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O compositor e suas convicções

Se fazes, és;
Se não fazes, serias.
Agostinho da Silva
(Espólio)

O denominado Questionário Proust teve origem na Inglaterra nos anos 1860 (Confession album) e ganhou celebridade a partir das respostas às questões escritas ainda na juventude por Marcel Proust (1871-1922). Descobriu-o em 1886, ainda adolescente, num álbum da filha do futuro presidente francês Félix Faure, Antoinette. Proust em mais de uma oportunidade recorreu às respostas. Inúmeras figuras representativas em todas as áreas responderam ao questionário, nele inserindo aspirações, preferências diversas, estilo, gosto. Entre esses ilustres personagens encontramos Stéphane Mallarmé, Claude Debussy, Arthur Conan Doyle, Karl Marx, Paul Cézanne, Oscar Wilde… Deve-se, contudo, às respostas de Proust em períodos distintos a divulgação ampla do questionário, que revelou muito das personalidades daqueles que se propuseram responder às cerca de 30 questões formuladas. Tendo penetrado nas várias classes sociais e entretido escritores, artistas e figuras de destaque em tantas áreas, o posteriormente nomeado Questionário Proust ainda perdura, até como apanhado a servir para determinadas áreas, como a da psicologia. Igualmente ele é utilizado em vários veículos de notícias, mormente no hemisfério norte. Segundo o escritor e romancista escocês Gilbert Adair (1944-2011), “a vantagem dos questionários, na perspectiva financeira, se resume no fato de que figuras conhecidas se abstêm de serem pagas”. Apesar de ter diminuído o seu alcance no período das duas Grandes Guerras, ressurgiria na segunda metade do século. Como exemplo, a revista Vanity Fair, a partir de 1993, estendeu o alcance do questionário a um público abrangente.

O ilustre compositor Eurico Carrapatoso, com a verve que lhe é característica indelével, respondeu ao Questionário Proust que foi publicado recentemente no relevante “Diário de Notícias” de Lisboa (03/09/2022). Enviou-me a página e, após a leitura, solicitei ao dileto amigo a divulgação neste espaço. Gentilmente Eurico aquiesceu. O português castiço, entremeado de um sabor transmontano único, fez com que eu inserisse algumas notas de rodapé relativas às palavras inusuais em nossas terras.

“A sua virtude preferida?
O ouvido.

A qualidade que mais aprecia num homem?
O talento.

A qualidade que mais aprecia numa mulher?
O talento.

O que aprecia mais nos seus amigos?
Disponibilidade para ouvir, para falar ou para estar em silêncio.

O seu principal defeito?
Pouca resistência à tentação.

A sua ocupação preferida?
Compor.

Qual é a sua ideia de “felicidade perfeita”?
Caminhar à beira-Tejo, com sol, ou viajar em estradas secundárias pelo interior de Portugal, com chuva.

Um desgosto?
Perder uma ideia que estava na ponta da língua.

O que é que gostaria de ser?
Compositor com direito à preguiça. Deploro o tempo de negócio em que nos mergulharam, que nos retira o direito ao ócio e nos transforma, à viva força, em potros de competição dispostos em linha de montagem.

Em que país gostaria de viver?
Renúncia expressa de qualquer outro país. Começo a bocejar no preciso momento em que deixo o espaço aéreo de Portugal. Enfadado, só retorno à tranquilidade quando volto a pedir uma bica curta (1) numa esplanada alfacinha, tripeira (2) ou brigantina, tanto dá, com um coreto em Si bemol à minha frente.

A cor preferida?
A do Maio florido.

A flor de que gosta?
Angélica.

O pássaro que prefere?
Rouxinol na noite de Abril, a carriça (3) na alvorada, o tordo (4) no crepúsculo de Dezembro. O melro, primo do tordo? Esse, sempre.

O autor preferido em prosa?
Camilo.

Poetas preferidos?
Pessanha, Pascoaes.

O seu herói da ficção?
Davis, jurado número 8 em “12 Angry Men”

Heroínas favoritas na ficção?
Viridiana.

Os heróis da vida real?
Meus pais, meus irmãos, minha mulher e meus filhos.

As heroínas históricas?
Rainhas de Inglaterra, não, de certeza. Prefiro rainhas da vida real. Ocorrem-me duas senhoras sem direito a pompa, circunstância e toda a sorte de protocolos ajaezados, apenas no exercício do direito de resposta: Rita Machado, filha do escritor Dinis Machado (autor de “O que diz Molero”), na forma como acertou o passo a António Lobo Antunes ao defender a memória de seu pai e demais antepassados já falecidos. A dignidade da sua resposta é solar e sonora como um sino de bronze, a lembrar o tiro certeiro de David na testa de Golias. A outra heroína é uma leitora anónima de Setúbal que respondeu de forma mortal a Maria Filomena Mónica. A socióloga afirmara num dado artigo que “havia três pessoas cultas em Portugal, se tanto.” A leitora confirmou na semana seguinte àquela publicação que eram mesmo três, sem qualquer dúvida. E enumerou-as: “Uma das pessoas cultas é a Drª Maria Filomena Mónica, pois claro. A segunda pessoa culta é o Dr. António Barreto, seu marido. E a terceira pessoa culta sou eu, evidentemente.”

