A Salvaguarda da Mensuração Objetiva

Quem tem a faca e o queijo,
corta onde quer.

Adágio Açoriano

Em torno do fim do ano pululam premiações em todas as áreas. Associações, Academias, Sindicatos, Federações adoram premiar. Em sentido quase geométrico verificamos o aumento de láureas. Isso é um fato no Exterior e também no Brasil. Pode-se até dizer ser este o país das premiações. Nas múltiplas atividades, uns poucos se reúnem e escolhem o melhor, ou os melhores. Ao final de um ciclo, tendo os mais visualizados recebido seus prêmios, recomeça-se a repremiação e, vez por outra, novas figuras entram no lista dos agraciados, sob os olhares “benevolentes”, mas cuidadosos, dos eternamente contemplados.
Pouco se escreve a respeito do que está por trás de todas as espécies de premiações, pois interessa à mídia esse fenomenal filão de vendagens. Os envolvidos nos muitos segmentos que oferecem prêmios são potenciais anunciantes ou, ao menos, vitrines para um sem número de propósitos, em exposições nos mais variados meios de comunicação. Promoção e lucro. Eventos tipificados fazem parte hoje do cotidiano e praticamente todos os participantes comparecem às festas de premiação, manancial para os flashes. Fotografados e filmados profusamente, os personagens laureados ou aquelas figuras conhecidas do grande público entram no recinto onde se dará a festa com roupas de grife, ou então com vestimentas estranhas e exóticas. Ingredientes do grande espetáculo. E o público, que projeta seus anseios escondidos, identifica-se ou repudia aqueles que recebem premiações. Os não agraciados, se televisionados, simulam sorrisos sem encantos.
A depender dos recursos de cada associação, assiste-se a parafernálias que têm gradações. Eventos faraônicos ou modestos, todos têm os mesmos trajetos: manter a hegemonia da organização promotora, convidar membros de júri solícitos e, preferencialmente, agraciar aqueles que não estejam distantes de dirigentes de associações, de anunciantes poderosos, de pessoas ou críticos influentes. Artes, literatura, esporte, economia, publicidade, empresariado, política são alguns dos muitos segmentos a ter seus ungidos, cada um com seu estilo e regras. Todavia, o objetivo é um só: agradar quem deve ser agraciado. Finda a festa, ecos que se distanciam, flashes que se apagam, os premiados terão maior visibilidade para as suas realizações, e as entidades promotoras, mais um ano para armar o espetáculo do ano vindouro. É humano e faz parte da vida hodierna.
O tema ressurgiu ao ler em um laboratório, à espera de ser atendido, a entrevista que o excelente ator Alan Arkin concedeu ao “O Estado de São Paulo”, publicada no dia 24 de Dezembro último. Como datava de alguns dias, tinha sido esquecida por algum outro paciente. Trouxe-a comigo e já a partir do retorno a pé fiquei a pensar. Alan Arkin atinge o fulcro da questão e, em entrevista a Franthiesco Ballerini, não poupa sequer a si mesmo, pois recebeu recentemente o Oscar de ator coadjuvante em Pequena Miss Sunshine.
A firmeza das respostas de um vencedor de tantos outros prêmios dá credibilidade a suas afirmações. “Não acredito no Oscar. Não acho que exista ‘o melhor’. Como comparar dois grandes filmes e dizer que um é melhor que o outro? Tudo isso é negócio, não tem nada a ver com a realidade”. Em post anterior (vide O Melhor Pianista do Mundo – É possível Julgar?, 30/11/07) já comungava conceitos a respeito dessa impossibilidade de julgamento. Como se trata de apreciação subjetiva, interesses tantas vezes inconfessos agem na distribuição de prêmios. Continua Arkin a respeito do Oscar por ele recebido: “Eu não fui o melhor ator coadjuvante daquele ano. Ninguém tem o direito de dizer quem é o melhor ou pior”. E com convicção indispõe-se contra os críticos especializados: “Eles não têm esse direito. Eles apenas apontam qual filme mais os tocou, mas não é por isso que podem dizer que foi o melhor do ano”. Ao longo do tempo, em vários textos, tenho afirmado, em termos das artes no Brasil, a inexistência básica de uma crítica sequer minimamente preparada. Reunidos para premiações, o viés passional e de confraria leva “juízes” à outorga de láureas, que podem revelar a “aparência” da realidade. É um fato e, nele mergulhado, o meio acata.
Alan Arkin posiciona-se acidamente contra a crítica não embasada, entendendo que “é preciso ter estado do outro lado para poder criticar”. Considera o crítico sem estrutura, em sua função mediática, com extremo rigor: “Quanto mais julgamento um crítico faz, mais infeliz ele é como ser humano”. Louve-se a coragem do ator. Certamente terá tributo a pagar, pois ser solícito com a mídia faz parte dos deveres da grande maioria dos aspirantes a prêmios.
Essa característica de “conceituar” o melhor, cada vez mais trivial, se sob determinado ângulo projeta figuras que nem sempre se mantêm à altura, sob outro prisma pode destruir definitivamente pessoas mais sensíveis e que, ao se sentirem injustiçadas, distanciam-se da parafernália festiva. O Sistema não contempla a justiça, privilegia articulações hábeis. A entrevista de Arkin é portanto um libelo que, num sentido de expansio, pode ser aplicado a todas as áreas que elegem os “melhores”, de Oscar a Nobel. Um número enorme de grandes atores e atrizes e incontáveis escritores ou figuras ligadas às muitas áreas de Oscar a Nobel jamais foram contemplados por falta dessa habilidade na aproximação com os que decidem, por índole ou mesmo por ideologia. A história, com o passar das décadas, sabe separar os que realmente têm valor. Igualmente, um sem número de premiados nesses dois mais cobiçados troféus desaparecem no esquecimento. Obedecendo-se a gradações de visibilidade ou “respeitabilidade”, chega-se inclusive às premiações de associação de bairro e outras mais. Categorias entendidas como em prateleiras, das mais “importantes” às bem modestas.
Comentava, em posts anteriores, que apenas em algumas áreas do esporte pode-se determinar o melhor. Não seriam aqueles coletivos, que sofrem momentos circunstanciais que determinam resultados. Nos individuais, onde as mensurações são soberanas, difícil não se saber o melhor, geralmente ratificado em provas sucessivas. Quando Rosa Mota ganhou por seis vezes consecutivas a São Silvestre, de 1981 a 1986, ou o nadador Michael Phelps, as oito medalhas de ouro nas últimas Olímpíadas de Verão em Pequim, o insofismável transpareceu. Sem contar Pelé, Michael Jordan ou Michael Schumacher, detentores de recordes absolutos ao longo de carreiras que encantaram o mundo.
Em todas as outras áreas onde o subjetivo impera, Comissões decidem e, não poucas vezes, parcialidade e arbitrariedade rondam suas escolhas. Não obstante a realidade insofismável quanto às premiações, frise-se a legião de agraciados de grande mérito que, ungidos, apenas ratificaram, ao longo de suas trajetórias, carreiras brilhantes.

Reflections on the impossibility of cold neutrality when judging someone’s merits. The subject was brought about by an interview given by the Academy Award-winning actor Alan Arkin to a Brazilian newspaper, when he expressed his disbelief in unbiased judging of professionals in the film industry.