Um recital vinte e dois anos após uma primeira apresentação
I have spread my dreams under your feet:
Tread softly because you tread on my dreams.
W.B. Yeats (1865-1939)
Elegemos nossos paraísos imaginários. Cada indivíduo tem lá seu paraíso; ou vários. São tantas as circunstâncias que determinam a escolha. Gent é um de meus paraísos encantados e razões há para a eleição. Foi em Gent que gravei meu primeiro CD no Exterior. Em dois dias, o excelente violinista Paul Klinck e eu gravamos a integral para violino e piano de Henrique Oswald (selo belga PKP). Meses após, ainda no ano de 1995, o Conservatório Real de Gent realizou um concerto inteiramente dedicado a Henrique Oswald para o lançamento do CD. Foi uma das grandes emoções musicais em minha vida. Com quase duas horas de duração, participei de todas as obras da primeira longa parte: Sonata para violoncelo e piano op. 44, Quarteto com piano op. 26, Poema Lírico Ofélia para soprano e piano, várias peças para piano solo. Na segunda parte, o magnífico coral Novecanto apresentaria a Missa de Requiem a capella do nossa maior compositor romântico. A menção ao primeiro CD é feita, pois no recital do dia 27 será lançado meu 23º CD, sob o sugestivo nome “Éthers de L’Infini”, com obras de quatro excepcionais compositores: Eurico Carrapatoso e Jorge Peixinho (Portugal), François Servenière (França) e Gheorghi Arnaoudov (Bulgária), sob a égide do selo francês ESOLEM.
Passaram-se os anos e visitei a cidade mais de 20 vezes, a fim de recitais e gravações, aqueles sempre tendo relação intrínseca com o repertório a ser gravado para o selo De Rode Pomp, hoje desativado. Todavia, as gravações continuam tendo como engenheiro de som Johan Kennivé, um dos mais competentes especialistas da área no planeta, e o local, a mágica capela de Saint-Hilarius do (século XI), perdida na planura flamenga em Mullem, cidade com pouco mais de 300 habitantes.
Retornar a Gent traz-me recordações guardadas em meu de profundis. A apresentação, marcada para o dia 27 na Sala Quatre Mains, já está a congregar público que, durante todos esses anos, tem acompanhado meus recitais. Em minha caixa de e-mails recebo mensagens de frequentadores antigos que prestigiavam os músicos que se apresentavam na sala da De Rode Pomp.
Como afirmei anteriormente, os blogs durante a viagem estão bem resumidos pela dificuldade de determinados acessos, pois não levo comigo nem laptop, tampouco tablet, o que evidencia minha pouca familiaridade com esses inventos.
Sabedor do recital, meu dileto amigo Tony Herbert criou o cartaz que ilustra o blog. Um artista pleno de imaginação. Bem anteriormente já fizera cartaz de recital que apresentei na De Rode Pomp, após o qual o CD com a integral dos Estudos de Debussy foi lançado. Na foto, tirada pelos amigos belgas Danièlle Lemaître e Rudy, a garrafa de champagne está pintada pelo excelente pintor de São Peterburgo, Boris Chapovalov, um artista que visita frequentemente a cidade de Gent. Após jantar na De Rode Pomp no ano anterior em que apresentei os Doze Estudos de Debussy e outras obras, Chapovalov colocou a garrafa em baixo do braço sem nada dizer. No dia seguinte oferecia-me a sugestiva pintura.
Penso encerrar o ciclo escrito além-mar com um breve post, a focalizar meu diletíssimo amigo André Posman, que criou as temporadas musicais na De Rode Pomp e manteve acesa a chama da gravação através de dezenas de CDs lançados, esmeradamente produzidos. Também escreverei sobre o engenheiro de som Johan Kennivé, um mágico da gravação.