Navegando Posts publicados em setembro, 2008

Entendimento Através das Entranhas

Casa de caboclo, periferia de Santa Isabel, 1979. Foto J.E.M. Clique para ampliar.

Quem procura boa árvore,
boa sombra colhe.

Adágio Açoriano

No post anterior, o tema central abordou as Paulistinhas, pequenas peças em terracota da imaginária do Vale do Paraíba e que prosperaram entre fins do século XVIII às primeiras décadas do século XX. A dissertação defendida por Ailton Alcântara levou-me a várias reflexões.
Fiquei a pensar a respeito da pesquisa de campo na área de nossa arte sacra. Eduardo Etzel (1906-2003), meu mestre, amigo e analista durante longo período, dizia sempre que nessa área em particular a pesquisa de campo é a única a levar à captação abrangente dos conteúdos essenciais da imaginária. Na realidade, o conhecimento pleno da origem da criação, seu destino primeiro nas mãos dos humildes habitantes de nossa roça ou das cidades pequenas , a visualização dos interiores das casas simples contendo oratórios e imagens para devoção, o conversar com esse povo absorvido nos pobres afazeres, na rotina, mas também nas festividades em homenagem a santos do dia, tudo faz com que melhor entendamos o cerne criativo e o porquê dessa imaginária tão peculiar entre tantas outras espalhadas por Portugal e pelo Brasil. Ao comentar com o amigo e vizinho Jorge, perguntou-me ele sobre fatos ocorridos durante minhas andanças pelo Vale do Paraíba. Lembranças surgiram, algumas pitorescas.
Durante 10 anos, todos os sábados percorria a região do Vale, sendo que mais intensamente fixei minha atenção na criação do extraordinário Benedito Amaro de Oliveira, o Dito Pituba (1848-1923), santeiro de Santa Isabel que proficuamente produziu imagens em madeira e terracota, assim como oratórios a partir de madeira de lei, inicialmente, e após, mercê da demanda, de madeira de caixas importadas contendo bacalhau, vinhos, ou latas de óleo. Parte da extensa região abrangendo Parateí, Santa Isabel, Igaratá, Nazaré Paulista, Itaquaquecetuba e outras localidades, assim como morros e campos foram percorridos juntamente com meu saudoso amigo Carlindo Pavan. Saíamos quase ao amanhecer de São Paulo e retornávamos felizes, empoeirados e cansados. Narrar fatos inesperados causa-me alegria.

Casa de caboclo no entorno de Nazaré Paulista, 1982. Foto J.E.M. Clique para ampliar.

Carlindo e eu adentramos um sem número de casas de campesinos. Éramos sempre bem recebidos. Chão de terra, muitas vezes casas de madeira e barro, telhados de muitos materiais diferentes, a simplicidade no seu limite, mas sempre presentes lá estavam oratório e algumas imagens, geralmente Paulistinhas. Muitas das peças totalmente enegrecidas pelo picumã, decorrente da fumaça do forno para a refeição escassa dentro da moradia. Quantas não foram as vezes que tomamos café fervido em água pouco confiável. Recusar, impossível, pois quebra de sinceridade. Para as quase sempre mesmas perguntas formuladas, recebia respostas bem semelhantes. A origem da imaginária tinham-na até duas gerações anteriores, não sabendo precisar períodos ou circunstâncias, pois a tendência era a passagem sem emoções das sucessivas gerações.

Lázaro Pituba e Lazinho Lima. Santa Isabel, 1979. Foto J.E.M. Clique para ampliar.

