Quando a Solidariedade Pode Existir
Sinto uma vibração estranha no meu ser:
Lateja-me no crâneo o cérebro, e no peito
Lateja-me fervente o coração. Se espreito
Para dentro de mim mesmo, encontro-me a tremer !
José Isidoro Martins Júnior (1860-1904)
Que vivemos numa espécie de guerra civil neste país que pouco faz para a segurança do cidadão, é fato. Sofrer assalto a mão armada é assustador. Meliantes levaram meu carro instantes após balearem um ancião e um policial. Sob ameaça de duas armas tive que parar, soltar antecipadamente o cinto de segurança e abrir a porta ao pressentir que seria a próxima vítima. Levantei os braços e pedi para que levassem o veículo, mas que mantivessem a calma. A fuga foi instantânea, mas a imagem, um flash das poderosas armas de fogo, ficou na memória. Meu amigo Ruy Yamanishi, que sofreu há anos situação igualmente ameaçadora, escreveu-me sintetizando com precisão a triste realidade brasileira: “…imagine só, ainda temos que ficar alegres e dar Graças a Deus por sairmos vivos. É num ambiente assim que, infelizmente, temos que viver. Você reparou que naqueles instantes, sob o domínio dos assaltantes, a sua vida ficara totalmente na dependência de suas vontades para que continuasse ou não vivo? Tudo o que você fez na vida, de bom, de exemplar, de respeito, de amizade e carinho por todos e por tudo, naqueles momentos estava totalmente no arbítrio dos meliantes, que nos poucos segundos tinham o poder de vida e morte sobre você.”
Graças a um Poder Maior cá estou a escrever para relatar outras realidades que existem, mas que quase nunca são contempladas pela mídia, afoita em apresentar dramas, tragédias e a pintar em fortes cores a existência de policiais que não se comportam de maneira correta. Eles existem, mas fazem parte de uma minoria que deveria ser severamente punida. Contudo, a grande maioria dos bons policiais tem diminuta presença na mídia. Isso provoca, naqueles que ouvem, lêem ou vêem noticiários, uma distorção que só leva ao descrédito as corporações militares e civis. É uma verdadeira aberração esse lado sombrio denunciado diariamente por quase todos os órgãos de divulgação. Os jornais televisivos do horário dito nobre são encharcados de sangue de todos os tipos. E insistem, e ampliam noticiários. Mais comentam, mais o cidadão se amedronta e todo o mal está feito. Falar dons bons, para quê? Não desperta o menor interesse, nem dos anunciantes, nem dos meios de comunicação, tampouco da grande maioria da população anestesiada que anseia pelo noticiário submundo que enriquece fabricantes, agências de publicidade e veículos comunicantes.
Postado no meio da rua, sob aguaceiro, atônito, e trêmulo, vi chegarem, logo após o acontecido, numerosas viaturas da Polícia Militar, pois houve antecedentes. Recebi a maior atenção por parte dos profissionais. Levaram-me no chamado “chiqueirinho” ao 27º Distrito do Campo Belo, onde tive que aguardar algumas horas, pois o boletim de ocorrência teria de contemplar todas as vítimas. Mantive diálogos normais com policiais, investigadores e, bem mais tarde, com o escrivão. O delegado mostrou-se extremamente atencioso. Telefonei à minha filha, que me trouxe o livro que estava a ler, graças ao prévio conhecimento da longa espera. Lendo e observando, pude notar o desespero de pessoas que chegavam por motivos os mais diversos, o pedido para que recebessem imediato atendimento – havia um só escrivão – e até agressividades no tratamento com os atendentes. Aguardei o meu momento, pois a lista não era pequena, e continuei a ler. Por coincidência, tratava-se do segundo livro de André-François Arcier, médico e psicólogo francês, sobre processos vários de como o artista deve enfrentar o medo – trac, em francês – antes e durante apresentações. Será motivo de post futuro.
