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Quando interesses ignoram o passado e desprezam o futuro

On mène toute sa vie pour construire sa maison.
Dunoyer de Ségonzac, pintor (1884-1974)

“São Paulo precisa parar de crescer”. Essa célebre frase, proferida pelo engenheiro e político José Carlos de Figueiredo Ferraz (prefeito de São Paulo entre 1971-1973), contrastaria com outra de 1940, bem festeira: “São Paulo não pode parar”.

A verticalização da cidade tem sido avassaladora nesses últimos decênios. Atesta a assertiva a diminuição progressiva das construções horizontais que, em determinados bairros, já não mais acontece, pelo contrário, rapidamente desabam frente à investida das incorporadoras.

Entende-se que a construção civil emprega legião de trabalhadores em todas as maiores cidades do país. Essa realidade, se benfazeja, a propiciar um alento frente ao desemprego na área específica, não atenta aos problemas nunca devidamente enfrentados pelos sucessivos governos, como mobilidade urbana, saneamento básico, segurança e tantos outros. Avassaladoramente destrói-se o passado e resquícios existem para sofrivelmente testemunharem que São Paulo teve uma história. Se o Convento da Luz (século XVIII) e umas poucas igrejas antigas do centro histórico conseguiram atravessar mais de dois séculos, os casarões da Avenida Paulista, construídos nas fronteiras dos séculos XIX-XX, desapareceram, restando tristes mansões perdidas num emaranhado de prédios rigorosamente desiguais, calçadas sujas, frequentação imensa de todas as classes sociais, onde não falta legião de punguistas.

A disputa das incorporadoras por espaços em São Paulo e o boom imobiliário que se acentua fizeram desaparecer nosso minguado passado. Saudosista certamente, estou a me lembrar da Avenida Paulista entre os anos 1954-1955, período em que estudei à noite no Liceu Eduardo Prado, que ficava na esquina da Paulista com a rua Pamplona. As aulas findavam às 23:45 e tranquilamente ia a pé até a frente do Instituto Pasteur, a fim de pegar o bonde. Belíssima avenida com suas frondosas árvores e sem a menor possibilidade de, ainda bem jovem, ser importunado por meliantes.

A razão deste post fora das temáticas que abordo advém da atual derrubada sistemática e devastadora de alguns bairros que mantinham certa tradição de um passado recente. No que tange aquela que, com prazer, denominava neste espaço como sendo minha cidade-bairro, Brooklin-Campo Belo, que se desenvolveu basicamente desde as primeiras décadas do século XX, um verdadeiro “tsunami” se processa.  Lembro que no Brooklin-Campo Belo houve forte influência germânica em tantas dessas antigas casas.

Como observador, de minha janela verifico que moradas com as quais convivi durante 58 anos, conhecendo sucessivas gerações de moradores, desapareceram repentinamente. Gigantescas retroescavadeiras em um ou dois dias colocaram abaixo imóveis que levaram meses, por vezes anos, para serem construídos. Fazem-me lembrar grandes dinossauros pelo tamanho e ruídos estrondosos. Em poucas semanas, todo o entorno, que corresponde a três quadras inteiras, foi destruído e a montagem de aparatosos estandes de vendas se processa.

O “…parar de crescer” vaticinado pelo alcaide com olhar para o futuro não é sequer imaginado pelas incorporadoras. Não há a menor intenção por parte desses grandes empresários de se pensar nas gerações futuras numa cidade como São Paulo. Importa o lucro e, tão logo financiamentos aprovados e concluída a construção, determinado prédio foi apenas… mais um. A realidade brasileira, mergulhada num lamaçal de corrupção, sem punição exemplar pelo judiciário, provoca incertezas. Incontáveis financiamentos poderão, a médio prazo, deparar-se com a insolvência dos esperançosos compradores. Exemplos recentes acima do equador não estão servindo como alerta do que poderá ocorrer; 2008 não foi esquecido. Alguns economistas atentos já apontam para impasses futuros.

