Livros Portugueses sobre Música

Books are the quietest and most constant of friends; they are the most accessible and wisest of counsellors, and the most patient of teachers.
Charles W. Eliot

A aquisição em Lisboa de uma sacola resistente, no regresso à minha cidade-bairro, Brooklin, foi necessária. Já trazia da Bélgica um bom material discográfico e partituras contemporâneas. Em Portugal, durante as atividades musicais por diversas cidades, fui cumulado de livros, CDs e outras partituras por ilustres músicos e pensadores amigos. Para um país de dimensões pequenas, é extraordinária a qualidade e o número de bons livros sobre música que estão constantemente a surgir. Debruça-se Portugal sobre a criação musical dos séculos XVI e XVII à contemporaneidade e importantes contributos estão sempre a nascer, demonstrando pulsação salutar.
José Maria Pedrosa Cardoso, Professor da Universidade de Coimbra, que já escrevera obra de fôlego a abordar o Canto da Paixão (José Maria Pedrosa Cardoso. O Canto da Paixão nos Séculos XVI e XVII – A Singularidade Portuguesa. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006, 560 págs.) particulariza seu olhar sobre aspectos outros do período e realiza estudo referencial sobre tema ainda pouco estudado (José Maria Pedrosa Cardoso. Cerimonial da Capela Real – Um Manual Litúrgico de D. Maria de Portugal – 1538-1577 – Princesa de Parma. Lisboa, INCM – Fundação Calouste Gulbenkian, Março de 2008, 157 págs.). Tem-se obra igualmente profunda, e Pedrosa Cardoso, latinista e musicólogo competente, investiga os manuscritos pertinentes, dá-lhes a “atualidade” necessária, e revela igualmente aos interessados, particularidades essenciais da escrita musical dos documentos estudados.

Fernando Lopes-Graça (1906-1994), compositor da maior expressão mundial, tem suas obras pouco a pouco editadas, e surgem trabalhos literários a abordar a sua opera omnia composicional, assim como o seu pensar arguto e ideologicamente convicto, a dimensionar ainda mais sua produção musical. Percorre o século XX em quase toda a sua totalidade a produzir sempre com intensidade e competência. Três obras recém-publicadas merecem destaque. Marchas, Danças e Canções teve uma republicação em tamanho reduzido a partir da 2ª edição, impressa em 1981. Acompanha a partitura riquíssimo CD-Rom com a integral da obra gravada em 1999 pelo Coro Lopes-Graça da Academia de Amadores de Música, sob a direção de José Robert, com acompanhamento de Madalena Sá Pessoa ao piano; cronologia da vida e da obra do compositor; iconografia e biografia, entre tantas outras preciosas informações. Mereceu a publicação o apoio de diversas entidades portuguesas.
Um estudo necessário à compreensão das origens de Lopes-Graça, nascido em Tomar, foi realizado por Antônio de Sousa, Professor da Escola de Música Canto-Firme em Tomar, que buscou inserir o compositor na problemática da cidade-berço junto à formação básica e de juventude de Lopes-Graça. Acompanha o compositor em todos os seus contactos posteriores com a cidade. A vivência do autor do livro, na cidade de Tomar, insere não apenas um conteúdo afetivo, como também historiográfico (António de Sousa. A Construção de uma Identidade – Tomar na Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça. Tomar, Cosmos, 2006, 254 págs.).
Mário Vieira de Carvalho, Professor da Universidade Nova de Lisboa, presta mais uma importante contribuição à memória do compositor tomarense (Mário Vieira de Carvalho. Pensar a Música, Mudar o Mundo: Fernando Lopes-Graça. Porto, Campos das Letras, 2006, 267 págs.). Na obra, o autor, que há décadas debruça-se sobre o compositor, revela fatos fundamentais à compreensão do universo edificado por Lopes-Graça. Dele consta a relação documental sobre o músico existente nos Arquivos da PIDE/DGS, órgão da polícia salazarista. O livro, dividido em três partes, contém nos anexos a documentação mencionada. Nas partes, aborda não apenas aspectos plurifacetados de Lopes-Graça, como analisa determinadas criações do compositor. Faz sentido refletirmos sobre essa permanente vigilância policial que Lopes-Graça sofreria durante a período do ditador Salazar.