Em fins da década de 70, conheci em Santa Isabel Lázaro Pituba, filho de Benedito Amaro de Oliveira. Cego, já com mais de 90 anos, mas absolutamente lúcido, tinha sempre histórias a contar. Em uma de minhas últimas visitas à cidade nos anos 80, Lázaro retirou de cordão que mantinha no pescoço diminuta imagem (3 cm.) confeccionada por Dito Pituba a partir de um chifre de veado e recebida pelo filho quando ainda miúdo. Ofereceu-ma com inusitada emoção. Um pequeno orifício na parte posterior servia para a passagem do cordão. Não distante de Santa Isabel, num percurso em terra batida que vai ao encontro da rodovia D. Pedro, encontrei em casa de campesino, no fundo de seu oratório – sempre havia o risco de se topar com uma aranha ou um escorpião – o corpo sem cabeça de um outro Santo Antônio, igualmente trabalhado em chifre (8 cm.). O morador ofereceu-me a peça, a dizer que sem a cabeça o Santo não mais protegia sua família. Levei a pequena imagem acéfala. No ano seguinte, ao passar pela mesma casa, visitei os moradores. Novamente percorrendo com os dedos a mesma parte do oratório, encontrei a cabeça perdida. Curiosidades.

Santo Antônio. Miniaturas em chifre de veado. Santa Isabel, 1980. Foto J.E.M. Clique para ampliar.

Mais contundente foi ter encontrado uma minúscula capela em pequena estrada de terra em Parateí. Servia como santa cruz, local demarcado após algum assassinato e onde moradores costumam colocar imagens quebradas. Observei que havia no interior um pequeno oratório de viagem. À porta da capelinha, uma colméia do chamado marimbondo caboclo ou de fogo, de coloração grená. Grandes e inamistosos, pareciam guardiães do espaço abandonado. Meu amigo Lazinho Lima, caipira da região, aconselhou-me a não entrar. Teimosamente curvei-me e bem devagar penetrei no diminuto recanto, retirando o oratório. Felizmente nada aconteceu, mas Lazinho afirmou-me que a picada de um desses marimbondos provoca dor e febre durante dias. Ao sair, o amigo mostrou-me uma jararaca que, lamentavelmente, acabara de matar, pois o réptil estava com o bote preparado. No interior do pequeno oratório de viagem – 22 cm de altura -, em lata e totalmente enferrujado, uma pequena imagem de São Lázaro em madeira confeccionada por Dito Pituba revelou mais essa criação do artista na feitura da mínima “casa” doméstica para os santos padroeiros.

Oratório de viagem feito por Dito Pituba. Santa Isabel. Foto J.E.M. Clique para ampliar.

Episódios individuais durante pesquisa de campo apenas dimensionam a inter-relação com o foco de estudo. A captação do todo, seja em qual circunstância se der, favorece o entendimento. Martin Heidegger (1889-1976), já escrevia que uma obra de arte deslocada de seu ambiente original, ao ser instalada em museu, perde sua aura. É bem possível que isso ocorra. Contudo, para aquele que realiza a pesquisa de campo, ficará sempre marcado o amálgama da obra de arte com o ambiente originário. Ainda mais considerando-se o contexto “provisório” e tênue da arte sacra popular de São Paulo, dificilmente ela permanece perenemente em seu ambiente primeiro. Fatores vários corroborariam esse ocaso. Entre estes, a pobreza dessa brava gente que mora nos campos; as intempéries; os vorazes cupins a tudo destruírem; a mudança de crença com a investida de um sem número de seitas anatematizando o culto aos santos, o que implica a destruição das imagens e oratórios; a presença de larápios a furtarem o pouco que resta. Felizmente, alguns museus e colecionadores preservam a extraordinária criação popular do Vale do Paraíba. As exposições, contudo, deveriam não somente mostrar as peças sacro-populares, como também exibir o que resta ainda do mobiliário simples do povo da região. A visão etnográfica enriquece. O freqüentador teria possibilidade de sentir o ambiente da criação, o destinatário final que diuturnamente orava a partir das singelas peças de nossa imaginária popular. Quiçá um resgate ainda possa ser feito

My adventures as a field researcher some decades ago, when I was collecting and studying religious images known as “Paulistinhas” and the importance of the field work to establish a link between the object of study and the person who uses it – in my case, the poor peasants along the Paraíba do Sul river in Brazil. I believe that capturing the whole makes easier the understanding of the parts that compose it.

Em torno de uma Dissertação

Paulistinhas anônimas, terracota, séc. XIX. Clique para ampliar.