Quando pensamos em cidades como Paris, cujos prédios do centro urbano podem sofrer reformas, sem ultrapassar, contudo, a altura de seis ou sete andares, ficando as grandes edificações restritas à periferia, tem-se um exemplo sensível. Contrasta o prédio da Tour Montparnasse, considerado um monstrengo pelos parisienses mais conservadores. Incontáveis cidades europeias preservam a organização urbana. Incontáveis.  Não obstante, estamos a escrever sobre cidades planejadas e com meios de transporte de excelência, frise-se, e com organização social disciplinada, fundamentos essenciais inexistentes em São Paulo. Estou a me lembrar da primeira visita do notável musicólogo francês François Lesure a São Paulo. Fui buscá-lo no aeroporto e, no trajeto até um hotel na Rua Augusta, mostrou-se confuso com a desorganização urbanística da cidade, pois, independentemente das moradias à beira da rodovia, chamou a atenção do musicólogo a falta de padronização dos médios e grandes edifícios.

A drástica crise de água, que se acentua anualmente, terá certamente um trágico desfecho, a corroborar a célebre frase de Figueiredo Ferraz. Está-se a captar água para São Paulo de regiões sempre mais distantes. Até quando? Sob outra égide, os rios que atravessam São Paulo constituem verdadeiros depósitos de lixo, sendo que o Pinheiros atravessa parte essencial de zona denominada “nobre” da cidade. Adensar de maneira voraz a população urbana através da verticalização poderá trazer consequências dramáticas.

Moramos na mesma casa há 58 anos e aguardamos. Estudos estão sendo feitos para que o entorno de nossa morada entre num projeto em andamento, mas a aguardar a regularização de documentos de uma das moradias. Quando finalizadas as conversações com a maioria e acertadas as condições, nada poderemos fazer, sob o risco de ficarmos em uma ilhota cercada dos lados e pelos fundos por edifícios. Aceitar a realidade, hélas. Pressionado pelo “progresso”, a sensação que nos assola é a da palavra diáspora, interpretativa, pois pode muito bem ser aplicada ao movimento “expulsório” que já determinou a mudança de centenas de moradores de minha “ex” cidade-bairro, Brooklin-Campo Belo, espaço que me é ainda tão caro, mas que se esvai entre os dedos a dar lugar aos espigões. Após mais de meio século na mesma morada, entendo bem as palavras do notável arquiteto Le Courbusier (1687-1965): “O lar é o templo da família”. Quantos não tiveram, sem vontade alguma, de buscar a reestrutura?

Nesses últimos anos, recebemos pelo menos uma vez por semana ligações de incorporadoras. Uma delas inclusive, sem pudor algum e sem que com ela tivéssemos qualquer prévio relacionamento, enviou, aos meus vizinhos e a mim, carta com nossos CPFs, fixando preço a ser pago e com os nossos nomes para as assinaturas sacramentais!!! Essa atitude não é rara e indica uma sanha inominável.

Já não mais acredito na possibilidade de uma solução urbanística para São Paulo, apesar de especialistas renomados da área acreditarem. Há não muito tempo, reportagem em um dos portais da internet sobre prédios luxuosíssimos na região do Morumbi evidenciava que o crescimento de Paraisópolis fez decrescer sensivelmente os preços de apartamentos da região fronteiriça à comunidade. Um morador confessava que se sentia enclausurado em seu luxuoso apartamento, que estava à venda muitíssimo abaixo do real valor.

Sob outro aspecto, a proliferação de prédios está a extinguir os serviços básicos que mantêm a pulsação de uma cidade. Desaparecem as pequenas e diversificadas oficinas, os cafés, padarias e outros serviços que atendiam muito bem seus frequentadores. A verticalização acelerada faz com que muitas vezes moradores tenham de se utilizar de seus veículos para o deslocamento aos supermercados, shoppings, etc. Está a se perder esse intercâmbio social.

