Navegando Posts publicados em junho, 2008

Silêncio a Ocultar Desideratos Estranhos

Charge de Raymond Juneck.2008

Apesar das garantias constitucionais
de que nenhuma desapropriação poderá ser realizada
sem justa e prévia indenização, o aético Estado Brasileiro
sempre desapropria pagando posteriormente
valores injustos e parcelados.
O escândalo dos precatórios, que são pagos em 10 anos
após trânsito em julgado das decisões judiciais,
é a consagração do Estado caloteiro, que, todavia,
nunca perdoa os contribuintes.
Por essa razão, com propriedade,
Eça de Queiroz dizia que os políticos e as fraldas
devem ser mudados constantemente pelas mesmas razões.

Ives Gandra Martins

Preparava um texto a respeito de reflexões acerca das pinturas abstrata e etnocêntrica, quando constatei quantidade apreciável de e-mails recebidos a respeito do post anterior. Apoios incondicionais à causa vieram não apenas de nossa comunidade Brooklin-Campo Belo, mas da cidade de São Paulo, do Brasil e do Exterior. Causou-me forte impacto a observação generalizada referente ao silêncio da Administração Pública e do Metrô, quando todo o projeto está estampado em site da Companhia pormenorizadamente, assim como ao item 9 do Edital, que trata das áreas remanescentes que serviriam, após conclusão das obras, a “empreendimentos associados”, palavras rigorosamente evasivas, prestando-se às interpretações mais diversas. Houve, inclusive, contundência mais intensa nos termos utilizados pelos leitores quanto a este dúbio item 9 do Edital para Licitação do Projeto Arquitetônico da Estação Campo Belo. Aqueles que se comunicaram através da internet insistiram em um segundo texto, a abordar outros aspectos não contemplados anteriormente, devido à tipicidade dimensional de meus posts semanais. Fá-lo-ei através do presente, a evidenciar que já há uma mobilização competente de moradores e comerciantes visando à transferência natural do terminal de ônibus para o entorno da Av. Água Espraiada, localização bem mais adequada a não causar danos ao ambiente, evitando a degradação absoluta da região e a ter uma abrangência extraordinariamente mais qualificada à comunidade como um todo. Sob égide outra, urge a reconsideração do trajeto do Metrô.
Alguns aspectos mereceriam um pormenorizar mais atento, que ficou ao largo na visão da Administração Pública e do Metrô. Se considerarmos os milhões que são gastos para a revitalização da cidade, fato este que o governo alardeia e a mídia divulga com ênfase, o orçamento a ser destinado ao Metrô em sua Estação Campo Belo, assim como ao terminal de ônibus, será extraordinariamente alto, mas com o sentido inverso ao da revitalização. A área, considerada nobre nos padrões paulistanos, terá nessa Estação Metrô-Terminal Ônibus o peristilo da total decadência. Terminais espalhados pela cidade são exemplos gritantes da derrocada social de regiões escolhidas. Considerando-se o fluxo fantástico de cidadãos previsto já no projeto – cerca de 5.000/hora – e a chegada certa do comércio informal, que se desloca e se instala no entorno, verifica-se, com a serenidade possível, que haverá a des-revitalização, ou seja, o absoluto opposite à propaganda alardeadora de uma cidade melhor. Haverá, isso sim, a hecatombe de área considerada nobre e sem uma junção plausível desse possível terminal. Que interesses estranhos estão por trás de todo esse projeto Brooklin-Campo Belo? Qual a razão do silêncio da mídia, sempre ávida pelo escândalo, que ainda há pouco exauriu ad nauseam, durante bem mais de um mês, o caso da infortunada menina atirada de um apartamento por mãos intencionais? Dezenas de jornalistas e fotógrafos a acompanharem o infortúnio. O porquê dos meios de comunicação não verificarem o projeto Metrô-Terminal de Ônibus e observarem equívocos evidentes, entre estes, apenas como menção, a ausência da adequação à legislação ambiental, ou ainda a negligência quanto a um conhecimento pleno do solo fragilíssimo da área proposta, onde o lençol aqüífero está a pouquíssima profundidade? Que interesses inconfessos, a ratificar o exposto no post imediatamente anterior, estão embutidos nesse projeto silencioso?

