Elas continuarão neste 2017
Os pensamentos que me ocorrem
quando estou correndo são como nuvens no céu.
Nuvens de tamanhos diferentes.
Elas vêm e vão, enquanto o céu continua o mesmo de sempre.
As nuvens são meras convidadas que passam e vão embora,
deixando o céu para trás.
O céu existe ao mesmo tempo que não existe.
Possui substância e ao mesmo tempo não.
E nós meramente acolhemos essa vasta expansão
e nos deixamos embriagar.
Haruki Murakami
(“Do que eu falo quando eu falo de corridas”)
“E as corridas de rua. Você as abandonou?”. Marcelo é amigo e morador na minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo. Encontramo-nos várias vezes na feira livre aos sábados e nos vários supermercados das cercanias. Respondi que continuo a treinar e a participar das inúmeras corridas de rua que hoje proliferam em São Paulo e cidades vizinhas, sempre com enorme prazer. Disse-lhe que a sua pergunta era provocativa e que não ficaria indiferente ao tema.
Realmente continuo a participar das corridas de rua. No ano que passou foram 20. Se considerarmos que a inscrição para as provas pressupõe preparação, diria que, num ano de 50 e tais semanas, as participações até que foram expressivas. Atendo-se aos três treinos semanais – dois quando há corridas -, temos cerca de 150 percursos de 8 a 12km durante o ano, individuais ou junto à multidão de adeptos. Mesmo em turnê pela Europa não deixo de treinar, até quando as temperaturas estão lá embaixo. Em 2015 cheguei a correr em prova de 10k na cidade de Ninove, na Bélgica.
Escrevi em anos anteriores que jamais vi um rosto contraído ou mal humorado antes e depois das provas de rua, exceção ao pelotão que sai à frente e que busca superar tempos e ganhar troféus. Diria, quem compete tem a adrenalina em índices altos e vê o corredor ao lado como alguém a ser superado.
Faço galhardamente parte da turba que está a correr despreocupada, buscando a ratificação de princípios que regem a qualidade de vida. Todos se sentem “companheiros” no percurso a ser vencido. Um exemplo pode ser presenciado habitualmente quando um corredor cai ou sente qualquer desconforto. Há sempre os bons samaritanos que abdicam de seus tempos para acudir o infortunado. Já fui mais de uma vez socorrista nessas ocasiões. Não sei se o pelotão de atletas profissionais ou semi profissionais age dessa maneira, pois não apenas não estou lá na frente para comprovar, como também esses corredores pensam nos prêmios e nos troféus, o que é lógico.
Acumulo alguns troféus, não pelo desempenho, mas graças à idade. Numa corrida de rua na aprazível cidade de Louveira (72km de São Paulo) estava para retornar à nossa cidade juntamente com meus companheiros nessas provas, Batoré e Peninha, quando, por megafone, anunciaram meu nome. E veio o troféu do mais idoso!!! Nas organizadíssimas corridas do Circuito da Longevidade, patrocinadas pela Bradesco Saúde, já foram vários troféus relativos à classificação na faixa etária e como um dos três mais longevos. Não deixa de trazer grande alegria.
Desde 1952, tenho muitos álbuns contendo recortes de jornais, críticas e programas musicais que contam o longo caminho que ainda não findou. Igualmente guardo álbuns das corridas desde 2008. Já são cinco preenchidos. De cada corrida arquivo o número de peito, foto comprada das inúmeras empresas que colhem milhares de imagens dos corredores e o tempo final. Num desses dias revi-os e pude observar o paulatino aumento dos tempos para percursos como os 10k. “O tempo insubornável”, de que nos fala Guerra Junqueiro, testemunha por escrito esse declínio, que não me incomoda. Continuo a chegar entre os corredores do último terço de inscritos, mas curiosamente à frente de algumas centenas ou, em determinados casos de quantidade expressiva de corredores, de milhares. Isso não importa. Satisfaz-me a alegria contagiante que emana desse clima mágico representado por essa atividade esportiva que cresce de maneira geométrica no Brasil e no mundo.
Resenhei dois livros sobre corridas de rua, um do grande escritor japonês Haruki Murakami (vide blog de 19/02/2011) e outro do médico Drauzio Varella (vide blog de 03/10/2015). Li com grande prazer as duas obras, pois pormenorizam toda a evolução que os levou a percorrer maratonas. Já escrevi anteriormente que a maratona (42.2k) continua a ser desafio a ser vencido por quantidade expressiva de corredores de rua, sendo a meia maratona (21.1km) a etapa necessária de aprimoramento. Logicamente, pormenorizar-se nessas distância significaria ainda atingir o Nirvana. Todavia, a insaciabilidade humana já aumentou limites quilométricos, e provas de 100k ou até 180k já estão se tornando alvo para adeptos especiais, os ultramaratonistas. Essa assertiva leva à conclusão de que a temática futura buscará distâncias sempre acentuadas e literatura afim será produzida para interesse de leitores ávidos no algo a mais. Porém, metas em ascensão não trazem benefícios à saúde. Isso é comprovado. Um bom companheiro de corridas, que participava de provas de 10 a 100k, sofreu infarto do miocárdio ao final de um longo percurso e quase se foi. Meses após, retornou às corridas de apenas 10k e com “orgulho” exibiu a enorme avenida traçada em seu peito! A maratona já é, a meu ver, desde a intensa preparação, um exagero para o humano.