Meu prezado amigo Flamínio Fichmann, arquiteto, urbanista e consultor de mobilidade urbana, afirma em entrevista ao jornal “a Quadra” (Agosto/Setembro 2021), que aborda temas complexos sobre adensamento construtivo e populacional, assim como meios urbanos de transporte: “o trânsito certamente será afetado. Quando fazemos essas análises, não consideramos apenas os moradores, mas também os prestadores de serviços, empregados domésticos, carga e descarga, embarque e desembarque… Então são polos de geração de viagens que produzem um volume de tráfego muito maior do que simplesmente a população e os pequenos comércios que habitam esses locais.”

Meu também distinto amigo Philip Yang, urbanista e fundador do Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole – Urbem, entrevistado para o mesmo jornal “a Quadra”, tem uma visão otimista quanto à verticalização: “Um mix de diferentes produtos imobiliários – em empreendimentos que aproximam espaços de trabalho, moradia, serviços e entretenimento – certamente abre mais oportunidades para as pessoas concentrarem sua vida em seus próprios bairros”. Continuando, considera que “Infelizmente, hoje o público tem em geral uma opinião negativa em relação à verticalização, pois a associa unicamente a mais trânsito e aglomeração. Mas há muito mais benefícios que prejuízos quando a verticalização acontece dentro de um processo de desenvolvimento urbano em que a infraestrutura geral – de transporte, comunicações e saneamento – avança junto com a construção de prédios”.

Em conversa com Philip Yang, após texto esboçado, colhi dados do dileto amigo, transmitindo-os ao leitor: “Um dado alarmante da urbanização é o fato de que em 2030 a mancha urbana terá triplicado de tamanho. Ou seja, entre 2001 e 2030 nós produzimos mais cidades do que em 10 mil anos, do Neolítico até o ano 2000. São dados da geógrafa Karen Seto, que diz que o espraiamento (o não-adensamento) tem consequências ambientais dramáticas”. Prossegue: “Gosto sempre também de dizer que a cidade projeta no território aquilo que somos e o que queremos ser coletivamente. Se construímos uma cidade ruim é porque, como coletividade, somos ruins também. Precisamos tratar de construir algo melhor…”. Sobre a memória, considera: “A memória é fundamental para uma coletividade, pois é o que nos faz crer que temos um passado e um futuro comum. Sem esse sentimento, não há sociedade; a memória é o elo que nos liga do passado ao futuro como cidade e nação, como um grupo coeso. Dentro de tantos dilemas que temos como sociedade, a preservação da memória é algo inegociável.

Reitero minha posição de observador e acredito que o restante da hoje pobre memória construtiva da cidade está a ser destruído com voracidade, pois bairros residenciais estão vindo abaixo numa velocidade inédita, mormente, no caso, a região do Brooklin-Campo Belo. Sem entrarmos no mérito artístico desses resquícios, sucessivos governos de tendências diversas não atentam para o problema de determinadas preservações. Recentes museus arderam e o do Ipiranga tem reforma que se prolonga há anos de maneira inverossímil!!!

Se meios de transporte rápidos e condignos existissem, amparados por segurança, grandes edificações poderiam ser erguidas em espaços ainda disponíveis no entorno da cidade. Alphaville foi uma das alternativas; mas, sem meios condizentes de transporte público, tem problemas viários sérios. Todavia, é mais simples destruir o que resta de São Paulo com a anuência sucessiva de nossas autoridades. Temo pelas gerações futuras.

The verticalization of the city of São Paulo is accelerating rapidly, especially in certain neighborhoods. In the 1970s, the Mayor Figueiredo Ferraz already pointed out that “São Paulo should stop growing”. If future governments fail to develop comprehensive plans for the use of space, accompanied by high-quality public services, insoluble problems may arise from this uncontrollable growth.