Os países da América Central e do Sul, de raízes castelhanas,
embora como nós latinos e católicos,
diferem radicalmente do Brasil na sua formação.
Todos tiveram suas realizações culturais
iniciadas dentro da arte sacra,
mas nenhum deles teve suas raízes culturais dentro da imaginária,
da escultura religiosa, como aconteceu com nosso país.

Eduardo Etzel

A temática a respeito da Pós-Graduação na área das Humanas tem sido objeto de reflexões transmitidas em posts anteriores, mormente em O Drama da Pós-Graduação – O Perigo do Circunstancial Endêmico (21/06/07). Entre as muitas mazelas existentes nesse domínio, apontava uma essencial. Referia-me ao mau orientador que abriga não importa qual projeto, um dano à nossa cultura, oposto absoluto do competente, que não apenas sabe escolher o candidato, como compreende as nuances preferenciais de um bom orientando. Havendo uma enorme demanda por bolsas junto aos Institutos de Fomento pelos “selecionados” para dissertações e teses, joio e trigo se misturam. Muitas vezes, conveniências oriundas sobremaneira da longa carreira acadêmica de um orientador “oficial”, não de um scholar autêntico, estarão a anunciar todo o mal, pois o veredicto final apenas contemplará duas palavras: aprovado ou reprovado. A fronteira entre ambas é tênue e dissertações ou teses são aprovadas no limite do regular, enquanto outras, extraordinárias, têm a mesma palavra de aceite. Quão fundamentais eram as notas beirando o dez, sendo esta uma referência! Alunos aprovados na faixa mínima permitida sabiam que não haviam sido exemplares. Hoje tudo se confunde, e o Sistema nada faz para alterar essa terrível simplificação a premiar chaga que se alastra sob o olhar benevolente dos detentores do poder educacional, pois o “conceito positivo” estaria a demonstrar eficiência.
A premissa fez-se necessária. Quando aceito participar de uma Comissão Examinadora, verifico em primeiro lugar o nome do orientador, garantia, em princípio, de um bom trabalho acadêmico a ser avaliado. Ao ler o nome de Percival Tirapeli, Professor Adjunto do Instituto de Artes da UNESP, e a temática estudada pelo candidato Ailton S. de Alcântara, atendi ao chamado. Após a leitura da dissertação, apreendi tratar-se de um competente contributo acadêmico: Paulistinhas – Imagens Sacras, Singelas e Singulares, a valorizar não apenas o trabalho artístico na confecção dessas peças de devoção, como igualmente a fazer justiça ao extraordinário pesquisador Eduardo Etzel, certamente o mais importante conhecedor de nossa imaginária (vide Eduardo Etzel – A Valorização do Humanismo – I, e Literatura Sobre Arte Sacra no Brasil – II , 17 e 25/08/07, respectivamente). Dissipa-se pouco a pouco a opinião distorcida que entendia o monumental legado de Etzel como não relevante, devido à sua não formação acadêmica na área de Artes! De maneira progressiva e contundente, a luz prevalece sobre a escuridão.
Percival Tirapeli, autor de vários livros sobre história da arte, entre os quais Arte Brasileira – Arte Colonial. Barroco e Rococó (São Paulo, Companhia Editora Nacional, 2006, 96 págs.) soube entender e orientar Ailton Alcântara numa temática pouco explorada academicamente, se bem que exemplarmente desvelada por Eduardo Etzel. Contudo, a partir das pesquisas do referido estudioso, Alcântara esboça propostas que deverão servir a debruçamentos maiores e indispensáveis quanto às Paulistinhas.
A dissertação, dividida em três capítulos, estuda inicialmente a introdução da imaginária pelos religiosos nas terras descobertas pelos portugueses. A origem, motivada pela necessidade da propagação do catolicismo, resultou na construção de igrejas e capelas na extensa faixa litorânea. A interiorização territorial empreendida pelos bandeirantes e outros intrépidos aventureiros fez com que, pouco a pouco, o futuro Brasil ficasse povoado de templos e de abundante imaginária. Alcântara debruça-se sobre o período em que jesuítas e, mais tarde, beneditinos e franciscanos, com forte tradição portuguesa, passaram àqueles já nascidos nos trópicos a técnica da confecção de imagens em madeira ou em barro, este cru ou cozido.

