Respondendo a Questionamentos
Pour l’auditeur, l’interprète et l’auteur se confondent aisément, même s’il croit les distinguer.
Au fond, l’auditeur se préocupe peu des intentions de l’auteur et ne s’arrête qu’à ce qu’il entend.
André Souris
Não encontrava Maurício desde os tempos em que ensaiamos nos anos 80 para uma apresentação piano-orquestra. Lembrava-me dele, pois um dos raros jovens a me pedir orientação quanto a algumas intenções da obra que estava a ser preparada. O acaso motivou nosso encontro em um corredor de supermercado. Era Maurício um dos instrumentistas do conjunto. Toquei àquela altura um concerto de Mozart. Aliás, minhas apresentações com orquestra foram raras, dado o caminho que empreendi ao longo da trajetória, a buscar o inusitado para piano solo. Contudo, a razão do post foi a quantidade de boas perguntas que o músico, nessa ainda juventude da idade madura, me propôs. Continua ele a dar aulas e a integrar várias orquestras em São Paulo, da mesma maneira que parcela considerável de nossos instrumentistas.
Como de hábito, ao encontrar alguém disposto a desenvolver uma conversa salutar, proponho logo um curto em café nas proximidades de meu reduto. Lá fomos nós e permanecemos por mais de meia hora a comentar interpretação. As perguntas, brotadas de mente inteligente, foram a respeito da interpretação e do solista frente à orquestra. Integrante de uma estante nos vários conjuntos em que atuou ou atua, sente entre os mais variados solistas distintos posicionamentos diante de obra executada. Tendo percebido desde o início de seus estudos que seu amor à música era inconteste, apesar de também entender que seu destino deveria ser a orquestra, Maurício aprendeu a ouvir e a sentir reações, não apenas de seus pares, mas dos convidados solistas. Esse é um dom notável, e fiquei atento às suas ponderações. Perguntou-me o que entendia por categorias de intérpretes. Enumerou-as: aqueles em que o gesto é primordial, pois sabe o executante que considerável segmento do público acredita que movimentos faciais ou corporais têm tudo a ver com envolvimento por inteiro; outros em que a virtuosidade se torna o essencial e os movimentos bem rápidos por vezes levam os músicos da orquestra a sérios problemas para acompanhá-los, mal se importando o “star” com essa situação; e outros mais, em que o executante é poeta e o que mais o preocupa é a condução da frase musical. Acrescentou o instrumentista “e aqueles que tocam com precisão, mas dando a impressão de desinteresse”, a seu ver os solistas mais maléficos em relação à música, pois que, garantida a notoriedade, “aprofundam-se” em uma rotina sem volta.
Confesso que me causaram impacto suas considerações, que vinham ao encontro de diversas concordâncias de minha parte, já expressas em inúmeros posts nesses últimos quatro anos. Mas, a atender seu propósito, teci lá minhas opiniões relacionadas a essas várias categorias pensadas por Maurício.
O gesto. Quão não foram as vezes em que mencionei o gestual excessivo a causar impacto à platéia leiga, até como um desrespeito à essência da música? Estou sempre a me lembrar do insigne pianista Claudio Arrau que, na idade madura, entendeu que o necessário a ser transmitido aos ouvintes consistia na integridade absoluta da música e não no visual. Seria possível entender que, na fase erótica da existência, o gesto excessivo corresponda a ímpetos naturais. Mas vem a maturidade. Se o gestual permanecer exacerbado, haveria outras explicações, até de ordem psicológica. Contudo, a austeridade não monástica, mas espontânea, poderá um dia ser a constante de uma interpretação integralizada, a adquirir transmissão essencial. Cabe ao intérprete cuidar dessa interação. Disse ao Maurício que, sob outro aspecto, o esportivo, assisti a um ótimo jogo de vôlei que decidia o Circuito Nacional. Jogavam em Belo Horizonte Cruzeiro e Sesi. Um muito bom jogador do Cruzeiro, Felipe, não apenas incitava os torcedores do Cruzeiro a cada ponto que sua equipe fazia, levando-os ao delírio, como transmitia, por osmose, essa atitude aos adversários. Do lado do Sesi, absolutamente impassível nas feições, Murilo, considerado o melhor jogador do mundo no ano passado. Sem gestual desnecessário, fazia seus muitos pontos para o Sesi, que se sagrou campeão. Quão não são os intérpretes, bons ou excelentes, que não se beneficiam de gestos, à la manière do excelente Felipe? Quantas não são as vezes em que o público que frequenta os mesmos repertórios não se impressiona com o visual em detrimento da música? Quantos outros não admiram o envolvimento e a precisão de personalidades como a de Murilo?
No caso específico do virtuosismo pelo virtuosismo, nada a fazer, apenas se mentalidades forem alteradas. Maurício asseverou que não são poucos os solistas voltados à virtuosidade que “puxam” o andamento de determinadas obras, não o fazendo durante os ensaios, mas sim quando os holofotes incidem sobre eles no momento da apresentação. Também no caso, instrumentistas que estavam habituados a determinado andamento e que assim se prepararam, por vezes são impelidos à aceleração. Nem sempre um bom regente pode “segurar” o intérprete desenvolto, qual um potro em descampado, pois este está preocupado unicamente com a sua performance. Foi quando Maurício comentou o lamentável episódio da Orquestra Sinfônica Brasileira, OSB, e a situação que dirigentes criaram a constranger instrumentistas responsáveis à prova de aferição. Desfile de prepotência e vaidade. Conversamos a respeito dos “superiores” na hierarquia que estabeleceram esse estranho encaminhamento, quem sabe movidos por idiossincrasias pessoais com determinados músicos da orquestra. Luminares internacionais teriam mais respeito… Não nos esqueçamos da célebre frase de Saint-Exupéry, “a vaidade é uma doença”. Como se sentirão os “selecionados” aprovados? Qual a certeza que poderão ter de não passar brevemente pelo mesmo constrangimento? Em post anterior, o Maestro Roberto Duarte, que une altíssima competência a profunda apreensão humanística, já observava com serenidade o lamentável affaire da OSB (vide Desrespeito Endêmico – Cidadão, Figura Indefesa, 12/03/2011).
Há o intérprete poeta. Ele existe, geralmente fora da ribalta do aplauso fácil. Chega a comover público e membros da orquestra. Tem a plasticidade e a humildade de ser solista, mas a entender as orquestras e ser por elas entendido. Por fim, Maurício apontou para o intérprete da rotina, preciso mas sem interesse. Hélas, ele também existe. Nesse caso, nada a fazer, apenas lamentar ter ele escolhido uma senda enfadonha.
Finalizávamos esses conceitos quando Maurício olha para o celular. Os horários são implacáveis. Ensaios o esperavam. Bom sentir um músico que pensa tão argutamente em problemas essenciais que reiteradamente passam ao largo da maioria.
A few days ago I had a chance meeting with an orchestral musician I hadn’t seen since the eighties. At the time he took part in an ensemble and we played together a Mozart concerto. While taking a cup of coffee we talked about soloists and their distinctive ways of performing when standing in front of an orchestra. Some interesting issues have been discussed and I sum them up in this post.
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