 

 

Nossos maiores cientistas opinam: Vacina e Máscara

Coordene, isole, impeça o fluxo e vacine.
Miguel Nicolelis
Médico e cientista brasileiro de renome mundial
(entrevista ao UOL, 18/03/2021)

Regina e eu aguardávamos pacientemente a segunda dose da vacina Oxford AstraZeneca. Desde Março de 2020 temos mantido cuidados necessários, quais sejam, porte de máscaras e álcool gel. Evitamos reuniões e visitas nesse longo período. Regina, totalmente confinada, só sai de casa para consultas regulares e eu para compras de abastecimentos ou para as duas solitárias corridas semanais de 8 e 10k pelas ruas de minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo.

A segunda dose não excluirá os cuidados que continuaremos a ter. Pouco sabemos sobre o Covid-19, mas, em uma entrevista dada a um importante jornal inglês, um dos responsáveis pela vacina Oxford AstraZeneca comentou que há dois tipos de vacinas, a inoculada em nossos braços e a máscara. Presentemente, utilizamos quando necessário, duas proteções nasobucais.

Em termos brasileiros, os maiores nomes entre médicos, infectologistas e cientistas têm apregoado com insistência sobre a necessidade da vacinação, que, apesar de problemas quanto à disponibilidade dos imunizantes distribuídos no país, já ultrapassou 65.000.000 de doses aplicadas, considerando-se a primeira dose (20,75%) e a segunda dose (10,22%) da população vacinada, sendo que 43.936.007 já receberam ao menos uma dose (27/05/2021). É mundialmente conhecida a capacidade brasileira no campo da vacinação.

Infelizmente, não apenas parte considerável da juventude, mas igualmente adultos em plena maturidade têm insistido em aglomerar-se em festividades, baladas, praias e outras reuniões coletivas. Não temos minimamente a disciplina dos povos do Extremo Oriente e a responsabilidade em relação ao outro parece ser uma quimera para irresponsáveis em nosso país. Educação e civilidade continuam distantes de parte de nosso povo, mercê do descaso de nossos governantes. Quanto à pandemia, o presidente se mostra negacionista convicto e alheio à tragédia; o ex-presidente, oportunista convicto, denigre o Brasil em entrevistas à mídia internacional a prejudicar sensivelmente nossas relações econômicas com o Exterior. É de se lamentar ambas as atitudes.

Os grandes laboratórios produtores da vacina contra o covid-19 estão a obter lucros extraordinários com aquelas ora à disposição. Faz-me pensar em dois fatos que considero relevantes. Décadas atrás, ao visitar com um amigo um dos mais importantes laboratórios do mundo, chamou-me a atenção um monumental painel instalado no saguão, a apresentar os objetivos essenciais da empresa. Após a série de auto louvações de seus objetivos, uma última atingia o fulcro, pois rezava que a finalidade fundamental era o acionista. Sob outra configuração, no meio da pandemia um dos maiores empresários do país observou que é nesses momentos que estão as maiores oportunidades, enquanto a mídia divulgou há pouco tempo que algumas das maiores fortunas do planeta duplicaram ou triplicaram nesses trágicos tempos. Essas posturas, sem quaisquer princípios éticos e morais, evidenciam que estamos distantes de um mínimo de racionalidade.

É alvissareira a posição de mais de uma centena de países propondo a quebra de patentes dos imunizantes durante esse sombrio período. Oxalá essas patentes sejam quebradas.

No último dia 24 lá estávamos para receber a segunda dose da AstraZeneca na UBS Max Perlman na Vila Nova Conceição. Bem organizada, o atendimento foi rápido.

Fato realmente preocupante está a acontecer, pois milhares de pessoas estão deixando de tomar a segunda dose. Urge por parte do governo estadual divulgar mais acentuadamente o grave problema que pode advir de tal posicionamento. Sem a aplicação que ratifica os efeitos da primeira dose todo esforço para que um painel dos imunizados se complete poderá ficar comprometido.