Em determinados intervalos ia até ao balcão e conversava com investigador, agente, policiais e mesmo com o delegado. Apreendi um mínimo desse permanente stress a que estão submetidos. Drama e tragédia fazem parte de seus cotidianos em nuances diferenciadas, pois reclamantes, muitas vezes vítimas, têm lá seus problemas individuais e coletivos. Contudo, a violência é motivo preferencial a que estão acostumados policiais militares e civis.
No 27º DP, tanto o delegado Dr. Emílio Carlos Pernambuco, o investigador Luigi, a agente de tele-comunicações Vera Lúcia Lourenço, a escrivã Maria Elena Losco, assim como os policiais, em nenhum momento deixaram de me atender solicitamente. A família do ancião ferido, sofrendo forte choque emocional, também mereceu a atenção devida, mercê, em acréscimo, do natural espanto frente ao inusitado. Os poucos diálogos que mantive com policiais militares revelar-me-iam aspectos humanos que a mídia insiste em não divulgar. Há sensibilidade por parte dos membros da corporação que conheci, no esforço de abrandar o sofrimento. O Boletim de Ocorrência buscou externar a exatidão do acontecimento daquela manhã do dia oito de Agosto último. Longo, graças a tantos envolvidos, contemplou toda a seqüência da ação e pude verificar o alto grau de profissionalismo desses cidadãos voltados à solução de parte da inaudita violência que assola a nossa cidade.
Na quinta-feira, dia 13, recebi telefonema da Polícia Militar, informando-me que meu carro havia sido localizado em hipermercado da zona sul. Lá fui eu ao 92º DP do Parque Santo Antônio, delegacia que recebe enorme quantidade de ocorrências de altíssima violência. Novamente bem atendido, acompanhei no “chiqueirinho” dois policiais até o estabelecimento comercial. Felizmente, lá estava o veículo, aberto sim, mas em perfeito estado e sem furto dos objetos visíveis. Disseram-me que os meliantes utilizaram-se do carro, o primeiro que encontraram, justamente o meu, para a fuga rápida, apesar do 1.0 do automóvel. Regressando ao DP, novamente tive de aguardar o atendimento durante algumas horas, a fim de que fosse lavrado o auto de exibição, apreensão e entrega do veículo. O delegado, Dr. Altamir Galdino, e o escrivão, Daniel Silva Mendes, igualmente atenderam-me muito bem.
Nessa configuração de ocorrência policial, o militar que localiza o carro permanece com a vítima do roubo até a finalização do caso. Conversei muito com o soldado Charllis da Silva Souza. Sua área de atuação estende-se pela região daquele DP. Devido às muitas horas de convívio, indaguei-lhe a respeito da profissão, do contacto diuturno com a crescente violência, da causa de ter escolhido ser soldado, de seus anseios e de sua visão da vida. Disse-me que sempre quis ser soldado, vocação pois, mas que, ao despedir-se todas as manhãs do filho e da mulher, sempre sente a angústia de talvez não regressar, vítima possível da guerra urbana diária a que nos acostumamos. A uma pergunta sobre a alegria, prontamente respondeu-me que ela existe e que o prazer maior sente quando, ao passar lentamente com a viatura para rondas rotineiras, vê o aceno dos miúdos, seus sorrisos e, por vezes, os gritos da criançada: “lá vai a polícia”. Enfim, flashes colhidos e repassados aos prezados leitores.
Fica neste post a minha gratidão a todos aqueles que me atenderam. Desses, por serem bons, a mídia quase sempre se esquece. O céu azul não lhe é familiar.
A few days ago, as I was driving along a street near my house, two criminals pointed a gun at my head, forced me out of my car and ran from the scene, leaving me bewildered and trembling in the rain. Later I learned they had just taken part in the armed robbery of a house nearby and were being chased by policemen. This incident somehow made me see the Brazilian police in a different light. The media shows great interest in disseminating police abuse, corruption, repressive tactics and failure to ensure public safety. This is a fact, but not always true. During long hours spent in two different Police Districts, I was treated in a respectful and responsive manner by police officers, who helped me cope with the emotional trauma I had just experienced. Thank heavens my life was spared and, though no arrests have been made, my car was found in perfect conditions five days later.
Comentários