Lenda Viva
Comparada às instituições de ensino de música na Europa, a Academia dos Amadores de Música é pequena e instalada em local até acanhado, no segundo andar de velho prédio situado à Rua Nova da Trindade, em Lisboa (vide Academia de Amadores de Música, categoria “Impressões de Viagem”, 26/05/07). Contudo, o que fez com que se tornasse verdadeira referência foi o fervor a impulsioná-la em períodos distintos.
Sua criação data de 1884. A partir da ação determinante de figuras ilustres de Portugal, nasceria a Real Academia de Amadores de Música, hoje designada Academia de Amadores de Música. Assistiu a instituição a inúmeros empreendimentos, que se tornaram exemplos na cultura musical portuguesa.
Logo após as guerras de 1914/18 e 1939/45, sofreria a Academia sensíveis declínios, que soube atenuar com o tempo. Frisem-se duas direções extraordinárias, integração absoluta na condução da instituição. Primeiramente, o Padre Tomás Borba e, mais tarde, o grande compositor e pensador português Fernando Lopes-Graça (1906-1994). O ilustre músico entrou para o corpo docente da Academia em 1941, participando da direção juntamente com o Padre Tomás Borba até a morte deste.
A Academia está a complementar o ensino de Música em Portugal de maneira competente, corroborando a ação do Conservatório Nacional, situado bem próximo, do qual o Padre Tomás Borba foi igualmente um dos mais ilustres professores.
Em 1949, Lopes-Graça seria mentor da criação do coro misto. Durante o longo período em que essa figura maior da música portuguesa do século XX esteve à frente da Instituição, foram criados movimentos como a Sonata, realização de concertos históricos, guardiões da cultura musical de vanguarda em Portugal. José Gomes Ferreira relata, em livro já mencionado no post de Maio passado, debates acalorados, nos quais personagens ilustres nas áreas de música, artes plásticas e literatura confrontavam idéias.
Reduto de resistência ao regime ditatorial de Salazar, a Academia teria sempre de enfrentar sérias dificuldades. Instalada há décadas no mesmo endereço, segue seu caminho honesto, dedicado, e o fervor impregnado em suas paredes, que tanto viram e ouviram, testemunha o compromisso.
A convite de Lopes-Graça, dei meu primeiro recital de piano em Portugal em Julho de 1959, na velha Academia. Personalidades convidadas pelo generoso músico lá estiveram e, para o jovem que eu era, foi um maravilhamento. Dias após, Lopes-Graça generosamente convidou-me para o convescote anual do coro da Academia de Amadores de Música, por ele dirigido. Fomos de comboio a cantar até Sintra. Plena felicidade.
Tantas vezes cá me apresentei… Nas décadas de 80 e 90, visitava, sempre que possível, o extraordinário músico Lopes-Graça, personalidade de fortes posições, contrárias à ditadura imposta por Salazar, o que lhe valeria sérios dissabores. Jamais cedeu em suas convicções. Um íntegro.
Nesta semana, dou pela primeira vez um curso na Academia. O ótimo professor Antônio Ferreirinho, violonista e músico sensível, organizou com cuidado, junto à Direção da Academia, a programação intensa: seis conferências e seis master classes. É comovente a participação de alunos tão interessados nas conferências, apresentando-se com imenso amor à música. Ouço talentos autênticos, muito bem preparados por mestres competentes.
Revisitar a velha Academia e subir as escadas de madeira, gastas pelas passadas de tanta história, fazem-me refletir e perceber que valeu à pena trilhar um caminho amoroso, em comunhão total com a música. Lopes-Graça está lá a assistir. Não é difícil entender seus eflúvios. Basta liberar o pensamento.
Academia de Amadores de Música – A Living Legend
Once again in Lisbon, for the first time I gave a course at the Academia de Amadores de Música: six conferences followed by six master classes. Revisiting the Academia, climbing its old stairs full of the memories of remarkable moments of the past, feeling the impalpable emanations of the great Portuguese composer Lopes-Graça all over the place, everything stirs up pleasant sensations, making me think my lifetime commitment to music was well worth the effort.