Em outro livro de profundo interesse, Mário Vieira de Carvalho investiga as conseqüências da obra do compositor italiano Luigi Nono (1924-1990) para a música da segunda metade do século XX (Mário Vieira de Carvalho. A Tragédia da Escuta – Luigi Nono e a Música do Século XX. Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Agosto de 2007, 394 págs.). Há tempos Vieira de Carvalho já se interessava, através de textos publicados em outros países europeus, pela obra de Luigi Nono. As duas partes fundamentais que compõem o livro tratam da polêmica e abrangente questão estética e sociológica da música contemporânea no continente europeu. Os títulos e subtítulos pertinentes (Excursos; Composição, Interpretação e Dialéctica da Escuta) focalizam com agudeza a problemática do pensar e da ação musical contemporâneos.
Manuel Pedro Ferreira, Professor da Universidade Nova de Lisboa, coordenou e contribuiu com artigos essenciais, juntamente com outros especialistas, em obra que estuda compositores contemporâneos relevantes de Portugal (Manuel Pedro Ferreira, coordenador. Dez compositores Portugueses: Cláudio Carneyro, Clotilde Rosa, Constança Capdeville, Emmanuel Nunes, Fernando Lopes-Graça, Frederico de Freitas, Jorge Croner de Vasconcellos, Jorge Peixinho, Joly Braga Santos, Luís de Freitas Branco. Lisboa, Dom Quixote, 2005, 404 págs.). Acompanha a publicação um CD com obras de Luís de Freitas Branco, Joly Braga Santos e Emmanuel Nunes.
Dois pesquisadores competentes foram responsáveis pela edição de livro a respeito da Interpretação (Francisco Monteiro e Ângelo Martingo, coordenadores. Interpretação Musical – Teoria e Prática. Lisboa, Colibri, Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, C.E.S.E.M., Universidade Nova de Lisboa, Novembro 2007, 249 págs.). Escrevi o artigo Interpretação Musical Frente à Tradição – Piano como Modelo (páginas 177-202).
Após o recital em Braga, a Professora Elisa Lessa, Diretora do Departamento de Música da Universidade do Minho, presenteou-me com um livro de memórias da violoncelista Madalena Sá e Costa, irmã da ilustre professora e pianista Helena Sá e Costa, falecida em 2006 (Madalena Sá e Costa. Memórias e Recordações. Vila Nova de Gaia, Gailivro, 2008, 208 págs.). A obra apresenta iconografia significativa, a ilustrar o texto agradável da violoncelista. Um CD com músicas inéditas acompanha o livro de bela apresentação. Aos 7 de Janeiro de 1986, na Delegação Regional do Norte na cidade do Porto, Madalena Sá e Costa e eu nos apresentamos com obras de Beethoven, Oswald, Debussy e Luís Filipe Pires.
Dois livros, que não versam sobre música, recebi-os de outros amigos diletos. A competente gregorianista Idadele Giga presenteou-me com a publicação sobre o poeta e pensador Agostinho da Silva (José Florido. Reencontrar Agostinho da Silva – o Poeta e o Poema. Corroios, Zéfiro, 2006, 200 págs.). Após conhecer Leituras sobre o Himalaia em posts anteriores, Alexandre Branco Weffort ofereceu-me livro sobre texto sagrado do budismo primitivo (Dhammapada – As Palavras de Buda. Edição Bilíngüe Páli-Português – Tradução de José Carlos Calazans. Lisboa, Ésquilo, 2006, 270 págs.). Presenteara-me em 2007 com precioso livro, a corroborar o desvelamento do Mestre de Tomar (Alexandre Branco Weffort, organização. A Canção Popular Portuguesa em Fernando Lopes-Graça. Lisboa, Caminho, Agosto de 2006, 445 págs. Associou-se ao livro CD-Rom com texto, imagens e reproduções de muitas das peças focadas na coletânea). Como provocação, trouxe-me cópia de Cosmorame, de Fernando Lopes-Graça, grand recueil de pièces pour piano composées sur des airs de divers pays et consacrées à la fraternité des peuples. Aceitei o desafio e pretendo interpretar a série, nos recitais em Portugal em 2009, quando completarei 50 anos da primeira apresentação pianística em terras portuguesas, que se deu aos 14 de Julho de 1959 na Academia de Amadores de Música, a convite do compositor Lopes-Graça. Entrevistado por Alexandre Branco Weffort para seu excelente programa Cosmorama, estivemos a percorrer as Viagens na Minha Terra, de Lopes-Graça, coletânea que gravei para o selo Portugaler. A entrevista poderá ser ouvida na íntegra durante algumas semanas através de RDP –Antena 2 – Cosmorama.
Irei lendo os livros oferecidos pelos prezados amigos, à medida da passagem do tempo. No próximo post relatarei os CDs e outras partituras recebidos.

The book publishing market in Portugal: a panoramic view of recently released books on classical music by Portuguese authors.