Os pintores preferidos?
Rego, Souza-Cardoso, Turner, El Greco, Parmigianino, Mantegna.

Compositores preferidos?
Pedro Faria Gomes, Lopes-Graça, Poulenc, Ravel, Debussy, Bach.

Os seus nomes preferidos?
Amélia e António.

O que detesta acima de tudo?
Pedantismo de queixo altivo, e, citando Debussy no seu questionário Proust de 16 de Fevereiro de 1889, les femmes trop belles.

A personagem histórica que mais despreza?
Frei Tomás de Torquemada, a representar todos os seres sinistros respaldados no poder instituído que, com base em efabulações e toda a sorte de banhas da cobra, se arrogam à autoridade moral de julgar os outros, apoucando-os, censurando-os, prendendo-os, torturando-os, assassinando-os.

O feito militar que mais admira?
Bafordo de Valdevez (5).

O dom da natureza que gostaria de ter?
Renovar-me e remoçar todas as primaveras como o freixo (6).

Como gostaria de morrer?
A rir.

Estado de espírito atual?
A sorrir.

Os erros que lhe inspiram maior indulgência?
Todo e qualquer desvio das linhas estéticas que vão bolçando da boquinha mimada e burguesa dos tempos que correm.

A sua divisa?
“Escreve música. Deixa lá a história”.

NOTAS:

(1)   Bica curta corresponde ao café curto.
(2)  Alfacinha e tripeira, alcunhas aos que nascem em Lisboa e Porto, respectivamente.
(3)  Carriça, pássaro canoro bem pequeno pertencente à avifauna portuguesa. Assemelha-se à nossa corruíra.
(4) Tordo, pássaro canoro com penas coloridas da dimensão aproximada do nosso sabiá.
(5)  A fim de se evitar o combate dos exércitos, acordava-se o torneio medieval, a possibilitar o desempenho de cavaleiros representando as facções. Feitos durante a fundação da nacionalidade portuguesa. Século XII.
(6)  Árvore que pode atingir 30 ou mais metros de altura.

Nesse clima de descontração, clique para ouvir, de Eurico Carrapatoso, O crocodilo, sexta peça das “Six Histoires d’Enfants pour amuser un Artiste”, na interpretação ao vivo de J.E.M. :

https://www.youtube.com/watch?v=mpiX2kyJA1M

The remarkable Portuguese composer Eurico Carrapatoso answered the famous Proust questionnaire (Confession Album) that was recently published in the prestigious Diário de Notícias of Lisbon. He authorized me to publish it in this space and through it we capture part of his thoughts.

 

Louvável preservação de preciosa obra de arte

Não sei de artista mais completamente fiel à sua arte,
mais lúcido e consequente, mais orgulhoso e humilde.
Em Oswald o homem e o artista formavam um único ser,
sensível ao mundo que o cercava,
rico de vida interior, pleno de experiência humana.
Jorge Amado

Acaba de ser lançado o livro “O Mural da Santíssima Trindade em Botucatu”, de Maria Amélia Blasi de Toledo Piza (São Paulo, Scortecci, 2022). Tive imenso gosto de redigir o prefácio. Tenho um carinho especial por Botucatu, cidade onde me apresentei reiterados anos durante o período de formação pianística e, desde a longínqua década de 1950, o mural da Capela da Santíssima Trindade me fascina. Minha querida amiga Maria Amélia, ao se debruçar sobre a pintura nele harmoniosamente aplicada, presenteia Botucatu, desvelando as origens e a feitura de uma magnífica e sensível obra de arte.

Prefácio

“Maria Amelia Blasi de Toledo Piza é uma observadora vocacionada. Sua obra literária, a apreender o cotidiano de Botucatu através de seus personagens e costumes, seu olhar poético ao fixar paisagens que lhe são caras na arte pictórica e seu debruçar acadêmico tornam sua produção um todo artístico singular e raro em nosso país.

Em termos universitários, Maria Amélia se coloca entre aqueles convictos de que aprofundar-se num tema preciso é o caminho seguro para desvelamentos, só possíveis através da persistência. Sua dissertação de mestrado foi a porta aberta ao descortino. Apreendeu compartimento preciso da arte de Henrique Carlos Bicalho Oswald (1918-1965), debruçando-se a seguir, na tese de doutorado, sobre a de seu pai, Carlos Oswald, (1882-1971), pioneiro da gravura no Brasil e autor dos desenhos fundamentais do Cristo Redentor do Rio de Janeiro. Henrique Carlos era neto do nosso grande compositor romântico, Henrique Oswald (1852-1931). Quando da dissertação de mestrado, “O Mural da Santíssima Trindade em Botucatu”, sustentada brilhantemente junto à Universidade Estadual Paulista, UNESP, na cidade de Bauru, aos 07 de Novembro de 1997, tive o privilégio de compor a banca examinadora. Desde aquele findar de século fazia-se oportuno publicar em livro o profícuo trabalho acadêmico, agora vindo à luz em formato abreviado, a abranger leitores não necessariamente voltados ao viés de teses universitárias. A essência essencial da dissertação permanece, depreendendo-se no presente livro a qualidade ímpar do espírito de sínteses da autora a sublinhar a arte de Henrique Carlos Oswald na pintura do mural da Santíssima Trindade em Botucatu. O artista teve a colaboração de sua esposa Jacyra durante toda a elaboração de seu comovente trabalho.

