Historiador e Diretor da Biblioteca da Universidade de Coimbra
Quem adiante não olha,
atrás fica.
(Adágio Açoriano)
Causou-me surpresa agradável verificar que, em recentes publicações no respeitado Diário de Notícias de Lisboa, 3 e 15 de Setembro, dois diletos amigos, o compositor Eurico Carrapatoso e o Professor de História Medieval João Gouveia Monteiro, notáveis em suas respectivas áreas, responderam ao célebre Questionário Proust. No blog anterior concentrei-me nas questões respondidas pelo músico e, no presente, faço o mesmo em relação ao medievalista. É extraordinário o fato de que, após o longevo aparecimento do Confessions Album (1860), consagrado posteriormente como Questionário Proust, houvesse um apaziguamento em meados dos século XX, mas a ressurgir com intensidade em veículos mediáticos e, por extensão, entre o público em geral, basicamente com a mesma estrutura. O conteúdo das respostas às questões pode revelar acutilância plena em determinados compartimentos não expostos anteriormente pelos mais variados motivos. Diretas, sem subterfúgio, perguntas voltadas ao cotidiano, gostos e preferências até pueris contribuem para o conhecimento da personalidade daquele que em poucas palavras se desvela.
João Gouveia Monteiro, Professor de História Medieval na Universidade de Coimbra e Diretor da Biblioteca da consagrada Instituição, é um dos mais importantes conhecedores desse longo período fulcral para a Cultura do Ocidente. Neste espaço, dediquei dois posts às obras basilares de Gouveia Monteiro (vide no menu, item Livros: Resenhas e Comentários.
O professor João Gouveia Monteiro leciona desde 1982 na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde ensina História da Antiguidade Clássica, História da Idade Média, História Militar Europeia, História das Religiões e Cultura Medieval. É investigador dos Centros de História das Universidades de Coimbra e de Lisboa. Gouveia Monteiro é membro fundador e Presidente da Associação Ibérica de História Militar (séculos. IV – XVI). Uma das figuras mais eruditas que tive o privilégio de conhecer nesses quase 20 anos de sólida amizade.
A leitura de seu Questionário Proust revela sua visão do cotidiano, suas preferências e seus almejos. Curiosamente, temos sequencialmente dois Questionários respondidos e diferenciados, ambos valorizando o humanismo tão obliterado em nossos tempos. João Gouveia Monteiro responde com franqueza e descontração, sendo admirável seu compromisso com a atividade escolhida. À pergunta sobre seu principal defeito, a resposta não camufla a certeza para o pesquisador: “A impaciência pela demora na concretização de tarefas e projetos”. A questão relacionada ao que gostaria de ser tem consideração sensível por parte de Gouveia Monteiro: “Aquilo que sou – professor, a mais bela profissão do planeta: ‘Se não sabes, aprende. Se já sabes, ensina’ (Confúcio). Numa vida futura: músico, escritor ou intérprete”.
“A sua virtude preferida?
R: A integridade. Detesto quando se diz que ‘cada pessoa tem o seu preço’. O que resta então da dignidade humana?
A qualidade que mais aprecia num homem?
R: Uma mescla de simplicidade com sentido de humor.
A qualidade que mais aprecia numa mulher?
R: A ternura. Afinal, é isso que nos aproxima mais das nossas mães…
O que aprecia mais nos seus amigos?
R: A fidelidade no tempo longo. Amizade rima com reciprocidade.
O seu principal defeito?
R: A impaciência pela demora na concretização de tarefas e projetos.
A sua ocupação preferida?
R: Se falamos de hobbies, então a música (sobretudo piano).
Qual é a sua ideia de «felicidade perfeita»?
R: Reconhecer o melhor que há em mim e cultivá-lo. Aproveitar a parte boa dos outros e esquecer o resto. Amar e ser amado. Aceitar o tempo e usufruir da natureza.
Um desgosto?
R: A perda de um ente querido – um familiar próximo, um grande amigo. Em comparação com isto, tudo o mais parece minúsculo.
O que é que gostaria de ser?
R: Aquilo que sou – professor, a mais bela profissão do planeta: «Se não sabes, aprende. Se já sabes, ensina» (Confúcio). Numa vida futura: músico, escritor ou intérprete.
Em que país gostaria de viver?
R: Em Portugal, o melhor país do mundo: belo, hospitaleiro, com uma identidade secular. Vivemos num cantinho do Céu. Se tivesse de mudar: talvez no Sul de França.
