Textos e falas e o descaso com os preceitos consagrados

Escrevendo ou lendo nos unimos para além do tempo e do espaço,
a riqueza dos outros nos enriquece a nós. Leia.
Agostinho da Silva (1906-1994)
(“Noticias”)

Assiste-se de maneira progressiva, sem que um contraponto significativo exista, à vulgarização da língua portuguesa nos meios de comunicação de forma geral. Reiteradas vezes mencionei o triste fato, que vem acompanhado de outras deteriorações, como as concernentes à moral e aos costumes. A grande maioria da nova geração, não tendo referências literárias mínimas, está sujeita às distorções, mercê do declínio do ensino, do básico ao universitário (vide blog “O desmonte voluntário da língua portuguesa”, 26/05/2016).

O declínio fulminante das tiragens dos diários impressos é sensível, mercê, entre tantos outros motivos, do avanço da internet. Sob outra égide, é de pasmar a quantidade de gralhas, sem a menor revisão, assolando alguns dos nossos sites principais. Como consequência dessa ausência da atenção criteriosa, os espaços referentes às opiniões de leitores refletem majoritariamente, em grau ainda maior, salvo raríssimas exceções, o absoluto descuido quanto à nossa língua mater. O que se apresenta preocupante é saber que muitos dos que redigem noticiários saíram dos bancos universitários, o que, em tese, deveria ser uma garantia do bom trato linguístico. Estou a me lembrar de que, na década de 1980, um dos principais jornais de São Paulo mantinha um revisor que percorria a madrugada a fim de que a publicação matinal não tivesse erros de sintaxe, virgulação e acentuação nos muitos artigos e comentários. Confessou-me esse revisor que uma só falha era considerada algo grave. Independentemente desse rigor, o jornal mantinha um Suplemento de Cultura hebdomadário que abordava os mais variados temas voltados à vasta área cultural. Artigos originais, resenhas de livros significativos e as Artes como um todo faziam parte desse Suplemento, que feneceria décadas após o nascimento.

Em blog bem anterior comentei uma contaminação que se alastrou e está se tornando a cada dia mais frequente entre apresentadores ou jornalistas bem jovens ou na juventude da idade madura: a frequência crescente do “né” ao invés de “não é”, do “tá” e não do “está”, e de tantas outras abreviações que poderiam ser evitadas. Há não muito tempo realizei por curiosidade uma contagem do “né” pronunciado por um dos mais conhecidos apresentadores da nossa TV. Em um comentário de aproximadamente três minutos, por 21 vezes repetiu o “né”.  A repetição insistente, sem sequer a observação de um revisor nas várias empresas de comunicação, evidencia um descuido que poderia facilmente ser sanado. Décadas atrás era comum canais televisivos insistirem em chamadas especiais junto aos telespectadores proclamando a existência de um ombudsman, figura que considerava não apenas o trato da língua, como o seu conteúdo. Havia inclusive canal aberto para o contato do telespectador com o especialista. Vários vícios de linguagem poderiam ser eliminados. Uma visita aos noticiários da TV de Portugal poderia bem servir de exemplo.

Afigura-se trágica a situação atual da leitura em nosso país. Independentemente da qualidade dos textos, pesquisa recente da “Retratos da Leitura no Brasil” (6ª edição) aponta para o progressivo distanciamento do cidadão no que concerne à leitura de livros. Levantamento que teve origem em 2007 evidencia que, no Brasil, a proporção dos não-leitores ultrapassou a dos que leem. Em apenas um lustro tivemos a diminuição de 7 milhões de leitores! Antolha-se-me como peristilo da tragédia, pois atinge toda a sociedade.

Mergulhados nas geringonças da internet, o empobrecimento cultural se acentua. O avanço tecnológico, se benfazejo em tantos aspectos, inclusive no que tange aos celulares, acentuou o descuido para com a língua mãe, descartou o conhecimento aprofundado, minimizou a Cultura como um todo, popularizou o efêmero, que cresce como erva daninha na medida em que quantidade de informações chega às telinhas. E todo o mal está feito.

The decline of our language, inherited from Portugal, is increasing. Not just on the streets, but in many other spheres, including the written and spoken media. Unfortunately, the country is experiencing a reading hecatomb and the number of non-readers has exceeded the number of readers.