Estudo V Die Reihe Courante
Como su vida – la biografia de Peixinho
es como uma apasionada, confusa y contradictoria novela -,
sus composiciones alternan
claridades deslumbrantes y dramáticas tinieblas.
Esperamos su resurrección.
Ramón Barce
A amizade com Jorge Peixinho (1940-1995) data dos anos 80. A meu pedido, o grande compositor português já escrevera Villalbarosa, que constou de um caderno em homenagem a Villa-Lobos (1887-1959), no ano do centenário de seu nascimento, e publicada pela Universidade de São Paulo, com mais outras nove obras específicas de vários compositores, como tributo ao nosso notável músico.
A fazer parte da coleção que iniciei em 1985, solicitando a compositores do mundo inteiro criações para um extenso arquivo de Estudos representativos para piano, Jorge Peixinho escreveu em 1992 o Estudo V Die Reihe-Courante. Tão significativo se mostrava, devido aos ingredientes inusitados e renovadores utilizados por Peixinho, que pedi ao saudoso amigo um ensaio a respeito, publicado na Revista Música da USP e mais tarde no livro Jorge Peixinho – In Memoriam (Lisboa, Caminho da Música, 2002). A minha contribuição no livro encontra-se no item Essays de meu site.
O Estudo V Die Reihe-Courante é, antes de tudo, uma obra-prima. Nele, o compositor aplica em profusão elementos de sua vasta gama escritural. Material tradicional, aleatório, ambos mesclados, clusters em glissandos vertiginosos, escalas cromáticas com intersecções, movimentos assimétricos, trinados e tremolos e, a preponderar, a série, palavra que designa a sequência dos doze sons cromáticos existentes em uma oitava, aplicação técnica composicional que seria dogma durante tantas décadas para autores a partir dos primeiros decênios do século XX e que surgia numa tentativa de substituir a antiga escala diatônica e seus graus diferenciados, entendida esta, pelos proponentes da série, como exaurida. Jorge Peixinho escreve sobre a série: “Finalmente, e acima de tudo, é de assinalar a presença constante e quase avassaladora da série (Die-Reihe), constituindo esta o núcleo, a raiz e a fonte primacial da obra, ao mesmo tempo que assume uma função emblemática e simbólica. E se considerarmos também metaforicamente a série como uma imagem (visível, reconhecível e projetável em mil reflexos), então poderemos transpô-la ainda para uma dimensão iconográfica”. É sobretudo o rico tratamento dado à série em suas múltiplas aparições no incomensurável todo da escrita que proporciona ao ouvinte o alumbramento. Die Reihe-Courante tem esse último termo que remonta à Courante das suítes barrocas: “tal como a corrente de um rio que flui e se espraia, tal como uma corrente de laços encadeados e interligados”, como bem afirma Jorge Peixinho.
Na tournée a cargo de nós ambos, realizada em 1994 pelo Brasil, um pouco menos de um ano antes de sua morte, ele apresentando obras de Filipe Pires, Clotilde Rosa e as de sua lavra, e eu algumas de suas criações e a extraordinária 5ª Sonata de Lopes-Graça, pude observar a riqueza quanto ao emprego da pedalização. O Estudo V é igualmente uma magnífica criação no que se refere à utilização dos pedais. No texto, publicado no livro citado, já observara a virtuosidade do pianista-compositor quanto ao emprego dos pedais, a buscar unicamente o universo das reverberações sonoras. O resultado mostrava-se surpreendente.
Desde 1992 apresento Die Reihe-Courante. É impossível ficar-se indiferente ao magistral Estudo de Jorge Peixinho. Um dos nomes referenciais da composição contemporânea em Portugal, Eurico Carrapatoso escreveu-me após o recital na Academia de Amadores de Música em Lisboa: “Queira saber que a comoção de o ouvir e de ouvir os meus mestres Jorge Peixinho e Lopes-Graça através de si causaram uma memória indelével”.
Se os comentários dos ouvintes focalizam preferencialmente a estrutura da obra e seus resultados sonoros, a leitura que do Estudo fez a excelente gregorianista Idalete Giga fugiu a todos os ditames. Confessou-me que custou a dormir após a audição de Die Reihe-Courante no recital em Évora, tamanho o impacto causado pela composição que finalizava as apresentações. Escreveu um poema. Traduz a poesia a interpretação de alma sensível ao torrencial Estudo V. Transcrevo-o, após a gentil autorização da autora:
Ars longa vita brevis
Veloz cascata
arrastando
fios de esperança
entrelaçados
em laivos de angústia
e transparentes
ilusões
Alma inquieta
correndo
desnudada
bebendo a
pura loucura
no vazio
do Tempo
Morte anunciada
nas levíssimas asas
da Libertação
obra inacabada
vida incumprida
dor estilizada
escondida
numa doce
e amarga solidão
Que Die Reihe-Courante, assim como outras composições de Jorge Peixinho e de tantos importantes autores contemporâneos portugueses, como Clotilde Rosa, Filipe Pires e Eurico Carrapatoso que muito têm feito pela Música em Portugal, penetrem cada vez mais acentuadamente no repertório dos pianistas. Há a necessidade imperiosa dessa divulgação que, felizmente, está em ascensão. A gravação não profissional, mas plena do espírito de colaboração, realizada pelo dileto amigo Alexandre Branco Weffort durante a apresentação de Die Reihe-Courante na Academia de Amadores de Música em Lisboa, no dia 26 de Maio último, dará ao leitor e ouvinte a possibilidade de conhecer essa obra rigorosamente singular.
This post gives my view of the work “Estudo V Die Reihe-Courante” by the Portuguese composer and my dear friend Jorge Peixinho (1940-1995). With a variety of compositional techniques, I personally consider this etude a masterpiece and it has been part of my repertoire since it was written in 1992. By selecting the link at the end of the post, readers my listen to my performance of “Estudo V Die Reihe Courante” last May at the Academia de Amadores de Música in Lisbon.