Desapropriações Rigorosamente Açodadas
Dentre os atos de intervenção estatal na propriedade
destaca-se a desapropriação,
que é a mais drástica
das formas de manifestação do poder de império,
ou seja, da Soberania interna do Estado
no exercício de seu domínio eminente
sobre todos os bens existentes no terrítório nacional.
Hely Lopes Meirelles
Para aqueles que elegeram o Brooklin como cidade-bairro, foi-lhes possível ter conhecimento, não de maneira oficial, da desapropriação, que está a ser cogitada, de extensa área que se estende entre as fronteiras do Campo Belo e do Brooklin. De um projeto antigo, que já lá tem algumas décadas, mudou-se abruptamente o percurso do Metrô da Av. Vereador José Diniz para a Av. Santo Amaro. Motivos tergiversantes, a tentar explicar o inexplicável.
Desnecessário comentar que o trajeto natural da linha que está por vir deveria seguir a básica linha reta que se estendia outrora da descida, após o Instituto Biológico, situado na Av. Rodrigues Alves, até o Largo Treze em Santo Amaro. Era o caminho dos bondes com rotundas em Moema, Brooklin, Santo Amaro e término na Capela do Socorro. Incontáveis as vezes que percorri este trajeto quando criança, a fim de visitar meus avós em Santo Amaro. Caminho natural, administrativamente bem mais econômico, friso, em relação ao açodado percurso decidido recentemente pelo Metrô em seu projeto funcional. Corresponde este à Linha 5, Lilás, no Trecho Largo Treze – Chácara Klabin, especificamente naquela que está planejada para ser a Estação Campo Belo em sua especificação Estação de Transferência Intermodal. Os dados estão no site do Metro. Trata-se, pois, de um desvio decidido atualmente, de pouca data, a não contrariar interesses poderosos existentes no percurso primitivo. Em acréscimo, tenciona a administração atual, que deverá realizar as obras do Metrô, construir um terminal de ônibus numa das regiões mais tradicionais, é bom frisar, do Brooklin-Campo Belo, a degradar decididamente os dois bairros contíguos. Uma tragédia que se anuncia e fruto de pensares estranhos, interferências estranhas, projetos rigorosamente alterados com pressa estranha e que não resistiriam a um olhar mais atento. Contempla, sim, a equivocada teoria de que a reta não é o caminho mais curto entre dois pontos. Saliente-se, com toda ênfase, que a comunidade da região não foi consultada, não houve um mínimo respeito no sentido de ser constituída uma comissão de moradores, a fim de um debate civilizado e sério. É a plena arrogância administrativa tão atuante em todas as áreas.
Alguns pontos mereceriam considerações. Referem-se a aspectos essenciais, neglicenciados por motivos não devidamente divulgados, mas a abalar profundamente uma extensa área que se estende dos logradouros a serem desapropriados a todo um entorno a partir desse “escolhido” epicentro constituído pela passagem da Av. Santo Amaro, para a qual confluem as Ruas Padre José dos Santos-Vieira de Moraes, Jacucaim, Indiana-Pascal, Guararapes-Jesuíno Maciel (vide esboço, que pode ser ampliado clicando-se sobre a ilustração).
Há, na região da convergência da Av. Santo Amaro com a Av. Água Espraiada, extensa área já desapropriada, assim como terrenos pertencentes ao D.E.R., órgão público pois, distantes cerca de 600 metros do local a ser atingido. Infinitamente menos oneroso. Acrescente-se que deverá passar futuramente, pela Av. Água Espraiada, Metrô a ligar a região à cabeceira da referida avenida. Menos dispendioso, bem mais prático, a atender sim à população, a região circundando essa confluência seria de verdadeiro interesse à comunidade, podendo abrigar naturalmente um terminal de ônibus, pois no entroncamento de duas futuras linhas. Mas não, estudam a desapropriação de área adensada, diria nobre, nessa localização Brooklin-Campo Belo, sem possibilidade de qualquer junção. Tudo decidido sem estudos prévios do impacto sobre o meio ambiente e sem pesquisa aprofundada do solo dessa região “escolhida”, plena de fragilidade conhecida por todos os moradores. Lembrar a tragédia de Pinheiros é um presságio que pode tornar-se realidade. Urgiria um debruçar isento das autoridades, que não visasse ao imediatismo.
