Mensagem que me levou à releitura precisa
Não faço versos por vaidade literária.
Faço-os pela mesma razão que o pinheiro faz resina,
a pereira, peras e a macieira, maçãs:
é uma simples fatalidade orgânica.
Os meus livros imprimo-os para o público,
mas escrevo-os para mim.
Guerra Junqueiro (1887)
Bastaram umas palavras de Flávio Amoreira, poeta, escritor e crítico literário, para que o grande poeta português aflorasse em minha mente. Escreveu-me generosamente: “aos sábados faz anos alguns rituais do saber: ler os textos de José Eduardo e reler algum poema de Guerra Junqueiro, poeta de nossa estima imorredoura!”.
A minha admiração incondicional pelo mestre nascido em Freixo de Espada à Cinta, Ligares, vem da infância, pois Guerra Junqueiro foi um dos poetas eleitos de meu Pai, que sabia de memória vários poemas do autor, inclusive um que lhe era caríssimo, “O Melro”.
No longínquo 2010 (03/07) resenhei “A Música de Junqueiro”, livro coordenado pelo professor Manuel S. Pereira da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, em que uma frase de Guerra Junqueiro marcou-me: “A música é poesia incorpórea”. Conscientemente ou não, desde os tempos juvenis os versos de Guerra Junqueiro soavam aos meus ouvidos como sonoridades. Tardiamente, essa constatação era ratificada nas palavras do escritor, ensaísta e professor de filosofia em Portugal, Miguel Real: “A liturgia que a arte exige procede por aproximações, cada uma mais amorosa que a anterior. Primeiro, ler os poemas de Junqueiro em silêncio como antecâmara de um gozo celestial; depois, lê-los em voz alta, como momento de possessão carnal do poema a entranhar-se em nós; em terceiro lugar, quando o poema já é nosso, libertá-lo, escutando-o musicado, de olhos fechados, integrando-o no nosso mapa espiritual, isto é, na nossa mente; finalmente, nosso que é, fixo no corpo e no pensamento, deixamo-lo emergir na memória – damos por nós a cantá-lo, involuntariamente, a propósito de tudo e de nada”. Em outro post (03/08/2014) sobre Guerra Junqueiro abordei o importante prefácio à segunda edição de “A Velhice do Padre Eterno” (1887).
Três obras me foram caras e permanecem entre meus livros do gênero: “A Velhice do Padre Eterno” (1885), “Os Simples” (1892) e “Pátria” (1896). Alguns versos, guardo-os na memória desde os anos 1950, mercê certamente da influência paterna.
“A velhice do Padre Eterno”, contendo forte dose crítica à Igreja, aos dogmas e aos ritos do catolicismo, é um conjunto exemplar da poesia de Guerra Junqueiro. Bem tardiamente se arrependeria de tê-lo escrito, pois se reconcilia com a religião e tece críticas àquela que é considerada uma das obras primas da poesia portuguesa. Escreveria em “Prosas Dispersas” (1921): “Eu tenho sido, devo declará-lo, muito injusto com a Igreja. ‘A Velhice do Padre Eterno’ é um livro da mocidade. Não o escreveria já aos quarenta anos. Animou-me e ditou-me o meu espírito cristão, mas cheio ainda de um racionalismo desvairado, um racionalismo de ignorância, estreito e superficial”. No peristilo da morte, Guerra Junqueiro professaria o catolicismo e a um seu pedido o funeral foi cristão. Dois outros notáveis escritores igualmente em determinado momento da existência se converteram: Vitorino Nemésio, nascido nos Açores (1901-1978), autor de “Mau Tempo no Canal”, obra-prima, e Paul Claudel (1868-1955), poeta, dramaturgo e diplomata francês, ateu, e cuja conversão se deu ao ouvir o coro da Catedral de Notre Dame de Paris.
A releitura atual de alguns poemas de Guerra Junqueiro, “poeta de nossa estima imorredoura”, como bem afirma Flávio Amoreira, ratificou meu apreço pelo autor de “A Velhice do Padre Eterno”. Impele-me a sugerir aos leitores a visita à obra literária do imenso poeta, que prima por um trato singular e “musical” da nossa língua mãe.
A message from a friend mentioning the Portuguese poet Guerra Junqueiro made me revisit his book ‘A Velhice do Padre Eterno’, one that has been among my favorites since adolescence.
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