Charge de Raymond Juneck. 2008

Talvez ainda seja possível a esperança. A Ata da 29ª Reunião Ordinária da Câmara Técnica de Sistemas de Transportes do Conselho Estadual do Meio Ambiente, CONSEMA, realizada aos 13 de Junho, vislumbraria direcionamento que, ao menos, pareceria apontar para a possibilidade de um debruçar mais atento, sem realmente a pressa demonstrada, pois são inúmeros os tópicos preocupantes, a causar ansiedade entre os moradores da região ampla que se estende da Rua Barão do Triunfo à Rua Califórnia, das Ruas Edson-Flórida à Av. dos Bandeirantes. Ficariam pois para discussões apropriadas, sem o açodamento absurdo até o momento apresentado através do exposto no site do Metrô, itens fundamentais, dos quais destacamos: a) necessidade de elaboração de um estudo de risco para evitar os problemas ocorridos na linha amarela (Pinheiros); b) necessidade de estudo de suporte viário; c) não ser o projeto fator de transformações de áreas preservadas, pois as estações, principalmente quando funcionam como terminais ou pontos de integração, causam mudanças ambientais significativas na área do entorno; d) necessidade imperiosa de a sociedade ser ouvida pela Administração; e) necessidade absoluta de uma análise isenta referente ao impacto urbanístico; f) estudos igualmente isentos relativos às alternativas de localização de trajetos do Metrô e do pretenso Terminal de Ônibus.
A luta continuará. Teremos de ser ouvidos amplamente. Enquanto estivermos nesse combate da esperança, voltarei às minhas temáticas, e o post próximo, a respeito de tendências pictóricas, será bem mais ameno para o prezado leitor. Tendo precisões quanto a nossos apelos reivindicatórios, regressaremos à temática de interesse pleno de nossa cidade bairro, Brooklin-Campo Belo.

Desapropriações Rigorosamente Açodadas

Esboço aproximado da área a ser desapropriada.

Dentre os atos de intervenção estatal na propriedade
destaca-se a desapropriação,
que é a mais drástica
das formas de manifestação do poder de império,
ou seja, da Soberania interna do Estado
no exercício de seu domínio eminente
sobre todos os bens existentes no terrítório nacional.

