Indispensável no repertório dos pianistas
Eu diria que esta obra é a minha melhor obra,
mas sei que é sempre isso que se diz da última…
Robert Schumann sobre os “Estudos Sinfônicos” (1834)
Fui surpreendido pelas mensagens relativas à Valsa, tema do post anterior, como gênero praticado pelos compositores nesses últimos dois séculos. Mais surpreso ainda pelas indicações voltadas às outras formas musicais amplamente praticadas pelos compositores que ungiram o cravo e, posteriormente, o piano. Estimularam-me a explanar a temática, periodicamente, no espaço que reservo ao blog. Mencionado por quatro leitores, veio-me o propósito de escrever sobre o Estudo, presente várias vezes sob égide outra ao longo dos mais de 18 anos de blogs ininterruptos. Compositores que tiveram intimidade com o piano, máxime os que eram pianistas ou privaram de um bom contato com o instrumento, escreveram Estudos a partir das fronteiras dos séculos XVIII-XIX. Serão dois posts, um sobre os Estudos que grassaram durante o longo período romântico e continuaram o percurso e outro a respeito das criações dessas últimas décadas.
Os Estudos diferenciam-se dos Exercícios para o instrumento, estes preparatórios para voos maiores. Daqueles decênios fronteiriços entre os séculos XVIII-XIX, salientem-se Muzio Clementi (1752-1832), autor do importantíssimo “Gradus ad Parnassum”, Johann Baptist Cramer (1771-1858), Carl Czerny (1791-1857) e seus numerosos cadernos e métodos de Exercícios e Estudos, basilares do aprendizado ao aperfeiçoamento mais amplo, assim como Ignaz Moscheles (1794-1870) e seus Estudos muito funcionais.
Vários grandes mestres dos instrumentos pianoforte e piano, este último já em plena evolução nas primeiras décadas do século XIX, compuseram abundantemente para o instrumento. De importância fulcral essa evolução do piano, a propiciar a adaptação dos compositores aos instrumentos in progress. Ludwig van Beethoven (1970-1827), nas suas 32 Sonatas, segue essa trajetória do instrumento e, à medida que o número de teclas aumenta, ele acompanha essa extensão do teclado. A Sonata “Hammerklavier” nº 29, op. 106 (1817-1818) atende aos avanços nesse quesito. O compositor e regente Pierre Boulez (1925-2016) comenta: “Considerando-se o piano como exemplo, foi a indústria do aço que permitiu a fabricação do piano moderno, o que significou um instrumento com a tensão de cordas maiores, com uma tábua harmônica mais forte, capaz de resistir a essa tensão. Resultou que a sonoridade se ampliou, as salas de concerto se tornaram maiores, tendo sido pois a tecnologia industrial a responsável pela evolução de instrumentos como o piano” (Pierre Boulez ofereceu palestra na Universidade de São Paulo, a meu convite, em 23/10/1996 (Revista Música, vol.7 – n. ½, 1996, Dep. Música, ECA,USP).
No blog anterior comentei a iniciativa de Franz Liszt (1811-1886) quanto ao recital de piano no âmbito aristocrático. A constatação fez com que mais acentuadamente os compositores se dedicassem ao Estudo para piano, uma das tantas formas do período, graças também à evolução do instrumento. Frédérick Chopin (1810-1849) e Liszt comporiam Estudos com propostas ousadas quanto à execução dos mesmos e, nesse quesito, mercê de pianos mais robustos, processos da técnica pianística foram incorporados à escrita e tantos deles nos limites do virtuosismo, para gáudio das gerações de pianistas ao longo do tempo. Em blog recente abordei os Estudos do compositor Charles-Valentin Alkan (1813-1888), que compôs Estudos de ampla dificuldade (vide blog “A alta virtuosidade em pauta”, 10/05/2025).
Quatro compositores, Fréderic Chopin (1810-1849), Franz Liszt (1810-1886), Alexandre Scriabine (1872-1915) e Serguei Rachmaninov (1872-1943), e seus extraordinários Estudos para piano foram, ao longo das décadas, escolhidos pelas organizações de vários grandes Concursos Internacionais de piano durante as primeiras provas. No Concurso Tchaikovsky em Moscou, um dos mais importantes do mundo, o candidato tinha como peças obrigatórias, na 1ª prova, um Estudo de cada um dos compositores mencionados, à livre escolha do concorrente. Tive o privilégio de competir na segunda edição do Concurso, em 1962.
