exceção e o magnífico castelo pode ser avistado à distância. Na região ocupada hoje pela cidade habitaram povos do período neolítico. Romanos e muçulmanos estiveram na urbe e deixaram marcas expressivas de suas culturas. No século XIX, os franceses ocuparam e saquearam a cidade, destruindo monumentos arquitetônicos relevantes. Foi apenas pelo fato de ser atravessada por ferrovias e estradas nacionais que o fluxo do progresso retornou à cidade.
Uma das figuras mais ilustres da história de Portugal e da Europa foi Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o Marquês de Pombal, ministro do rei D. José. Com trajetória marcada por extremos absolutos, Pombal granjeou incontáveis inimigos, que emergiram após a morte de D. José. O desterro em Pombal foi o termo de seus dias.
Se o Castelo medieval da urbe desperta a atenção do visitante, citemos a Igreja de Santa Maria do Castelo, construída na época do templário Gualdim Pais, reedificada em 1560 e destruída quando da invasão francesa. Vestígios atestam sua monumentalidade.
Não conhecia Pombal, cidade bela e rica em tradições populares e construções históricas. Foi grato prazer ter-me apresentado no Teatro-Cine que data do início do século XX, mas totalmente reformado. Uma excelente sala de espetáculos.
Fernando Martinho prepara seu doutoramento na Universidade de Coimbra sob a orientação segura do Professor José Maria Pedrosa Cardoso, sendo eu o co-orientador. Foi-nos buscar em Coimbra, mostrando-nos a bela Figueira da Foz. Do alto da Serra da Boa Viagem tem-se uma esplêndida visão da magnífica e extensa praia. Após, ouvi algumas de suas boas alunas do Conservatório da cidade. Dirigimo-nos a seguir a Pombal e nossa conversa sobre a tese em andamento era interrompida por comentários sobre a paisagem que passava diante de nossos olhos. Após o recital, uma ceia em casa do amigo, onde não faltaram boa companhia, pratos típicos e vinho generoso.
Regressamos ao Porto, epicentro quando de meus recitais acima de Lisboa. A casa da Professora Maria de Lurdes Álvares Ribeiro continua meu porto seguro na região do Douro. Lisboa é o próximo passo e duas apresentações estão marcadas na Academia de Amadores de Música. A tournée continua nessas terras lusitanas que fazem parte de meu ser.
My recitals in Coimbra and Pombal, two cities with a rich and well preserved past. The next step will be Lisbon, where my concert-tour in Portugal comes to an end with two performances.
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