Sob outra égide, a segunda dose, segundo nossos especialistas, não garante a imunização por completo. Há variações quanto à eficácia de cada vacina. Teremos ainda, durante um período rigorosamente desconhecido, que conviver com a máscara, o álcool gel, evitando aglomeração, as insanas baladas e bailes funks nas periferias, festividades e bingos nos bairros mais privilegiados, assim como reuniões familiares ou sociais com número inadequado de integrantes.

Que as mentes se abram, que a politização não prejudique ainda mais as consciências desavisadas que, mercê do negacionismo, acreditam bastar a medicação não vacinal para se evitar o contágio. A competente pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, Margareth Dalcomo, entende que “a discussão sobre tratamento precoce é uma perda de tempo absolutamente imperdoável nesse momento da pandemia no Brasil” (uol debate, 26/05/2021), opinião corroborada por inúmeros médicos, infectologistas e microbiologistas do país, que se pronunciam diariamente pelos meios de comunicação. Todavia, a vacina continua a ser a salvação e, tanto a Fundação Oswaldo Cruz como o Instituto Butantã estão em trabalho full-time, empenhando-se no sentido de produzir vacinas, a AstraZeneca e a Coronavac, respectivamente. O imunizante da Pfizer paulatinamente está sendo introduzido em nossas terras e oxalá outros cheguem. Que os grandes laboratórios mundiais que produzem os insumos essenciais entendam o apelo dos menos favorecidos, os mais atingidos pela pandemia, e permitam a quebra de suas patentes nesse trágico e prolongado período. Creio ser o apelo da Humanidade.

Regina and I took the second dose of the Oxford AstraZeneca vaccine. The WHO and the vast majority of our most respected infectologists indicate the vaccine as indispensable to all Brazilian citizens, as well as the use of masks, even after the vaccine. Unfortunately, negationists in the country, starting with the president, despise the scientist’s opinion on Covid-19.


 

Acompanhar o primeiro ciclo de vida

É provável que, na hierarquia artística,
os pássaros sejam os maiores músicos
que existem sobre nosso planeta.
O pássaro é na realidade um ser maravilhoso
sob todos os pontos de vista.
Olivier Messiaen

Já ele andava jovial, inquieto,
comendo alegremente, honradamente,
todos os parasitas da seara
desde a formiga ao mais pequeno inseto.
Guerra Junqueiro
(“O Melro”)

Sabe-se da atávica atitude das rolinhas. Pela quarta vez uma rolinha caldo-de-feijão se aproveita do mesmo ninho e nele coloca, como de hábito, dois ovinhos. Nesta quarta oportunidade, quis seguir através de imagens um dos ciclos da natureza.

Num post datado de 19 de Maio de 2007 (vide “Rolinhas – Columbina Tapacoti”) descrevia a montagem de um ninho de rolinha em arbusto de jasmim-manga que tínhamos no pequeno jardim frente à rua, ou seja, ao ar livre: “Gravetos e outros materiais afins compuseram o espaço que abrigaria dois ovos. Cuidadosamente agasalhados pelo casal que se revezava, pouco menos de duas semanas após a postura nasceram os filhotes, que não podiam ser vistos, mas eram tratados com a maior dedicação pela dupla. A nidificação foi feita a menos de dois metros das abelhas negras, mas certamente rolinhas e as arapuás se entendem. Após dias seguidos de aguaceiro, em que havia permanentemente um dos pássaros a proteger o ninho, fez bom tempo”. Sobre as abelhas arapuás, vide “Dando asas à imaginação” (07/07/2007). As rolinhas não mais fizeram ninho no jasmim-manga. Presentemente, sabiás nidificam na “unha de gato” a poucos centímetros da entrada das abelhas. Pelo que eu vejo, confraternizam-se.

No blog “Natal, dia maior da cristandade” (26/12/2020) comentei três posturas de uma rolinha desde Setembro último. Qual não foi minha surpresa ao verificar que, antes da metade do mês de Janeiro, novamente a rolinha estava a chocar. Acredito que o fato de o ninho estar num vaso com a denominada renda portuguesa, abrigado de chuva e vento por um telhadinho plástico, fez com que o casal entendesse que esse ninho seria permanente.

