Após a finalização da atividade musical pública
Da necessidade nasce a força. É ao coral, precisamente,
que a obra de Bach deve sua grandiosidade.
O coral não apenas o coloca na posse
dos tesouros da poesia e da música protestante,
mas, igualmente, abre-lhe as riquezas da Idade Média
e da precedente música sacra latina.
Albert Schweitzer
(J.S.Bach le Musicien-Poète”, 1913)
“Agora segue-se a pura síntese pianística, sem a presença do público.
É outro nível de licor artístico, ainda,
aquele que reservarás à família e aos amigos íntimos”.
Eurico Carrapatoso
(mensagem do notável compositor português após meu recital derradeiro)
Foram vários os posts sobre o término de minhas apresentações frente ao público. Gand, na Bélgica, Lisboa e, a findar, Santos, na bela Pinacoteca Benedito Calixto no fim de Agosto. Como o piano continuará a fazer parte da minha respiração até…, não deixo um dia de praticar meus estudos pianísticos, de visitar obras do passado à contemporaneidade e de ler partituras que antes não visitara.
Faremos, Regina e eu, Encontros em nossa morada, privilegiando um tema. Num primeiro Encontro, elegemos as transcrições para piano de corais ou criações para órgão de J.S.Bach (1685-1750) realizadas por grandes mestres. Em blog bem anterior já comentava a respeito dessas transcrições, que, obliteradas do convívio dos pianistas e estudantes de piano durante boas décadas no século XX, têm florescido acentuadamente nestes últimos tempos (vide blog “Transcrição e interpretação”, 27/08/2022). Estou a me lembrar de que, durante minha estadia em Paris para estudos de piano e musicologia (1958-1961), mestres não propunham transcrições aos alunos, tampouco elas faziam parte dos programas destinados aos inúmeros concursos de piano, realidade que basicamente persiste nesses certames!
Nesse primeiro Encontro, a preceder as interpretações pianísticas comento o porquê do tema escolhido, histórico, importância das transcrições de obras de J.S.Bach destinadas para coro e outras para órgão, realizadas por mestres absolutos. Tem interesse a diversidade dessas transcrições, que, a partir dos originais, respeitam o pensamento de Bach, mas imprimem características dos que transcrevem através de seus traços estilísticos personalizados. O advento da internet propiciou o aparecimento de inúmeras gravações de grandes pianistas interpretando transcrições de obras de J.S.Bach e de outros autores. É um deleite ouvir essas leituras.
Regina, com a qualidade que lhe é peculiar, apresentou três peças de J.S.Bach, não transcritas, mas que ilustram o que tenho a dizer sobre a transcrição. Foram duas sessões nas quais reunimos uns poucos convidados devido ao espaço, mas corroboraram a proposta que deve ocorrer periodicamente a partir de determinado tema voltado à literatura composicional destinada ao piano, seja pontuando um só compositor ou um período histórico brilhante no qual pontuaram vários insignes mestres.
Regina aos 12 anos participou do Festival Bach em Berkeley na Califórnia. Saudada pela crítica do Festival cultuou sempre o imenso compositor. No Encontro apresentou o “Prelúdio em Dó Maior” do primeiro volume do Cravo bem Temperado, que serviu para a conhecidíssima versão realizada por Gounod. O “Prelúdio nº 10 em mi menor”, do mesmo volume, foi o modelo para o “Prelúdio em si menor”, Bach-Siloti. Quanto à célebre “Fantasia Cromática e Fuga”, trata-se de obra original composta para cravo, mas frequentada com assiduidade pelos pianistas. Magistral criação de J.S.Bach.
Interpretei transcrições realizadas por quatro grandes mestres: Alexander Siloti (1863-1945), Ferrucio Busoni (1866-1924), Wilhelm Kempff (1895-1991) e Dame Myra Hess (1863-1945). De Bach-Siloti, o “Prelúdio em si menor”, leitura de Alexander Siloti do Prelúdio em mi menor” já mencionado, peça bem lírica, mas muitíssimo menos frequentada do que o “Prelúdio para órgão em sol menor”, transcrição esta quase obrigatória na geração pianística brasileira por volta de meados do século XX, muito dessa atitude após a gravação referencial da notável Guiomar Novaes.
Clique para ouvir, de Bach-Siloti, o “Prelúdio para órgão em sol menor”, na interpretação de Guiomar Novaes:
https://www.youtube.com/watch?v=D1RdTLYja8Y&t=5s
O pianista, compositor e músico completo Ferrucio Busoni transcreveu para piano vários corais de Bach. O coral “Agora vem o Salvador dos gentios” é um dos mais expressivos, evoluindo numa escrita com várias vozes, a preponderar o impactante tema central várias vezes apresentado.
Clique para ouvir, de Bach-Busoni, o coral “Agora vem o Salvador dos gentios”, na interpretação de Vladimir Horowitz:
https://www.youtube.com/watch?v=2PzGf-_zKuM
O ilustre pianista Wilhelm Kempff transcreveu, assim como Busoni, vários corais de J.S.Bach.
Clique para ouvir, de Bach-Kempff, o coral “Despertai, a voz está a soar”, na interpretação de J.E.M.:
https://www.youtube.com/watch?v=0nQUzeqdu4s
A seguir interpretei duas das mais conhecidas transcrições de obras de Bach realizadas por Franz Liszt e Ferrucio Busoni. Dediquei um blog ao “Prelúdio e Fuga em lá menor”, na magnífica transcrição para piano de Franz Liszt (vide blog: “Em torno de uma transcrição”, 15/07/2022), composição que apresentei recentemente na Bélgica, Portugal e em nossas terras.
Clique para ouvir, de Bach-Liszt, o”Prelúdio e Fuga em lá menor”, na interpretação de Maria Yudina:
https://www.youtube.com/watch?v=puwboQ_zNNI
A “Toccata, Adagio e Fuga” de Bach, para órgão, recebeu, na transcrição de Ferrucio Busoni, uma extraordinária versão para piano. Apresentei apenas a “Toccata”.
Finalizei o Encontro com o célebre coral “Jesus, Alegria dos Homens”, na transcrição da insigne pianista Dame Myra Hess, que interpreta a consagrada peça.
Clique para ouvir, de Bach-Hess, o coral “Jesus, Alegria dos Homens”, na interpretação da Dame Myra Hess:
https://www.youtube.com/watch?v=SNDEbtllgMA
Gravações que realizei no Exterior de quatro das obras mencionadas podem ser acessadas no Youtube: os corais “Awake, the voice is sounding” e “Jesu, Joy of Man’s Desiring”, o “Organ Prelude in G minor” e o “Prelude & Fugue in A Minor”, original para órgão.
Em Março, homenagearemos relevantes compositores franceses, que enriqueceram o repertório para cravo, máxime no século XVIII, consagrado como o Siècle des Lumières, período extraordinário para a Cultura, a abranger as Artes, a Literatura, a Filosofia, a Música e as aspirações sociais. Regina e eu apresentaremos criações marcantes desse período magnificente na História da Humanidade, ela a interpretar François Couperin (1668-1733) e eu, Louis-Claude Daquin (1694-1772), Jean-François Dandrieu (1682-1738), mormente Jean-Philippe Rameau (1683-1764).
As promised, we held our first meeting under the aegis of music. The theme: “transcriptions of works by J.S. Bach for choir and organ”. From now on, Regina and I will periodically choose a theme for a private recital, always with my comments on the works presented.