No dia seguinte ao nosso encontro, Marcelo entrega-me recente artigo intitulado “Feliz 2017″ (Folha de São Paulo, 24/12/16), de Drauzio Varella. O famoso médico estranhamente desconstrói a essência de seu livro “Correr” e o título da crônica em apreço. Emana conceitos desestimuladores. Escreve: “Corro maratonas há 23 anos. Acordar mal-humorado às 5h, vestir calção e calçar tênis, resignado, é parte de minha rotina, como examinar doentes ou tomar banho”. Alguns parágrafos abaixo prossegue: “Quando você, leitor, ouvir alguém que se gaba de acordar louco para fazer exercícios, não fique complexado: é mentira. Como eu sei? Se existisse tal disposição eu a teria sentido pelo menos uma vez nos últimos 23 anos. Para mim, levantar da cama e começar a correr sempre foi sacrifício; todas as vezes, sem uma exceção sequer” (sic). Algumas considerações: Varella generaliza uma experiência particular. Utilizando-me do mesmo raciocínio, em sentido inverso, diria que todos os corredores que conheço – alguns maratonistas e ranqueados – praticam a atividade com prazer. De minha parte, jamais acordei mal-humorado, por vezes às 4h, nas 130 corridas desde 2008, portanto iniciadas aos 70 anos, após um câncer que quase me levou aos anjinhos. Todas as manhãs, mesmo em dia de corridas, realizo com prazer meus 20 minutos de ginástica, assim como meu saudoso pai, que se sentia rejuvenescido ao praticar seus exercícios matinais até pouco antes de sua morte aos 102 anos. Jamais correr foi sacrifício para mim e para os que eu conheço. Quando, às 5 ou 5:30h, meu companheiro de corridas, Carlos ou Batoré, chega à minha porta vindo de bairro distante e estampa um grande sorriso pleno de alegria, ouço sua frase em voz alta, “mais uma professor!!!”. Seguimos energizados para as provas em São Paulo ou cidades próximas. A testemunhar esse prazer enorme do avô, minha querida neta Ana Clara escreveu mensagem quando da centésima corrida. Inserida no post de 28/08/2015, publico-a novamente, pois comove-me sempre:
“Vovô querido, muito me orgulha ver estas fotos e ser testemunha desta conquista que vai além da primeira corrida com três dígitos. Não são somente 100 corridas. São 100 vezes que você acordou antes do sol nascer. São 100 vezes que você se inscreveu com vontade de superar mais um obstáculo. São 100 vezes que você foi dormir pensando que uma nova história te esperava no dia seguinte. São 100 vezes que você se preparou no dia anterior (com os alfinetes na camiseta, com a garrafa d’água, a toalha e a camiseta extra). São 100 vezes que você alcançou a chegada. São 100 vezes que você foi admirado pelos demais corredores pela sua idade e perseverança. São 100 vezes que você chegou em casa satisfeito por mais uma missão cumprida. São 100 vezes que o ‘talento’ percebeu que não estava tão lento assim. São 100 vezes que você se orgulhou da escolha de começar a correr. São 100 vezes que você salvou fotos, as imprimiu, e colou juntamente com o número da corrida no álbum. São 100 medalhas. São 100 corridas SEM desculpas ou desistências. São 100 vezes que você acordou determinado a lutar pela vida. Não pude estar presente nestas 100 corridas, tendo participado de duas delas, mas tenha certeza que você recebeu 100 aplausos, 100 sorrisos e 100 momentos de orgulho da sua querida neta. Esta foi minha singela homenagem ao meu queridíssimo avô! Te amo! Parabéns de novo!”. Confesso que, se sentisse, sequer uma vez, sacrifício ou enfado, não correria, como também não me dedicaria horas a meu estudos pianísticos.
Portanto, prezados leitores, continuarei a percorrer distâncias compatíveis com minha idade (78). De 10 a 15km, acho plausível. Se chegar aos 80 anos, espero ter escrito um livro sobre a experiência saudável nessas distâncias e relatar algumas figuras que me são essenciais como exemplos, estímulos e amizade. Pormenorizar-me-ei em Elson Otake, o maratonista, responsável pela introdução no YouTube de cerca de 80 gravações que realizei no Exterior e conselheiro impecável quanto às corridas; Nicola, que, aos 82 anos, foi meu primeiro guru, e que realiza semanalmente treinos de 20 a 30km nas serras perto de Campos do Jordão; Antônio Lopes, fenômeno físico, que aos 89 anos participou de maratonas e ainda completa as meia maratonas. Soma em seu currículo mais de 700 corridas de rua!!! Encontro-o em quase todas as provas de 10 ou 15km!!! Escreverei sobre Edgar Barbosa Correa, excelente personal trainer que me orientou durante ano decisivo e que hoje mora definitivamente, com sua esposa Melina, igualmente personal, nos Estados Unidos Por fim, terei capítulo sobre Carlos, vulgo Batoré, amigo e companheiro de todas as corridas.
Marcelo ainda perguntou o que eu considero o benefício maior. Respondi-lhe que o bem estar é resultado fulcral, inclusive para meu estudo de piano; que durante os treinos solitários ligo o automático e passadas e respiração se amalgamam, deixando para a mente a elaboração dos quase 530 posts já publicados no blog. “Eles” se organizam na mente e, de madrugada, no silêncio possível, descem serenamente para o teclado do computador. É isso, meu caro Marcelo.
This post explains why I love running: the benefits for body and mind: the interaction with other runners – everybody has an advice to give, a race story to unfold -, the rush of hormones that relieve stress and make your happier. Running has never been a burden: on the contrary, it is something I always do with pleasure, even if it includes solo practices three times a week alone with my thoughts, getting up at dawn rain or shine on runnings days – occasionally travelling long distances -, taking care of my form, breathing, and pace. But I love the camaraderie of my teammates and of other runners, checking how I have done in my age division and, as a fringe benefit, the increased energy brought by regular exercise.