Patrimônio Mundial da Humanidade
Toda a grande obra supõe um sacrifício;
e no próprio sacrifício se encontra a mais bela e a mais valiosa das recompensas.
Agostinho da Silva
(“Considerações”)
Neste segundo post a respeito do magnífico livro “Cinco Joias de Coimbra”, os capítulos finais se detêm sobre três outras joias que integram o ambiente singular de uma cidade que apresenta a Universidade de Coimbra como símbolo maior.
“O Órgão da Capela de São Miguel”, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra – A Casa Verde da Univers(c)idade”, “Museu Nacional de Machado de Castro – Da herança patrimonial aos desafios do futuro” completam a pormenorizada abordagem das joias conimbricenses em seus textos redigidos por respeitados especialistas: Paulo Bernardino, Ana Cristina Tavares e Maria de Lurdes Craveiro, respectivamente. Preciosa documentação iconográfica ilustra os ensaios.
Paulo Bernardino, organista titular da Capela de São Miguel, Paço das Escolas da Universidade de Coimbra, Especialista em Música Sacra e Doutorado em Direção (Coral e de Orquestra), assina sucinto e rico texto sobre o singular órgão da Capela de São Miguel da UC.
Uma primeira referência em Portugal sobre o instrumento órgão data de 1453. Uma das características do denominado órgão ibérico era a presença de um só teclado, apesar de não muitas outras diferenças em relação aos órgãos de outros centros europeus. Paulo Bernardino pormenoriza, com arguto conhecimento, as características evolutivas do órgão. Chama a atenção um dado relevante expresso por Bernardino: “Um dos desenvolvimentos mais significativos e idiossincráticos do órgão ibérico, datado da segunda metade do século XVII, consistiu na introdução de registros de palheta em tubos colocados horizontalmente na fachada do órgão, na posição dita de chamada”.
Bernardino insere conteúdo histórico de interesse: “A subida ao trono de D.João V, em 1706, correspondeu a uma profunda alteração na história da música portuguesa. No âmbito da sua ação política, este monarca impôs a importação dos modelos litúrgicos e musicais de Roma. Tal não deixou de ter consequências na própria organaria, levando a uma reaproximação da organaria portuguesa aos modelos musicais italianos, sem, contudo, perder o seu caráter”. A seguir, elenca os materiais constitutivos do magnífico órgão da Universidade de Coimbra.
Logo após, Paulo Bernardino tece comentário breve sobre a escolha do repertório adequado ao instrumento, mas a possibilitar outras opções. Entusiasta, almeja um destaque maior para o magnífico órgão da Capela de São Miguel e observa: “Na verdade, apesar da conjugação de muitas vontades e iniciativas – tanto internas como externas à universidade – o Órgão da Capela da Universidade, apesar de um ex libris da organaria ibérica a nível mundial, permanece um desconhecido para a cidade”. O Professor João Gouveia Monteiro, no prefácio das “Cinco Joias de Coimbra”, comenta: “É muito sedutora a hipóteses avançada, em 2004, pelo saudoso Doutor José Maria Pedrosa Cardoso (docente da Universidade de Coimbra), que sugere que pode muito bem ter sido Carlos Seixas (1704-1742) a estrear em (1738?) o ‘colossal instrumento’ na provável cerimônia pública de inauguração da preciosidade à guarda do arcanjo São Miguel”.
Clique para ouvir, de J.S.Bach, Prelúdio e Fuga em Sol Maior do 2º volume do Cravo bem Temperado, na interpretação de Paulo Bernardino, frente ao órgão da Capela de São Miguel da UC:
Prelúdio e Fuga em Sol M – 2.º Vol. do Cravo Bem Temperado – J. S. Bach (youtube.com)
Ana Cristina Tavares assina a contribuição “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra – A Casa Verde da Univers(c)idade”. Entre outras titulações, a Professora é Doutora em Biologias (Fisiologia das plantas) pelo Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra. Foi Diretora-Adjunta do Jardim Botânico de Coimbra (2019-2021).
As palavras do ilustre prefaciador, Professor João Gouveia Monteiro, servem de peristilo ao ensaio de Ana Cristina Tavares: “Numa palavra, é um lugar de sonho, situado no coração da Alta coimbrã e com nada menos de treze hectares de área, dos quais nove correspondem ao arboreto da mata e os restantes aos socalcos do jardim clássico”. Lá estive, quanta verdade nas palavras de Gouveia Monteiro!
A autora define a missão do JBUC: “Cumprindo o objetivo da sua fundação no séc. XVIII, o de proporcionar aos alunos da disciplina de História Natural o conhecimento prático e direto, em contexto natural, das plantas aromáticas e medicinais (Henriques 1876), o JBUC mantém a preocupação da interpretação do espaço e a ligação à docência e à investigação in situ”.
Ana Cristina Tavares narra a rica história da JBUC e aprende-se a presença de figuras decisivas no transcorrer. Assinatura do Marquês de Pombal (1699-1782) nos Estatutos da Universidade, a resultar no consequente “Horto Botânico” aos 28 de Agosto de 1772; a nomeação do primeiro diretor, o notável naturalista italiano Domenico Vandelli (1735-1816), no mesmo ano. O pleno didatismo da Autora faz-nos conhecer as personalidades que marcaram a história da JBUC, que há pouco comemorou os 250 anos, as muitas coleções de espécies de árvores e plantas – só nas estufas tem-se 1500 espécies diferentes!