Paulistinhas de Dito Pituba (1848-1923). Terracota. Clique para ampliar.

Ao abordar as estruturas sociais, econômicas e religiosas na Província de São Paulo, o candidato a mestrado preparou o terreno a fim de que a temática central – Paulistinha – estivesse esclarecida. Evidenciando um conhecimento competente da matéria estudada, Alcântara mostrou, em bem realizado data show, a transição das imagens de barro cozido, criadas basicamente desde o século XVII, até a transformação final que seria a Paulistinha, do final do século XVIII e de todo o século XIX, a adentrar as primeiras décadas do século XX. Paulistinhas anônimas e aquelas realizadas por Benedito Amaro de Oliveira – o Dito Pituba (1848-1923) – foram apresentadas. Um debate profícuo foi mantido entre os membros da Comissão Examinadora, da qual faziam parte o orientador já mencionado, José Leonardo do Nascimento, Professor Adjunto do Departamento de Artes Plásticas da UNESP e o autor deste post. Alguns tópicos foram propostos e acredito que novas luzes recairão sobre essa extraordinária criação típica do Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo.
Eduardo Etzel prefere denominar “os” Paulistinhas, atendo-se aos santos. Se considerada for como imagem sacra, tem-se a palavra no feminino. A respeito das Paulistinhas, tem-se a imaginária em seu sentido mais despojado. Confeccionadas por santeiros, homens simples do campo ou das cidades do Vale do Paraíba, essas pequenas peças de 10 a 18 cm de altura, aproximadamente, povoaram as casas dos caboclos e dos moradores das pequenas cidades da região. Utilizando-se do barro, o santeiro preenchia as fôrmas necessárias, colocava-as no forno em alta temperatura, e as imagens confeccionadas ganhavam consistência, daí centenas delas terem chegado intactas até os nossos dias. Pinturas singelas, precisas, sem muitas variações, davam a essa típica representação da imaginária paulista o dom da perfeição possível. Eduardo Etzel as compararia às tânagras, pequenas estatuetas em terracota da Grécia antiga. Sendo de pequena dimensão, as Paulistinhas preenchiam oratórios simples, decorados principalmente com pinturas florais e também feitos pelos santeiros. Todo um cenário a levar à religiosidade estava estabelecido. Se considerarmos os grandes casarões de algumas fazendas do Vale do Paraíba, com suas capelas fora das moradias, ou oratórios grandes no interior a abrigarem imagens maiores, poderemos verificar a importância extraordinária, ainda não totalmente valorizada na sua intencionalidade, que é a Paulistinha, imagem destinada aos menos favorecidos.

Paulistinha: data gravada na face interna da base - 1838.

Em post anterior (vide O Espírito de Síntese- Atingir a Decantação, 01/03/08) abordava essa qualidade inalienável que é o retorno às formas clássicas – ou ao despojamento e simplificação – empreendido por tantos compositores. Mutatis mutandis, entendo a Paulistinha como a síntese absoluta da imaginária barroca. Dos panejamentos esvoaçantes; das ornamentações e pinturas douradas sobre estofamentos precisos de gesso das peças em madeira; das expressões contemplativas, de êxtase ou de dor expressas nas imagens do período barroco; das coroas em ouro ou prata; das dimensões bem maiores; todo um longo caminho do erudito ao popular, da riqueza à singeleza, do ornamento à síntese, a resultar nas Paulistinhas. O abastado, capaz de encomendar a peça de ostentação, ou o humilde camponês, que pedia a imagem de devoção ao santeiro do entorno em troca da parca economia, foram responsáveis pela obra de arte. O erudito e o popular pertencendo à categoria de obra de arte. A Paulistinha, em sua dignidade despojada, hierática, em seus traços enigmáticos a não expressar sentimentos, em seu panejamento a tender para a verticalidade sem contornos e em sua peanha funcional, a permitir a queima adequada, mas igualmente a elevação espiritual, aí está a desafiar o tempo e a mostrar que em arte o excelso pode ser apreendido na frase contida em Citadelle, de Saint-Exupéry: “É bem possível que a perfeição seja alcançada não quando nada mais há a ser acrescentado, mas quando nada mais há a ser suprimido”.
No retorno à minha cidade-bairro, o Brooklin, fiquei a pensar na dissertação de Ailton Alcântara e senti certo constrangimento em ter sido obrigado a escolher entre duas palavras, sem a menor possibilidade de outorgar-lhe uma altíssima nota em reconhecimento pelo belíssimo trabalho apresentado. Realmente o pensamento limitado dos educadores governamentais de plantão é o de equalizar competências. Mentes estreitas só podem gerar fronteiras estreitas de avaliação. Perde-se a grandeza, indispensável ao crescimento em qualquer área. Tenhamos esperanças no sentido de que um dia voltemos às notas tão precisas e delimitadoras de dissertações e teses. O insofismável emergirá.