Tão açodado se mostrou o projeto que uma eficiente organização de produtos hortifrutigranjeiros, ao alugar uma vasta propriedade privada que se estende da Rua Pascal à Jesuíno Maciel, despendeu alguns milhões, a dotar recentemente o bairro com um dos mais bonitos hortifrútis de São Paulo, incluindo padaria e restaurante. Muitíssimo bem freqüentado, aperfeiçoou o sentido de escolha de produtos. Nada sabiam sobre o Metrô e um Terminal de ônibus. Um posto de gasolina na esquina da Av. Santo Amaro com a Rua Pascal teve recentemente toda a documentação aprovada e já está com as bombas instaladas. Do outro lado, Brooklin propriamente dito, moradores realizaram reformas custosas em suas residências contando com a preservação do bairro, uma lanchonete adquiriu uma propriedade na qual realizou, há alguns meses, reforma completa, dotando as cercanias de um decente estabelecimento, um Laboratório de Análises Clínicas reconhecidamente importante há pouco instalou um posto de atendimento, Escola de Artes respeitada investiu em uma enorme instalação. Fosse o projeto previamente anunciado, após a oitiva da comunidade, nada teria ocorrido, nenhum empenho particular teria acalentado tantos sonhos. Qual a razão do silêncio por parte das autoridades e do Metrô? Uma resposta torna-se clara, o projeto é de recente feitura. Frise-se que há uma gritante arbitrariedade neste ato de discricionariedade da administração que, sob a dita “declaração de utilidade pública”, estabelece um equivocado juízo de valor a respeito da conveniência e oportunidade (mérito do ato administrativo), afrontando o princípio da eficiência (art. 37 da CF/88), já que o custo-benefício do projeto anterior compensava muito mais do que o atual. Sob outra égide, qual a razão de o Edital para Licitação do Projeto Arquitetônico da Estação Campo Belo, redigido pela Administração Pública, em seu item 9, no último parágrafo, prescrever que “as áreas remanescentes poderão ser aproveitadas para implementação de empreendimentos associados”? O porquê dessa imprecisão? Causa perplexidade tal indefinição.
Ao comunicar a um amigo belga essa intenção já publicada no site do Metrô, mas não devidamente divulgado pela mídia, escreveu-me Johan Kennivé que tal “para nós europeus é inaceitável e desumano. Aqui, respeitamos as leis e dá-se um tempo de anos para que os moradores encontrem casas com os mesmos valores”. Isso na Europa, repito. Aqui, nem a imprensa divulga com a ênfase necessária a possível degradação ambiental absoluta de região já consagrada e sedimentada, como mostram-se a Administração Pública e o Metrô reservados ao não tornar de conhecimento amplo desideratos estranhos. Uma moradora que teria a casa desapropriada leu o projeto no site do Metrô e adquiriu o edital, mas ao consultar a empresa recebeu carta tergiversante, ou seja, camuflam intenções, pretextando imprecisão quanto à região a ser desapropriada. Um absoluto desvio dos reais objetivos, pois todos os mapas estão estampados no site referido.
O lado humano, sobretudo em ano eleitoral, é o menos importante. Imperam o bombástico, a propaganda a camuflar aspirações misteriosas. Tomo a liberdade de transcrever outro trecho do e-mail de meu dileto amigo da Bélgica, que estendo à grande legião daqueles que, de maneira não oficial, estão a inteirar-se de resoluções sobre as quais não foram consultados minimamente, moradores dessa região visada despoticamente: “Dominar a vida foi um desafio para você! E Deus te propõe mais um combate fundamental, a destruição de tua casa, a raiz de sua vida com a família, o lugar de segurança, cultura, humanidade, a casa de tuas filhas. Para mim era a casa belga no Brasil, com todas os objetos tendo uma história particular, sonoridade harmoniosa. E agora, as máquinas com seus ruídos intensos vão tudo destruir sem consciência e significação. O resultado faz-me pensar nos judeus expulsos durante a guerra.” Estamos anos-luz distantes do pensamento de Saint-Exupéry que, sobrevoando à noite as pequenas cidades do sul da Argentina e do Chile nos vôos pioneiros, ao ver luzes cintilando imaginava a confraternização no seio de lares anônimos. E as perguntas não deixam de ser formuladas. Por que a não consulta à comunidade? Quais as razões para a abrupta mudança de trajeto? Que interesses inconfessos fizeram mudar o direcionamento original do conhecimento de todos? Teriam moradores ou empresas realizado obras se soubessem há anos que o Metrô cogitava construir estação e terminal de ônibus, como acréscimo, nesse epicentro tradicional e sedimentado?
Como nos sentimos? A nossa posição é semelhante àquela de uma vila sitiada. Quantas centenas de filmes não mostraram cidades, vilas, castelos aguardando o ataque que poderia vir a qualquer momento. Desconhecemos a face real do agressor recentíssimo, que espreita silencioso. Para alguns dos moradores mais sensíveis, a ameaça dos invasores captados apenas pela internet – à la manière daqueles que, na Idade Média, transmitiam intenções através de pombos-correios -, transformou-se em pesadelo. É a arrogância dos “poderosos”, sem ao menos a atitude corajosa de apresentarem-se frente a nós e à opinião pública, clara e convictamente.
Lutaremos. A nossa atitude de cidadãos cônscios dos deveres terá de ser respeitada. Não poderemos ficar calados. Iremos às instâncias judiciais, a denunciar essa intempestiva mudança de propósitos. As incongruências são muitas. O Poder hoje não deveria jamais pensar na volta da força como instrumento mais fácil. Voltaríamos à barbárie ditatorial? Espero que não.