Chopin compôs 24 Estudos divididos em dois cadernos, 12 op. 10 e 12 op. 25, e mais “Três Estudos compostos para o Método dos Métodos de Moscheles e Fétis” (F.J.Fétis, musicólogo e compositor belga, 1784-1871). Os 24 Estudos de Chopin continuam a ser dos mais tocados e gravados.
Clique para ouvir, de Chopin, Estudo op. 25 nº 6, na interpretação de Vladimir Ashkenazy:
https://www.youtube.com/channel/UCeLZmV6xQqHvAWQ9vXgIZNg
Clique para ouvir, de Chopin, Estudo op. 10 nº 12 “Revolucionário”, na interpretação de Nelson Freire:
https://www.youtube.com/watch?v=w1MFQS0kjy4
Franz Liszt concebe, entre 1826 a 1852, três versões dos seus “12 Estudos Transcendentais”, sendo que a terceira versão é a mais festejada pelos pianistas, que continuam a cultuá-la intensamente. À edição de 1852 houve palavra acrescida, “Estudos de Execução Transcendental”. Esses Estudos foram dedicados ao seu mestre Carl Czerny, mencionado acima.
Clique para ouvir, de Liszt, o Estudo Transcendental, nº 4, “Mazeppa”, na interpretação de Gÿorgy Cziffra.
https://www.youtube.com/watch?v=9xHBY-duRj4&t=30s
Sob outra perspectiva, Robert Schumann (1810-1856) compõe os consagrados “Estudos Sinfônicos”, a serem interpretados sem interrupção. Após a exposição de um tema, tem-se 12 Estudos sequenciais e apenas dois dentre esses não se apresentam como variações. Cinco outras variações póstumas, não como Estudos, foram incorporadas à edição.
Os 26 Estudos de Alexandre Scriabine percorrem fases distintas do compositor. De um primeiro, composto aos 15 anos, aos três últimos op. 65 criados em 1912, pouco antes da morte aos 43 anos, o compositor atravessou do romantismo exacerbado da juventude a uma escrita anunciadora das novas tendências que surgiam nas primeiras décadas do século XX.
Clique para ouvir, de Alexandre Scriabine, Estudo “Patético”, op. 8 nº 12, na interpretação de J.E.M.:
https://www.youtube.com/watch?v=6H_T5I4BYn0&t=5s
Os “Études Tableaux”, de Sergei Rachmaninov, continuam a ser cultuados em recitais, havendo igualmente um número expressivo de gravações. Rachmaninov, sem ter sido um inovador como Scriabine, cultuou o romantismo com intensidade. Seus 4 Concertos e a “Rapsódia sobre um tema de Paganini”, obras para piano e orquestra, sempre tiveram a mais ampla aceitação por parte do público no mundo inteiro, e os seus 17 Estudos divididos, op.33 e op.39, continuam a ser intensamente frequentados por número expressivo de pianistas.
Clique para ouvir, de Sergei Rachmaninov, “Étude Tableau”, op. 39 nº 5, na interpretação de Emil Gilels:
https://www.youtube.com/watch?v=hTIY5Ni2t8s&t=4s
Claude Debussy (1862-1918) compôs 12 Estudos para piano em 1915. Entendo serem os Estudos sua obra maior para piano, entre tantas outras magníficas, como os dois cadernos de “Images” e os dois livros de “Préludes”. Dedica-os a Chopin, pois acabara de fazer a revisão dos 27 Estudos de Chopin no período da criação dos 12 Estudos. Já acometido de um câncer, escreve ao seu amigo Robert Godet: “escrevi como um louco ou como aquele que deve morrer no dia seguinte”.
Clique para ouvir, de Claude Debussy, “Étude pour les huit doigts”, na interpretação de J.E.M.:
https://www.youtube.com/watch?v=D85tz0ibqRk&t=61s
Tendo, durante 70 anos, me dedicado à atividade pianística pública e interpretado Estudos fundamentais para todo pianista, gravei ao longo as integrais dos Estudos de Alexandre Scriabine (1872-1915) e Claude Debussy (1862-1918) para o selo belga De Rode Pomp, assim como também inúmeros Estudos contemporâneos. Dedicarei o próximo blog à criação dessas últimas décadas.
Over the years, in specific posts I have addressed piano études in order to analyze the distinctive style of certain composers. I am responding to four readers who suggested that I write about études in history. I will briefly address the topic and include six notable compositions focused on piano études.