A brilliant thesis defense − a research on the “paulistinhas”, small sacred images in clay, typical of São Paulo state, a local version of erudite models − led me to reflect, as a member of the jury, on the importance of awarding grades to candidates for a higher degree in universities. In Brazil, theses are no longer graded and examiners have to choose between two words: accepted/unacceptable. Instead of rewarding an outstanding work with the highest grade, our education authorities prefer to equalize competences, making it impossible for examiners to define the different levels of achievement of each candidate.

Exercício Autêntico da Cidadania

Clique para ampliar

E um novo alento tomou conta de todos.
Pouco a pouco, a consciência individual
foi dando lugar à consciência coletiva.
E, com isso, sentiram-se mais fortes.

Luís Guerreiro – “Oitavo Dia da Criação”

A cidadania pode ser manifestada de vários modos. Um dos mais lídimos é o “abaixo-assinado”. A coletividade mobilizada, ao lutar por determinada causa, evidencia significativo direito a ela atribuído. Sob outra égide, quão mais expressiva for a adesão ao abaixo-assinado, mais intensamente estará a revelar a união inquebrantável de um segmento da sociedade em torno dos princípios e propósitos reivindicados.
Em posts anteriores, expressávamos o pensamento de moradores do Brooklin Novo-Campo Belo a respeito do trajeto açodadamente proposto pelo Metrô-Governo de São Paulo, para a Linha 5-Lilás, mais especificamente à pretendida localização da Estação Campo Belo (vide Incúria Administrativa (I) e (II), 21 e 27/06/08, respectivamente, categoria Cotidiano).
Equívocos essenciais foram apontados nas Conclusões Finais do Edital CR 40688212, pág. 194: O conjunto de fatores envolvendo método construtivo, estratégia de implantantação das estações e reserva de espaço compatível com a diretriz de empreendimentos associados resultou num aumento significativo das áreas para desapropriação, em relação aos projetos anteriores desenvolvidos pela Companhia do Metrô. Uma vez que as novas diretrizes para a elaboração de projetos de empreendimentos associados durante as fases de projeto das linhas requerem uma mudança nos paradigmas existentes, e onde a captação de recursos para a execução das obras de expansão do sistema de metrô pode ser obtida através de parcerias com a iniciativa privada, considerou-se oportuna a inclusão de mais uma estação neste subtrecho, para permitir que as áreas responsáveis pela gestão de negócios e empreendimentos associados pudesse propor novos projetos que trouxessem para o Metrô dividendos não operacionais e que a sua implantação permitisse a obtenção de outras fontes não convencionais de recursos que auxiliassem a expansão da rede de metrô. Além disso, o desenvolvimento dos projetos das estações juntamente com os empreendimentos associados pode levar a soluções arquitetônicas compatibilizadas com as necessidades dos seus usuários, dentro das mais modernas tendências de integração de ambientes e acessibilidade (sic).
Ilustrações de imensa área que seria desapropriada, contidas no edital, para a construção de Terminal de Ônibus e Estação do Metrô Campo Belo, inquietaram vivamente moradores de uma extensa região adensada e consolidada socialmente. Ao estranharem propósitos não claros e silenciosos, espontaneamente esses moradores foram se reunindo, numa bela demonstração do pleno exercício de um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, II da CF): o exercício da cidadania. Obedecendo à legislação vigente, moradores entraram com representação junto ao Ministério Público do Estado de São Paulo e passaram a reunir-se no desiderato único de buscar soluções mais econômicas para a obra pública, assim como, in adendo, propor uma localização da estação e do terminal de ônibus mais pertinente ao projeto açodado do Metrô-Governo do Estado. Evitar-se-iam desapropriações desmesuradas com finalidades estranhas, como as aventadas no edital; o meio ambiente da região seria preservado; não haveria a inexorável desvitalização de todo um entorno dos locais propostos pelo Metrô-Governo do Estado. Localização das Estações em área já desapropriada, ou pertencente ao D.E.R. foi sugerida por comissão de moradores, que poderia juntar esforços para colaborar com o planejamento ainda não efetivado.