Hely Lopes Meirelles

Para aqueles que elegeram o Brooklin como cidade-bairro, foi-lhes possível ter conhecimento, não de maneira oficial, da desapropriação, que está a ser cogitada, de extensa área que se estende entre as fronteiras do Campo Belo e do Brooklin. De um projeto antigo, que já lá tem algumas décadas, mudou-se abruptamente o percurso do Metrô da Av. Vereador José Diniz para a Av. Santo Amaro. Motivos tergiversantes, a tentar explicar o inexplicável.
Desnecessário comentar que o trajeto natural da linha que está por vir deveria seguir a básica linha reta que se estendia outrora da descida, após o Instituto Biológico, situado na Av. Rodrigues Alves, até o Largo Treze em Santo Amaro. Era o caminho dos bondes com rotundas em Moema, Brooklin, Santo Amaro e término na Capela do Socorro. Incontáveis as vezes que percorri este trajeto quando criança, a fim de visitar meus avós em Santo Amaro. Caminho natural, administrativamente bem mais econômico, friso, em relação ao açodado percurso decidido recentemente pelo Metrô em seu projeto funcional. Corresponde este à Linha 5, Lilás, no Trecho Largo Treze – Chácara Klabin, especificamente naquela que está planejada para ser a Estação Campo Belo em sua especificação Estação de Transferência Intermodal. Os dados estão no site do Metro. Trata-se, pois, de um desvio decidido atualmente, de pouca data, a não contrariar interesses poderosos existentes no percurso primitivo. Em acréscimo, tenciona a administração atual, que deverá realizar as obras do Metrô, construir um terminal de ônibus numa das regiões mais tradicionais, é bom frisar, do Brooklin-Campo Belo, a degradar decididamente os dois bairros contíguos. Uma tragédia que se anuncia e fruto de pensares estranhos, interferências estranhas, projetos rigorosamente alterados com pressa estranha e que não resistiriam a um olhar mais atento. Contempla, sim, a equivocada teoria de que a reta não é o caminho mais curto entre dois pontos. Saliente-se, com toda ênfase, que a comunidade da região não foi consultada, não houve um mínimo respeito no sentido de ser constituída uma comissão de moradores, a fim de um debate civilizado e sério. É a plena arrogância administrativa tão atuante em todas as áreas.
Alguns pontos mereceriam considerações. Referem-se a aspectos essenciais, neglicenciados por motivos não devidamente divulgados, mas a abalar profundamente uma extensa área que se estende dos logradouros a serem desapropriados a todo um entorno a partir desse “escolhido” epicentro constituído pela passagem da Av. Santo Amaro, para a qual confluem as Ruas Padre José dos Santos-Vieira de Moraes, Jacucaim, Indiana-Pascal, Guararapes-Jesuíno Maciel (vide esboço, que pode ser ampliado clicando-se sobre a ilustração).
Há, na região da convergência da Av. Santo Amaro com a Av. Água Espraiada, extensa área já desapropriada, assim como terrenos pertencentes ao D.E.R., órgão público pois, distantes cerca de 600 metros do local a ser atingido. Infinitamente menos oneroso. Acrescente-se que deverá passar futuramente, pela Av. Água Espraiada, Metrô a ligar a região à cabeceira da referida avenida. Menos dispendioso, bem mais prático, a atender sim à população, a região circundando essa confluência seria de verdadeiro interesse à comunidade, podendo abrigar naturalmente um terminal de ônibus, pois no entroncamento de duas futuras linhas. Mas não, estudam a desapropriação de área adensada, diria nobre, nessa localização Brooklin-Campo Belo, sem possibilidade de qualquer junção. Tudo decidido sem estudos prévios do impacto sobre o meio ambiente e sem pesquisa aprofundada do solo dessa região “escolhida”, plena de fragilidade conhecida por todos os moradores. Lembrar a tragédia de Pinheiros é um presságio que pode tornar-se realidade. Urgiria um debruçar isento das autoridades, que não visasse ao imediatismo.
Tão açodado se mostrou o projeto que uma eficiente organização de produtos hortifrutigranjeiros, ao alugar uma vasta propriedade privada que se estende da Rua Pascal à Jesuíno Maciel, despendeu alguns milhões, a dotar recentemente o bairro com um dos mais bonitos hortifrútis de São Paulo, incluindo padaria e restaurante. Muitíssimo bem freqüentado, aperfeiçoou o sentido de escolha de produtos. Nada sabiam sobre o Metrô e um Terminal de ônibus. Um posto de gasolina na esquina da Av. Santo Amaro com a Rua Pascal teve recentemente toda a documentação aprovada e já está com as bombas instaladas. Do outro lado, Brooklin propriamente dito, moradores realizaram reformas custosas em suas residências contando com a preservação do bairro, uma lanchonete adquiriu uma propriedade na qual realizou, há alguns meses, reforma completa, dotando as cercanias