Viver o Presente a Pensar nos Projetos


Alguns dos presentes ao concerto do dia 11 no Musée Debussy, em Saint-Germain-en-Laye, entraram em contato. Alegra-me ouvir concordâncias quanto à proposta da apresentação. Captaram a mensagem. Debussy e Moussorgsky amalgamados nesse espirito lúdico, que bafeja raramente os eleitos. O jovem ator Alexandre Martin-Varroy leu, com rara expressão, textos pertinentes às obras que foram interpretadas. Para o velho intérprete, que apresentava as criações maiúsculas de Debussy e Moussorgsky, o sentimento era bem intenso. Traduzir o mais fielmente possível o conteúdo da identidade, aproximar dois gigantes da composição… Interiormente, sentia que Debussy convidava Moussorgsky para o diálogo, como fizera com Pélleas et Mélisande, após extasiar-se com a proposta de Boris Goudnov.

Se no day after conheci um dos escritores mais inusitados da atualidade, Sylvain Tesson, em longa entrevista plena de interesse, mais ainda considerei que a arte do pensar não conhece fronteiras. Uma longa travessia pelo deserto de Gobi pode despertar inúmeras reflexões a levar à narrativa escrita, que, sob outro contexto, têm semelhança com a longa preparação de uma obra com vistas à apresentação pública ou gravação. Ainda estou a decantar muitas das sábias considerações de Sylvain Tesson. Espaço nesse blog não faltará. Urge que seus livros sejam traduzidos para o português. Que enriquecimento para nossa cultura, que prefere tantas vezes o intelectualismo estéril. O wanderer ou vagabond Tesson é desde já considerado um dos mais importantes escritores em França. Tem pouco mais de 40 anos!

Alexandre Martin-Varroy (33) convidou-nos para assistir a uma peça teatral, Ce soir, il pleuvra des étoiles, um musical, diria, em torno das Guerras de 1914-1918 (centenário este ano) e 1939-1945. O Theatre Trevise esteve repleto e, durante uma hora e meia, Martin-Varroy (canto, montagem e escolha do repertório), Marie-Pierre Rodrigue (canto), Alix Merckx (contrabaixo) e Romain Molist (piano) encantaram o público na peça que teve mise en scène de Patrick Alluin. A atriz e cantora Marie-Pierre desfilou graça, drama, comédia, a surpreender o público. A contrabaixista, por vezes atriz e cantora, também merece destaque. Ficamos surpresos com o pianista. Percorrendo mais de um século, apresentou canções e peças em voga entre as Guerras e, à medida que a história se desenrolava, suas improvisações ganhavam roupagens novas e dum contido improvisar, navegou para soluções mais sofisticadas. Quanto a Alexandre Martin-Varroy, quanto talento!!! Autor do texto, sua representação alterna drama, comédia, mímica e uma bela voz ao longo de tantas canções. Ao final, os quatro artistas, todos jovens, dialogaram com um público super entusiasta.

Reuniões com alguns músicos, projetos para 2015 e muito estudo pela frente, pois, aos 76 anos, pretendo gravar dois CDs só obras ainda inéditas para meus dedos, sempre na mágica capela de Saint-Hilarius em Mullen, na planura flamenga, e a ter como engenheiro de som um dos maiores especialistas do planeta, Johan Kennivé. Não é essa uma das identidades com Sylvain Tesson? O desconhecido geográfico, para o excepcional viajante-escritor, não se assemelha ao desconhecido de mente e dedos do intérprete? Longos caminhos a serem percorridos pelo incansável caminhante, imensidão de ideias que estarão a surgir no cérebro do artesão pianista.

Deixamos Paris, um porto seguro desde os meus 20 anos. Inundam-me as recordações de tantos aportamentos à cidade bimilenar. Mais do que os lugares, as pessoas de meu convívio, que percorreram as décadas e já somam bônus na existência. Outras figuras diletas foram surgindo e fazem parte de meu universo afetivo.

E aterrisamos em Lisboa! Minha 49ª viagem à capital dos portugueses. Relação que extrapolou a sanguinidade. Portugal faz parte de meu respirar. Nesta sexta-feira,  aconteceram a conferência e o recital. A mesma temática apresentada em França. No momento em que o blog estiver entrando, Regina, nossa neta Ana Clara, queridos amigos músicos e eu poderemos ainda estar à mesa, a degustar um vinho branco Ermelinda, da península de Setúbal, a regar o bacalhau à Braz no Ribadouro, restaurante que frequento desde 1981. A tradição a partir do congraçamento…