Nesta quarta vez quis acompanhar a evolução desde a postura. Sei que essas avezinhas encontram o que as mantém. Sempre foi assim. Mas, mercê da fidelidade desse casal, coloco sementes e água em local de fácil acesso. Quando por rápidos momentos o ninho ficava sem um membro da dupla, se estivesse por perto aproveitava para fotografar. Dessa maneira consegui fixar o ciclo completo.

No dia 6 de Fevereiro verifiquei pela manhã que os filhotes alçaram voo. Saídos do ninho, nunca mais retornam. Consegui à tarde do mesmo dia fixá-los num dos ferros que sustentam o telhado plástico, sendo que a mãe está sobre o muro, à esquerda, na parte inferior da foto.

Já se fazia tarde, por volta das 18:00, Regina nos chama em voz alta, pois uma das rolinhas que descobriram o ato de voar estava em nosso quarto. Nossa filha Maria Beatriz, que nos visitava, e eu subimos rapidamente e com todo o cuidado agarrei a avezinha, soltando-a no quintal. Assistimos ao seu voo ainda inseguro, mas com certa orientação. O casal de rolinhas estava por perto, certamente a aguardar a aventureira que se desgarrara.

Continuo a colocar sementes e água para as rolinhas, pois presentemente o casal e as proles que nasceram desde Setembro comparecem ao “banquete”. Uma festa!

Aqueles de minha geração certamente lembram-se dos pássaros que nidificavam em São Paulo. Recordo-me de que, durante minhas duas primeiras décadas, era raríssimo vermos e ouvirmos sabiás ou sanhaços, quando muito bem-te-vis. Basicamente só havia pardais que nidificavam abaixo dos telhados, bandos dos pequeninos bicos-de lacre (não nativos) e os tico-ticos, raríssimos hoje na cidade. Nossos ouvidos se habituaram ao pobre chilreio dos pardais. Àquela altura acreditava-se que eles teriam expulsado todas as outras espécies. Passaram-se as décadas e hoje a desumana e gigantesca São Paulo, paradoxalmente, ouve cantos de sabiás, sanhaços, corruíras, caga-sebos, bem-te-vis, joões-de-barro, chupins, pitiguaris (pássaro do hemisfério norte que escolheu viver em São Paulo) e os gritos estridentes de bandos de maritacas. Realmente é um privilégio ouvi-los. Nos parques de São Paulo há ainda canários da terra, quero-queros e outros mais pássaros. Basicamente, desapareceram os pardais, que foram inspiração para nosso rico cancioneiro.

Clique para ouvir, na magistral interpretação de Elizeth Cardoso (1920-1990), “No tempo dos quintais”, de Sivuca e Tapajós:

https://www.youtube.com/watch?v=M-oL0WX3PSM

Creio serem as rolinhas as mais simpáticas da espécie dos columbídeos. Rodolpho von Ihering, em seu magnífico “Dicionário dos animais do Brasil” (São Paulo, 1940), não escreve sobre o canto, inexistente nessas avezinhas, mas afirma: “Sua voz é – gu-hú, gu-hú, repetido por longo tempo”.

Haverá uma quinta postura? Mercê da disposição do casal é bem provável que nova ocupação do ninho aconteça. Será bem-vinda.

Sexta-feira à tarde. Blog pronto para ser publicado neste sábado às 0:05. Frente ao computador, ouço Regina subir as escadas apressadamente e a sorrir anuncia: “lá está a rolinha a chocar novamente”. Quinta postura! Incansável…

A couple of ruddy ground-doves made their nest in a pot plant in my backyard this season, so far raising four broods. Each time the female laid two eggs, warming them up for two weeks until the baby birds were born. I have followed the fourth cycle of egg-laying carefully, documenting it with photos until the two nestlings fled the nest, today publishing the “photo report” on my blog.