de um decente estabelecimento, um Laboratório de Análises Clínicas reconhecidamente importante há pouco instalou um posto de atendimento, Escola de Artes respeitada investiu em uma enorme instalação. Fosse o projeto previamente anunciado, após a oitiva da comunidade, nada teria ocorrido, nenhum empenho particular teria acalentado tantos sonhos. Qual a razão do silêncio por parte das autoridades e do Metrô? Uma resposta torna-se clara, o projeto é de recente feitura. Frise-se que há uma gritante arbitrariedade neste ato de discricionariedade da administração que, sob a dita “declaração de utilidade pública”, estabelece um equivocado juízo de valor a respeito da conveniência e oportunidade (mérito do ato administrativo), afrontando o princípio da eficiência (art. 37 da CF/88), já que o custo-benefício do projeto anterior compensava muito mais do que o atual. Sob outra égide, qual a razão de o Edital para Licitação do Projeto Arquitetônico da Estação Campo Belo, redigido pela Administração Pública, em seu item 9, no último parágrafo, prescrever que “as áreas remanescentes poderão ser aproveitadas para implementação de empreendimentos associados”? O porquê dessa imprecisão? Causa perplexidade tal indefinição.
Ao comunicar a um amigo belga essa intenção já publicada no site do Metrô, mas não devidamente divulgado pela mídia, escreveu-me Johan Kennivé que tal “para nós europeus é inaceitável e desumano. Aqui, respeitamos as leis e dá-se um tempo de anos para que os moradores encontrem casas com os mesmos valores”. Isso na Europa, repito. Aqui, nem a imprensa divulga com a ênfase necessária a possível degradação ambiental absoluta de região já consagrada e sedimentada, como mostram-se a Administração Pública e o Metrô reservados ao não tornar de conhecimento amplo desideratos estranhos. Uma moradora que teria a casa desapropriada leu o projeto no site do Metrô e adquiriu o edital, mas ao consultar a empresa recebeu carta tergiversante, ou seja, camuflam intenções, pretextando imprecisão quanto à região a ser desapropriada. Um absoluto desvio dos reais objetivos, pois todos os mapas estão estampados no site referido.
O lado humano, sobretudo em ano eleitoral, é o menos importante. Imperam o bombástico, a propaganda a camuflar aspirações misteriosas. Tomo a liberdade de transcrever outro trecho do e-mail de meu dileto amigo da Bélgica, que estendo à grande legião daqueles que, de maneira não oficial, estão a inteirar-se de resoluções sobre as quais não foram consultados minimamente, moradores dessa região visada despoticamente: “Dominar a vida foi um desafio para você! E Deus te propõe mais um combate fundamental, a destruição de tua casa, a raiz de sua vida com a família, o lugar de segurança, cultura, humanidade, a casa de tuas filhas. Para mim era a casa belga no Brasil, com todas os objetos tendo uma história particular, sonoridade harmoniosa. E agora, as máquinas com seus ruídos intensos vão tudo destruir sem consciência e significação. O resultado faz-me pensar nos judeus expulsos durante a guerra.” Estamos anos-luz distantes do pensamento de Saint-Exupéry que, sobrevoando à noite as pequenas cidades do sul da Argentina e do Chile nos vôos pioneiros, ao ver luzes cintilando imaginava a confraternização no seio de lares anônimos. E as perguntas não deixam de ser formuladas. Por que a não consulta à comunidade? Quais as razões para a abrupta mudança de trajeto? Que interesses inconfessos fizeram mudar o direcionamento original do conhecimento de todos? Teriam moradores ou empresas realizado obras se soubessem há anos que o Metrô cogitava construir estação e terminal de ônibus, como acréscimo, nesse epicentro tradicional e sedimentado?
Como nos sentimos? A nossa posição é semelhante àquela de uma vila sitiada. Quantas centenas de filmes não mostraram cidades, vilas, castelos aguardando o ataque que poderia vir a qualquer momento. Desconhecemos a face real do agressor recentíssimo, que espreita silencioso. Para alguns dos moradores mais sensíveis, a ameaça dos invasores captados apenas pela internet – à la manière daqueles que, na Idade Média, transmitiam intenções através de pombos-correios -, transformou-se em pesadelo. É a arrogância dos “poderosos”, sem ao menos a atitude corajosa de apresentarem-se frente a nós e à opinião pública, clara e convictamente.
Lutaremos. A nossa atitude de cidadãos cônscios dos deveres terá de ser respeitada. Não poderemos ficar calados. Iremos às instâncias judiciais, a denunciar essa intempestiva mudança de propósitos. As incongruências são muitas. O Poder hoje não deveria jamais pensar na volta da força como instrumento mais fácil. Voltaríamos à barbárie ditatorial? Espero que não.

