Janela Aberta para Descortinos
Un homme n’est pas un homme, il est les hommes.
“Je m’appelle légion” (Dire: “mês âmes” au lieu de “mon âme”).
Henry de Montherlant
Entre as categorias literárias, o Ensaio apresenta-se como um dos gêneros a propiciar interpretações variadas. Conteúdo inserido, dimensão, temática abordada. O Ensaio faz fronteira com outras formas do pensar. Tem como uma de suas características o debruçamento sobre tema determinado, a despertar o vislumbre para outros aprofundamentos. Pode ser igualmente texto interpretativo ou analítico, sem um desenvolvimento maior, mas a apresentar fundamentos conceituais que podem perdurar. Difere dos tratados, teses ou dissertações pela própria organização concentrada e abreviada do objeto de estudo. Pareceria claro não se tratar nem de um resumo dessas modalidades literárias, tampouco segmento, apesar de interpretações divergentes a respeito do gênero. Pode confundir-se com o artigo, a depender da natureza deste. A dimensão varia muito, de poucas páginas a um discurso mais abrangente. Não obstante as premissas, pareceria certo que a leitura de um Ensaio contém os elementos necessários para multidirecionamentos reflexivos. A História da Literatura apresenta um sem número de ilustres ensaístas que deixaram obras que perduram através dos séculos e que se apresentam como fontes perenes para desdobramentos e consultas. Se a lista é bem extensa, mencionem-se nomes que se consagraram no passado como Montaigne (1533-1592), Locke (1632-1704), Pope (1688-1744), Emerson (1803-1882), Montherlant (1896-1972), Lopes-Graça (1906-1994), ensaístas notáveis e freqüentadores igualmente de outros gêneros literários.
Quando da criação do site, uma das minhas preocupações foi a inserção de textos que me acompanharam nestas últimas décadas. Arquivados, faziam parte desses acúmulos, passos naturais e necessários nessa longa caminhada. O item Essays no menu do site está pouco a pouco a resgatá-los. Poderia parecer pretensioso o termo Ensaio, mas este, penso eu, atende àquilo que pode ser entendido como um permanente caminhar. Textos publicados em revistas, livros ou outros veículos de Portugal, França e Bélgica, países em que as minhas ligações são mais estreitas, representam algo que eu chamaria, nesses casos, de escritos “auto-exilados”. Sem entrar no mérito de nossas publicações (vide Revista Música, 14/06/08), aceitei nos últimos 25 anos os convites vindos do Exterior, mercê de desafios estimulantes e diferenciados. Ficaria a certeza da não endogenia.
A intenção da palavra Essays teria um sentido amplo, a abrigar textos que podem ser considerados como work in progres, pois retomados, sob égides outras, anos ou décadas após. Anteriormente, já mencionara o desligamento por parte de um “estudioso” de trabalho reflexivo por motivos vários (vide O Drama da Pós-Graduação, 21/06/07). Seria possível entender que o regresso a determinadas temáticas de vida traga sempre subsídios outros. Não acontece o mesmo em termos da interpretação musical, quando, depois de anos em uma estante, retomamos uma obra para executá-la e outro pode ser nosso entendimento, a partir, inclusive, do próprio técnico-pianístico, no caso específico? O mesmo ocorre com o sentido de reflexão relacionado a um texto, janela aberta para olhares diferenciados que a revisitação proporciona. Nessa acepção insere-se o Ensaio, apreendido como uma possibilidade de expansão. Há sempre, quando entendemos a continuação de um tema companheiro, conceitos que serão enriquecidos por novas experiências.
Temáticas ao longo das décadas apresentam-se em roupagens outras. Se um breve texto inserido na Revista Concerto focaliza o extraordinário compositor português Fernando Lopes-Graça por ocasião do centenário de seu nascimento, revela, de forma abreviada, dados não contemplados em outros dois, extensos e publicados em Portugal. Abre possibilidade para a leitura destes.
O caminho do pensar, quando vertido antigamente para o papel através da pena onipresente, não surge ao acaso. Trata-se de escolha consciente. Estou a me lembrar de meus programas de recitais no início da década de 70, que vinham acompanhados de texto explicativo, não meras notas escritas por profissionais – geralmente frios escritos após consultas rotineiras a enciclopédias -, mas sim a experiência do intérprete frente àquilo que seria executado. Essa experiência é inalienável quando nesse patamar individual, mormente se o repertório é pouco freqüentado. O mesmo ocorreria com a gravação de LPs e CDs, e lá são muitos, em que sempre entendi necessária a transmissão de todo um longo período de gestação, a fim de se chegar ao desiderato final, o registro fonográfico. É nesse sentido que, agora catalogados como integrantes dos Essays, esses escritos, encartes das gravações, começarão a penetrar o site. Se já consigo dominar os meandros da inserção de textos e ilustrações no blog, o mesmo não acontece ainda com o site, impecavelmente conduzido pelo ex-aluno e amigo dileto Magnus Bardela. Cuidadosamente estamos inserindo ilustrações pertinentes aos Ensaios. Vinte textos já foram publicados nesse segmento em construção.
Ao prezado leitor comunico que foi com felicidade que recebi do Centre de Documentation Claude Debussy a autorização para incluir nos Essays os seis textos que escrevi desde 1983 para os basilares Cahiers Debussy, a mais importante publicação sobre o grande compositor francês. Assim sendo, pouco a pouco serão introduzidos.
Tendo colaborado para o Suplemento Cultural - Cultura, posteriormente – de “O Estado de São Paulo” de 1980 a 1991, reuni os textos em Encontros Sob Música (Belém, CEJUP, 1990). Três escritos, depois do livro publicado, já se encontram nos Essays, sendo que As Mortes do Intérprete, inserido nos Encontros… , foi igualmente publicado no México em 1993. Integra presentemente o item do site, atendendo a pedido de alunos e amigos.
O prezado leitor terá pois nos Essays uma outra categoria de reflexão. Ela percorre as décadas não prioritariamente num sentido acadêmico. Essa atitude explica os textos que serão inseridos, escritos no início dos anos 90 para Antília, Suplemento Cultural de O Telégrafo da Horta, capital do Faial, uma das ilhas do arquipélago dos Açores, abordando troca de idéias transoceânicas.
Diferem os Essays dos posts inseridos no blog, dinâmicos, descontraídos, atendendendo aos impactos que me atingem de maneira diferenciada.
Concluiria que a releitura de textos do passado faz-me recompor certos fragmentos que permaneciam no de profundis, pesquisas anteriores que explicam o presente pensar. Em posts futuros buscarei evidenciar os caminhos das várias categorias desses Ensaios. Acredito que a leitura de alguns apenas ratifica a certeza de que as raízes que levaram ao tronco único e aos galhos diferenciados têm DNA preciso. O importante é termos consciência de nossos limites e irrigar essas raízes permanentemente, pois o passado estará sempre a explicar um ramo da árvore que busca a vida.
Considerations on the multiple aspects of the Essay as a literary genre and a few comments on the essays I have written throughout my life for many different publications in Brazil and abroad, now being gradually added to my web page.