A cor preferida?
R: O azul-turquesa e o cor-de-rosa (duas cores muito associadas à nossa primeira infância!).
A flor de que gosta?
R: Hesito entre a rosa e a tulipa. Nas trepadeiras, o jasmim (pelo aroma) e a buganvília (pela cor). Ah, e a flor-de-lótus, símbolo da iluminação.
O pássaro que prefere?
R: O elegante flamingo; ou a pequena pomba, símbolo da paz.
O autor preferido em prosa?
R: Entre os de língua portuguesa, Eça e Mia Couto. Dos outros, Javier Marías e Tolstói. No teatro, Shakespeare.
Poetas preferidos?
R: Camões e Antero (sonetos), entre os antigos; Manuel Alegre, Ary dos Santos e Ramos Rosa, entre os modernos.
O seu herói da ficção?
R: O meticuloso e perspicaz Hércule Poirot (Agatha Christie), seguido de Daniel Sempere, o do «cemitério dos livros esquecidos» (Ruiz Zafón).
Heroínas favoritas na ficção?
R: Antígona, de Sófocles; e Penélope, de Homero.
Os heróis da vida real?
R: Ontem, Jesus, Marco Pólo, Gandhi e Mandela. Sem esquecer o nosso Pedro Nunes. Hoje, o Papa Francisco, o exemplo mais luminoso que temos.
As heroínas históricas?
R: Marie Curie (Prémio Nobel da Física e também da Química!), Beatriz Ângelo (médica-cirurgiã e feminista de causas nobres) e Eleanor Roosevelt (Direitos Humanos).
Os pintores preferidos?
R: Amadeo, Menez e Resende, entre os portugueses; Van Gogh e Monet, dos estrangeiros.
Compositores preferidos?
R: Na música clássica, Chopin, Beethoven e Carlos Seixas. Na moderna, Leonard Cohen, Paul Simon e toda a «bossa nova».
Clique para ouvir, de Carlos Seixas, a Sonata nº 68 em lá menor, na interpretação de J.E.M.:
(302) Carlos Seixas – Sonata nº 68 in A minor – José Eduardo Martins – piano – YouTube
Os nomes preferidos?
R: Nos meninos, Vasco e Jaime. Nas meninas, Leonor e Helena.
O que detesta acima de tudo?
R: Nas pessoas, a arrogância e a vaidade. No resto, a guerra, a pobreza e a destruição do meio ambiente.
A personagem histórica que mais despreza?
R: Hitler e toda a sua turma, que sabia bem o que estava a fazer.
O feito militar que mais admira?
R: A Reconquista da Península Ibérica. O desembarque aliado na Normandia. A «Revolução dos Cravos», à qual devemos quase tudo.
O dom da natureza que gostaria de ter?
R: Ouvido absoluto e talento para pintar, hélas…
Como gostaria de morrer?
R: Em casa, durante o sono, perto da minha família. Enquanto ainda estiver vivo, como alguém fez questão de gravar no seu epitáfio.
Estado de espírito atual?
R: Exausto pela dificuldade do questionário… Grato pela gentileza do convite. Apreensivo pelo futuro do Mundo.
Os erros que lhe inspiram maior indulgência?
R: Os pequenos delitos cometidos por amor, ou por carência extrema.
A sua divisa?
R: «Vive uma vida boa e honrada. Quando fores velho e olhares para trás, então terás a oportunidade de a saborear uma segunda vez» (Tenzin Gyatso, XIV Dalai Lama).
Clique para ouvir, de Carlos Seixas, a Sonata nº 50 em sol menor, na interpretação de J.E.M.:
https://www.youtube.com/watch?v=uIUhQc_giNs
Quando em Coimbra para recital na Biblioteca Joanina, minha neta Valentina e eu estivemos várias vezes com o professor Gouveia Monteiro e sua esposa Leonor. Curiosamente, perguntou-nos sobre preferências, flores, escritores, poetas… Naqueles momentos não atinei, mas soube há dias que Gouveia Monteiro já estava a responder ao Questionário Proust. Presenteou-me com alguns de seus livros e presentemente estou a ler “Nuno Álvares Pereira – Guerreiro, Senhor feudal, Santo”, excepcional aprofundamento na lendária figura do Condestável.
In the space of just 15 days, two dear friends had their Proust questionnaire (Confessions album) published in Lisbon’s Diário de Notícias. In this post I insert the answers by the illustrious Professor of Medieval History at the University of Coimbra, João Gouveia Monteiro.
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