Criação, Trajetória, Novos Horizontes

Revista Música (1990-2007). Vinte Números.

Ainsi n’écoute jamais ceux qui te veulent servir
en te conseillant de renoncer à l’une de tes aspirations.

Antoine de Saint-Exupéry

No longínquo 1990, a Revista Música foi criada. Lutei por essa conquista a partir de meu ingresso na Universidade de São Paulo, em 1982. Desde o primeiro número, publicado em Maio daquele ano, estive como editor responsável, a ter como assistente o colega Marcos Branda Lacerda.
Pareceu-me sempre muito perigosa a premência pela produção acadêmica por parte dos Institutos de Fomento e das Universidades Públicas, prática nacional que obriga aqueles que seguem caminhos universitários a publicar em prazos certos, mas com resultados tantas vezes incertos. O açodamento leva à quantidade, não à qualidade. Soma-se um item ao currículo individual, mas a densidade, ou mesmo, num sentido mais originário, a vocação ficariam constantemente à margem, pois itens desconsiderados numa avaliação simples. Desta maneira, parte considerável das publicações universitárias estaria a abrigar artigos rigorosamente descartáveis, mas “indispensáveis” à somatória que será avaliada em tantos sentidos a beneficiar interessados: curricular, concursos, possibilidade de viagens para participação em Congressos, estágios prolongados visando a doutorados ou aos chamados pós-doc, obtenção de bolsas individuais ou aquelas a atender a projetos temáticos ou outros mais, que adquirem designações dependendo dos dirigentes acadêmicos de plantão. Acumulam-se dissertações e teses nas muitas universidades brasileiras sem o embasamento necessário, mas que atenderam aos requisitos institucionais e responderam aos relatórios extensos e friamente burocráticos (vide O Drama da Pós-Graduação, 21/06/07). O governo rejubila-se ao apresentar índices crescentes relativos à pós-graduação e às somas que foram dedicadas à pesquisa. Dados estatísticos tantas vezes tergiversantes.
Na minha área específica, sucessivas viagens ao exterior fizeram-me entender que uma publicação acadêmica no Brasil necessitaria de permanente diálogo com outros países, onde a Música tem raízes sólidas e aprofundamentos fazem-se sentir há milênios. Precisaríamos de longo debruçar nessa busca de conhecimentos diferentemente orientados, a enriquecer toda uma comunidade universitária. O excelente compositor Aurelio de la Vega, então professor da Universidade da Califórnia, em entrevista lapidar a mim concedida e publicada no saudoso “Cultura” de O Estado de São Paulo (nº 309, ano V, 18/05/86, págs. 11-12), ao discorrer sobre a criação erudito-musical do Brasil, afirmou que “o isolamento pronunciado em que se mantém o compositor brasileiro é perigoso, pois cria uma atmosfera cômoda de autocomplacência, afugenta a comparação crítica, muitas vezes proveitosa, e rebaixa com os anos o nível técnico-criativo do compositor”. Mutatis mutandis, essa prática autocomplacente não teria penetrado em outras áreas musicais, como as referentes a teses, artigos, performances, em que uma atitude condescendente existe? As Revistas sobre Música no Brasil não estariam exageradamente acalentando uma extensa rede musical endogênica? Não haveria, por falta de diálogos mais abrangentes com o Exterior e pela necessidade da publicação brasileira que leva a pontuações nos currículos apresentados aos Institutos de Fomento, uma espécie de perigosa reserva de mercado?
Não foi fácil estabelecer parâmetros porcentuais aos artigos internacionais, que pudessem ao menos indicar pensares outros, constantemente trazendo subsídios de grande valia para a ampla área da Música, seja na teoria, na musicologia como um todo ou na interpretação. Sofri críticas as mais díspares por ter insistido nesse caminho, que entendo profícuo à ventilação de outros conhecimentos. Esse olhar diferenciado não apenas nos enriquece, como provoca a necessidade do aperfeiçoamento. Frisaria que, ao buscar a excelência – inúmeras vezes presente entre nossos estudiosos -, deparamo-nos com o choque, pois são múltiplas as tendências além-fronteiras. Nesse desiderato, mantivemos no idioma original artigos escritos em inglês, francês, espanhol e italiano, pois são as línguas mais familiares aos estudos universitários.
Mencionemos, como reconhecimento, os colaboradores internacionais nestes dezessete anos, seguindo a cronologia da Revista Música. São eles: Günter Mayer, Karlheinz Stockhausen, Mario Lavista, Wilhelm Zobl, Bruno Prunés, Myriam Chimènes, Aurelio de la Vega, Giuseppe Chiari, Keith Swanwick, Kwabena Nketia, Vincent Déhoux, Massimo Caselli, Humberto D’Ávila, Kasadi Mukuna, J.M. Bettencourt da Câmara, Ricardo dal Farra, Juan Pablo Gonzáles, Robert Blackburn, Jorge Peixinho, Antônio Sérgio Azevedo, Didier Gigue, Anik Devriés-Lesure, Caroline Rae, Enrico Fubini, Pierre Boulez, Angela Tosheva, François Lesure, Herman Sabbe, Rui Vieira Nery, José Maria Pedrosa Cardoso, Nancy Lee Harper, Elisa Lessa. Quanto aos estudiosos brasileiros, inúmeros estiveram a enriquecer o conteúdo da publicação com artigos que se tornaram referências. Dentre os autores responsáveis por artigos argutos e originais, sempre em ordem cronológica: Marcos Branda Lacerda, Régis Duprat, Walter Zanini, Maurício Dottori, Paulo Chagas, Carlos Tarcha, Celso Mojola, Paulo Costa Lima, Paulo Castagna, Arnaldo Daraya Contier, Mario Ficarelli, José Paulo Paes, Gilberto Mendes, Lorenzo Mammi, Enio Squeff, Willy Corrêa de Oliveira, Luiz Tatit, Antônio Luis Cagnin, Pedro Paulo Salles, Luís Antôno Giron, Paulo Roberto Peloso Augusto, Marco Antônio da Silva Ramos, Ricardo Tacuchian, Susana Cecília Igayara, Ecléa Bosi, Benedito Lima de Toledo, Mario D’Agostino. A qualidade dos artigos tem servido de fonte importante para tantos outros estudos e de luz para pesquisas de destaque.
Importa considerar que a Revista Música jamais, friso, jamais solicitou ajuda aos Institutos de Fomento do Estado ou do Governo Central. Sim, é muito difícil a sobrevivência sem o auxílio oficial. A fim de que não houvesse quaisquer interferências, seja através de pareceres por vezes estranhos, seja pela enorme burocracia a levar à publicação, seja nessa característica da Revista Música de forte alento aos artigos qualitativos internacionais, estando eu desde 1990 como editor responsável sempre mereci a generosa acolhida, em oportunidades distintas, dos diversos órgãos da Reitoria da Universidade de São Paulo e da Escola de Comunicação e Artes da U.S.P., assim como a atenção cuidadosa da Editora da Universidade, a EDUSP. Isso nos deu liberdade da escolha, a busca sine qua non da não concessão e o interesse claro de ilustres musicólogos além-fronteiras pela austeridade de propósitos. Sendo uma publicação do Laboratório de Musicologia do Departamento de Música da ECA-USP, Laboratório este que esteve sob minha coordenação até fins de 2007, houve sempre uma simpatia das lideranças universitárias pela publicação, pois sabiam de nosso norteamento, assim como de nossas dificuldades.