Escreve Ana Cristina Tavares sobre a riqueza que se descortina ao se visitar o Jardim Botânico: “Ao percorrer o JBUC sentimos um ambiente marcante e diferenciado, quer pelas duas áreas distintas, o jardim clássico e o arboreto, quer pela variedade das coleções, algumas nativas e a grande maioria delas exóticas, fruto do propósito da sua fundação. As plantas, cultivadas no exterior e/ou em viveiros e estufas, muitas delas caducifólias (isto é, de folha caduca) e por isso nem sempre visíveis no seu máximo esplendor, conferem pluralidade ao Jardim, sempre rico e diferente em cada mês”.
De alto significado o subcapítulo “A Educação no Jardim: veículo de interpretação e de conhecimento”, no qual a rica diversidade do JBUC enseja um debruçamento pleno nos programas educacionais afins.
A leitura do capítulo em pauta leva o leitor à certeza de que, sem uma relação amorosa com a área escolhida, lacunas se apresentam. Ana Cristina Tavares possui esse dom imanente, o de afeto com o todo do JBUC.
O último capítulo, “Museu Nacional de Machado de Castro – Da herança patrimonial aos desafios do futuro”, tem a autoria de Maria de Lurdes Craveiro, Professora Associada com Agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Investigadora de Centros de Estudos da UC e Diretora do Museu Nacional de Machado de Castro.
Acresça-se que desde 2019 o MNMC integra a lista do patrimônio de Coimbra classificado pela UNESCO.
Preliminarmente, o estudo da Professora Maria de Lurdes Craveiro poderia bem integrar uma Aula Magna, mercê do imenso levantamento histórico e da inserção do acervo do MNMC. Mencionar o introito do texto abrangente se faz necessário: “Fundado em 1911 e tendo aberto ao público em 1913, o MNMC herdou as estruturas edificadas do Paço Episcopal e do antigo criptopórtico romano de Aeminium; foi sobre elas que se viria a implantar todo o seu percurso nobilitado, que se compreende, em simultâneo, pela grandeza do assentamento, pelo diálogo constante com o território de poder envolvente e pela natureza específica das suas coleções”
Nos significativos subcapítulos, a Autora remonta ao século I e “Mais do que uma História Milenar” conduz o leitor “à construção do fórum romano em que a cidade de Aeminium assentou a sua autoridade religiosa, social, econômica, política e administrativa”.
A seguir, Maria de Lurdes Craveiro pormenoriza cada etapa histórica do espaço, mencionando resultados e a série de personagens, tantos notáveis, até chegar ao “O século XX e a musealização do espaço”, quando da fundação do MNMC. Reparações profundas foram feitas, máxime a do arquiteto Gonçalo Byrne (1999), mercê de deterioramentos acentuados. A importância de MNMC atraiu peças importantes provenientes de outros edifícios históricos que foram incorporadas ao seu precioso acervo, a resultar na honrosa classificação em 2019, doravante Patrimônio Mundial.
Ao dedicar um subcapítulo aos “Diretores”, a Autora rende justo tributo às figuras que conduziram o MNMC ao pleno reconhecimento internacional.
Um último e precioso subcapítulo se estende às “Coleções”. Impõem-se pela grandeza e qualidade artística. Escultura em barro cozido, escultura em madeira, ourivesaria, pintura, desenho, cerâmica e têxteis. Determinadas obras-primas do MNMC, fotografadas por Maria de Lurdes Craveiro, dão uma ideia da grandiosidade do acervo.
Demonstrando o essencial para que uma produtiva ação diretiva realize intentos, a Autora insere nas conclusões: “Cumprindo a sua vocação centenária, o que o Museu Nacional de Machado de Castro suscita é, assim, mais ciência, mais investigação, mais meios técnicos e humanos, mais articulação comunitária e institucional (nacional e internacional), mais na construção dos afetos exteriores”.
“Cinco Joias de Coimbra” não é apenas um livro grande, mas um grande livro. Impecável coordenação do Professor Catedrático João Gouveia Monteiro e da investigadora Maria Leonor Cruz Pontes, tendo a preciosa colaboração da Associação RUAS.
Aos 3 de Novembro de 2012 apresentei um recital no Museu de Machado de Castro com obras de Francisco de Lacerda (1869-1934) e de dois relevantes compositores que criaram obras em homenagem ao notável músico açoriano, François Servenière (1961-) e Eurico Carrapatoso (1962-), por ocasião do meu primeiro livro publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra, “Impressões sobre a Música Portuguesa”.
Clique para ouvir, do extraordinário compositor conimbricense Carlos Seixas, Sonata nº68 em lá menor, na interpretação de J.E.M.
Carlos Seixas – Sonata nº 68 in A minor – José Eduardo Martins – piano (youtube.com)
Three other chapters conclude the substantial book “Five Jewels of Coimbra”. Signed by renowned experts, it is a must-read for those who wish to learn more about the riches that emanate from the University of Coimbra, founded in 1290.
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