Um Paraíso Possível
…e as histórias que a velha Quitéria me contava
das mouras encantadas que sempre se casavam
com um príncipe cristão.
António Menéres
Em Silves já não há moiras encantadas
Lopes-Graça (11ª das Viagens na Minha Terra).
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De Lisboa, passamos por Cascais, a fim de visitar o Museu da Música Portuguesa, que contém o espólio musical do notável compositor Fernando Lopes-Graça. A Diretora, Doutora Maria da Conceição de Mendonça Almeida Correia, explanou o trabalho competente que está a se fazer na Instituição. De lá, deslizamos rapidamente para Lagos, no extremo sul do Algarve, com o amigo José Maria Pedrosa Cardoso e sua esposa, Maria Manuela. Descer pela auto-estrada até o Algarve dá a realidade da planura alentejana, única em sua constituição natural, assim como a diferença palpável ao se adentrar terras algarvias. Montanhas abrigam a costa do Algarve dos ventos mais intensos.
Lagos situa-se em lugar privilegiado e novamente Regina e eu nos hospedamos em casa dos sogros de José Maria: Firmino, o homem do mar (vide Breves II, 14/06/07) e Maria Elias. Aposentado das águas por vezes bravias, não deixa de visitá-las, de conversar e aconselhar os mais jovens pescadores, assim como de escolher os melhores peixes. Um sábio no olhar as coisas e no preparar os assados únicos. Repetiu-se o desfilar de peixes à mesa, todos preparados pelo velho Firmino. Sardinhas gordas e no ponto, pois mês exato; cavalas; carapaus naquilo que o homem do mar denomina limada, uma iguaria; ostras frescas e seguras, pois Firmino entende sua evolução após retiradas do mar. Os doces inigualáveis, onde amêndoas e ovos fazem o amálgama perfeito com outros ingredientes, nas mais variadas combinações; o queijo de figo, uma quintessência gastronômica quando preparada por Maria Elias, assim como seu arroz doce insuperável.
Certa tarde encontrei Firmino costurando os buracos de uma longa rede que deveria voltar às águas algarvias. O mestre considerou que perto do Extremo de Sagres há surpresas no mar, como navios afundados que dilaceram certas malhas. Especialista, é convidado para repará-las. Fá-lo com presteza e maestria. Uma só falha e está tudo a perder. Na região de Lagos, é de beleza ímpar o promontório que receberia a denominação de Ponta da Piedade. Do alto vislumbram-se águas em várias colorações, grutas, rochedos. Diminutas praias intermedeiam essas abruptas elevações e dimensionam a magia do lugar, a contrastar com a imensa praia entre Lagos e Portimão. Essas paisagens tornam Firmino não apenas o pescador e mestre dos assados oriundos da fauna marítima, como um poeta de poucas palavras, mas intensas na mensagem a ser transmitida.
Foram três dias, após a tournée pianística plena de emoções. Subimos a serra de Monchique, que se eleva a 900 metros do nível do mar. As cercanias do pico da Fóia são deslumbrantes. A visão é magnífica, a estender-se até o mar, e o olhar capta Lagos à direita, Portimão mais ao centro e perde-se na Lagoa. Pode-se vislumbrar Silves, cidade plena de lendas e situada entre o mar e a serra de Monchique. Nesta, a passarada fascina com seus cantos mágicos, pois a vegetação é rica. Um rouxinol a cantar insistia em visitar um dos galhos perto da mesa onde almoçávamos. Tentei em vão fotografá-lo. O casal Pedrosa Cardoso, José Manuel e São, Maria Elias, José, Regina e eu captávamos o encanto do entorno, enquanto, ao final do almoço, o aguardente feito da fruta da região, medronho, selava congraçamentos.
No regresso a Lisboa, José Maria preferiu outra rota, a antiga estrada. Tortuosa, ladeia à certa distância o litoral. As curvas acentuadas e a paisagem deslumbrante, mormente na serra do Espinhaço de Cão, indicam que se está a mudar de região. A Vila de Aljezur e seu velho castelo medieval em ruínas, pequenos vilarejos e aldeias eram atravessados no cerne das localidades, o que faz o viajante inteirar-se um pouco mais de atávicos costumes. O serpentear do asfalto, subindo e descendo serras menores, levar-nos-ia ao Alentejo, bem maior em terras do que o Algarve. Belezas outras. Rente ao litoral, a região alentejana tem características próprias e diferencia-se bem daquela fronteiriça à Espanha.
A caminho de Lisboa, José Maria reservou-nos a surpresa da travessia por Ferry Boat, que nos levaria a Setúbal. Belo passeio, apesar da forte cerração. Lembro-me de outras travessias, no final dos anos 50, antes da construção da histórica ponte 25 de Abril, a ligar Lisboa ao sul de Portugal.
As impressões de viagem ficam ratificadas, mormente pela trajetória do Minho ao Algarve nesta tournée pianística que se finda. Portugal é um imenso jardim preenchido pela história que está a todo instante, como as flores de tantas espécies, a revelar intensidades infindas.
After the end of my concert tour in Portugal I took a short holiday in the Algarve region: good company, breathtaking landscape and endless variety of seafood and traditional desserts, examples of the Portuguese taste for all that is good and sweet.