Acabo de atingir a compulsória e deixo a função de editor responsável. O número ora publicado é o último sob minha coordenação. Assume Marcos Branda Lacerda, competente professor e especialista em etnomusicologia. Sugeriu-me continuar como membro do Conselho Editorial. Não aceitei o sincero convite, por entender que rumos novos deverão advir e que o meu tempo como responsável encerrava-se com o número ora lançado. Sob nova orientação, certamente trilhas outras serão tomadas, oxalá altamente positivas. Faz parte do caminhar. A sensação, ao ver as lombadas dos vinte números reunidos, traz-me reconforto, pois percorro com o olhar todo um longo trajeto que surgia da idéia, do convite ao articulista, das revisões necessárias e do lançamento. Foram dezessete anos de fervor.
Deixo pois registrado o grande carinho que sempre mantive pela Revista Música. Cada exemplar significou, para este professor que atinge hoje a aposentadoria, uma categoria de felicidade possível. Outros compartimentos estão a proporcionar-me alegria de viver. A todos os que colaboraram, fica o meu profundo respeito e gratidão. Sem as contribuições preciosas, a Revista Música não teria razão de existir. E na certeza da permanência da publicação, conduzida pelo pensar de Branda Lacerda, renova-se a esperança de continuidade com qualidade. Que o canto das sereias não o perturbe. Assim espero.

After entering the University of São Paulo in 1982, I founded in 1990 a music periodical, “Revista Música”, published on behalf of the Department of Music by EDUSP (the University Press). I have been its chief editor from the beginning until now, when I am retiring from my position at the University. The present issue is a major milestone for me, for it is the last under my supervision. My aim has always been to publish creative writing on music by welcoming first-rate contributors from a variety of disciplines, countries and theoretical perspectives. I believe it is through interaction with others and confrontation of ideas that we construct new meanings, thus the importance of the articles by foreign authors, who brought new ideas and approaches. My thanks to all who have made “Revista Música” possible. The ethnomusicologist and fellow professor Marcos Branda Lacerda will succeed me as chief editor. I wish him well.