É bom destacar que nenhum – friso, nenhum – propósito, além daquele de enfrentar com serenidade a problemática equivocada oferecida pelo Metrô-Governo de São Paulo, tem movido moradores – não pertencentes a quaisquer movimentos – a debruçarem-se sobre a temática em pauta. Plano alternativo para a localização já foi estudado e estará à disposição de Metrô e Governo Estadual, no momento oportuno. Por outra via, estudou-se a adesão de moradores dos bairros Brooklin Novo – Campo Belo, a fim de que um abaixo-assinado também fosse passado entre eles e os solidários à causa.
O resultado foi surpreendente. Confesso que não esperava tão grande participação espontânea, a demonstrar a falta de razoabilidade do projeto atual, quanto à localização da estação e do terminal de ônibus, a exigir desapropriações desmesuradas. Compreenderam, moradores e pessoas solidárias, não ser razoável que o Metrô e o Poder Público incorram em tão elevados ônus de desapropriação e firam o direito dos particulares atingidos pelo ato expropriatório que está a ser cogitado, quando a obra poderia ser realizada de forma muito menos onerosa aos cofres públicos e sem atingir os referidos direitos. Membros de todas as chamadas camadas da sociedade civil aderiram com empenho.
Citava, em texto bem anterior, frase de Antoine de Saint Exupéry, expressa em sua obra maior, Citadelle: “O que é a pedra sem o Templo?” O seu contexto não é isolado, e somente o impulso que leva as “pedras” à união, torna-as merecedoras do culto. Reunidas, elas constroem os homens solidários, levando-os, a outros congraçamentos. Jamais poderia imaginar que entre esses moradores, muitos dos quais mal conhecia – rostos anônimos a transitarem no dia a dia – pudesse haver tão grande afinidade. As pedras se uniram. Diria que uma aura passou a existir e a cobrir com seu brilho faces desconhecidas. Irmanaram-se, mobilizaram-se e, absolutamente tranqüilas, essas pessoas estão prontas para o diálogo de bom senso, sem interesses outros que possam macular o projeto, que deveria considerar aspectos plausíveis, sob as égides absolutas da moralidade e do interesse públicos, únicos parâmetros essenciais. As nossas esperanças são muitas. Metrô e Governo do Estado têm que evidenciar essa vontade, a serviço da real aplicação dos impostos arrecadados e da própria legalidade da realização da obra pública – uma vez que a função da administração pública é realizar de maneira ótima o interesse público. Acreditamos nisso.
A adesão de cerca de 8.000 cidadãos, da maneira mais natural que se possa imaginar, é o resultado da vontade de moradores e solidários, que unicamente solicitam o respeito às suas justas reivindicações. Somente através de diálogos construtivos, e jamais de ações intempestivas à revelia da sociedade, poderemos preservar o verdadeiro espírito comunitário. Congraçar para que o caminho seja trilhado em harmonia, na legalidade e na plena justiça. É o que desejamos.

A group of people living in the districts of Brooklin and Campo Belo in São Paulo organized a petition against the state government decision to build a subway station and a bus terminal in the area. The response to the petition was enormous, gathering over 8.000 signatures. The group will now attach the signatures to a complaint against the decision filed with the Ministério Público (Public Ministry), in the hope that authorities will take into consideration the wish of the citizens and conduct studies to find a more convenient site for the subway expansion project, avoiding unreasonable expropriations and intensification of traffic jams in an already congested area.