Retornar a Évora é rever a planura alentejana em seu esplendor. A esta altura está a verdejar, e sobreiros, oliveiras, chaparros e avinheiras, esparsamente distribuídos, imprimem à paisagem identidade singular. O amarelo das giestas, a escorregar por caminhos precisos, mas não homogêneos, contrasta com o lilás das flores do campo. Há unidade e beleza nesses verdadeiros quadros, que se vão afastando à medida que o carro desliza pela estrada. Sobre as torres de eletricidade, imensos ninhos de cegonhas evidenciam que elas escolheram, não sem razão, o Alentejo para a nidificação.
O recital na Capela do Convento de Nossa Senhora dos Remédios é a lembrança de apresentações anteriores no belo templo. É-me familiar. A Instituição de Ensino Eborae Musica, sob a direção da competentíssima Professora Helena Zuber, organiza incontáveis apresentações diversificadas durante a temporada. O piano em frente ao altar de talha magnífica estimula a interpretação e eleva o espírito, mormente a se considerar o repertório de música portuguesa voluntariamente escolhido. A amiga e ilustre colega Idalete Giga emociona-se com o monumental Estudo V Die Reihe Courante, de Jorge Peixinho. Confessou-me, no regresso a Lisboa, que custou a dormir, pensando na composição interpretada. Escreverá um texto evidenciando impactos causados em alma sensível. Durante a digressão, ou após, quando ecos certamente fluirão, revelarei o texto que surgirá do pensar e do sentir de Idalete.
Qual o motivo dessa crescente atração por Braga? A cada ano, mais se dimensiona a admiração por meu pai, nascido em uma das freguesias de Vila Verde, tão próxima da antiga Bracara Augusta. É que mais e mais as referências levam-me à epopéia de um homem que teve tudo para se apagar no anonimato, mesmo que na maior dignidade, mas soube revestir sua saga com a aura do herói. Braga de amigos eternos: Teotónio, Maria Teresa, Ricardo, Luís, Ana Maria, Tiago, Arminda, José e tantos outros que independeram do tempo, apenas encontraram o momento da história para que o congraçamento se desse. Regina e eu os conhecemos num espaço de nossas vidas, sob o signo daquele herói que deixou Portugal ainda na mocidade e de outros que por cá ficaram, edificando seus futuros no labor amoroso constante.
No plano musical, Elisa Maria Lessa, ilustre professora da Universidade do Minho, apresentou-me manuscritos do compositor e pianista Eurico Thomaz de Lima. Obras que desconhecia e que me fascinaram pela qualidade da escrita. A ela, o mérito do redescobrimento do músico açoriano. Ao intérprete, a certeza de incorporar algumas obras ao seu repertório.
Ter convivido durante horas com o notável Professor de Direito da Universidade do Minho, Dr. António Cândido de Oliveira, apenas consolidou o maravilhamento que foi para mim apresentar o recital no Salão Nobre da Sala dos Congregados da Universidade do Minho. Semanas antes ele estivera com meu irmão Ives, que durante uma semana coordenou um curso de Direito na Universidade.
Uma das características de Braga é o congraçamento. Nas praças e nos cafés, as pessoas confraternizam-se de maneira coloquial. As atitudes de meu grande amigo Teotónio dos Santos lembram muito as que sinto na minha cidade-bairro, Brooklin-Campo Belo. Conhece todos pelo nome e sua amabilidade é proverbial. A diferença está nos ambientes urbanos, pois a limpeza dos espaços históricos e de extraordinária beleza, a cortesia do povo e a segurança nas ruas divergem totalmente daquilo que presenciamos em nossas grandes cidades tropicais. Já me referira a essa segurança que o cidadão tem ao andar pelas ruas na Bélgica. Não é emocionante ver a história de Bracara Augusta amorosamente preservada? Faz bem ao bracarense saber que seus espaços urbanos ainda são respeitados.
Braga, terra que faz parte da minha respiração, pois a cada passo sinto a alma de meu pai a acompanhar-me.
On my recitals in the chapel of the Convent of Nossa Senhora dos Remédios in Évora – a chance to revisit the wide plains of the Alentejo – and in Braga, a city that I feel as part of myself, since it was my father’s birthplace.
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