Dom Frei Henrique Golland Trindade (1897-1974) foi uma das figuras emblemáticas na história de Botucatu. Bispo e posteriormente Arcebispo da diocese da cidade, fascinou-se na Itália pelo despojamento e sobriedade de capelas e basílicas romanas do primeiro milênio. Confiando o projeto da Capela da Santíssima Trindade no Seminário Menor ao arquiteto Benedito Calixto Netto, destinaria a pintura do mural no espaço da ábside e posterior ao altar ao artista Henrique Carlos Oswald. A escolha não poderia ser mais adequada. A linhagem Oswald, desde o compositor Henrique, teve ligações intrínsecas com a fé cristã. D. Frei Henrique, desde o período em que esteve em Petrópolis, manteve contato com a família Oswald. Carlos e seu filho Henrique têm inúmeras obras a partir dessa integração com a fé.

Maria Amélia, nessa magnífica síntese, tece leituras da pintura do expressivo mural, que mereceu um extenso debruçar sobre dezenas de figurantes, nomeando-os e esclarecendo seus posicionamentos e gestuais; faz o reconhecimento dos blocos compositivos na intrínseca relação tridimensional com a perspectiva, fator inexistente nas pinturas das inspiradoras capelas e basílicas visitadas por D.Frei Henrique; detém-se na ocupação do espaço da ábside; é sensível à utilização das cores e sua distribuição nos espaços do mural, a fim da composição harmoniosa. Fartamente ilustrada através de fotos e desenhos norteadores para a compreensão da magnífica pintura de Henrique Carlos Oswald, a publicação não apenas possibilita a divulgação da obra de arte, como possibilitará aos pósteros atentarem para a conservação permanente da Capela da Santíssima Trindade e seu mural singular.

Maria Amélia acrescenta a entrevista competente de Niza Calixto, que em 2009 foi a responsável pela restauração que se fazia necessária. Preservar patrimônio é um imperativo e o restauro prolongará a existência do mural da Capela da Santíssima Trindade.

Ainda bem jovens, meu irmão João Carlos e eu nos apresentamos várias vezes em Botucatu a convite de D. Frei Henrique. Estou a me lembrar de que naqueles primeiros anos da década de 1950, depois da partida do casal Henrique Carlos e Jacyra, que durante meses criou a pintura do mural, D. Frei Henrique pouco tempo após mostrou-nos com um ‘santo orgulho’, como costumava dizer, o resultado. Deslumbramento. Ficou-me também, numa outra categoria dos sentidos, o perfume ainda fresco das tintas aplicadas. ‘O mural da Capela da Santíssima Trindade em Botucatu’ é livro que deverá ser perene. Nele, pesquisadores pósteros e amantes da arte poderão contemplar uma criação artística que, certamente, insere-se entre as mais importantes de nossa arte sacra. Maria Amélia, que já legara entre seus livros ‘Por que amo Botucatu’, ratifica essa verdadeira devoção à cidade como um todo e à arte em particular”.

The book by Maria Amélia Blasi de Toledo Piza, “O Mural da Santíssima Trindade em Botucatu”, has just been launched. In it, the author unveils the origins of Henrique Carlos Oswald’s painting, examines the details of this true work of art, the structure, the arrangement of the innumerable figures, saints or not, dissects the whole and bequeaths to Botucatu and to the country the result of a long research that must serve as an example for posterity.

 

O jurista Ives Gandra da Silva Martins e a revelação para poucos

Só podes ser tu se fores de tudo ou de nada.
Agostinho da Silva
(“Espólio”)

Exclusivamente, portanto,
Para familiares, amigos e alunos,
foram escritas estas reminiscências.
Ives Gandra Martins

Poderia avocar suspeição ao redigir um post laudatório às lembranças que têm marcado a vida de um jurista, mormente sendo meu irmão. É que Ives, como jurista ímpar neste país atormentado, pautou sua existência na probidade absoluta, na batalha sem tréguas contra as mazelas que assolam há décadas nosso país. Recentemente comoveu-me ouvir de alguns dos mais importantes jornalistas brasileiros, como Augusto Nunes, Alexandre Garcia, José Maria Trindade, Guilherme Fiuza e tantos outros, menções ao meu irmão, inclusive um deles a proclamar que Ives é a figura basilar entre os juristas e que, na plena obediência ao que reza a nossa Constituição, tem a autoridade moral e jurídica para tecer críticas ao descumprimento, por parte do STF, de preceitos da Carta Magna. Ives, aos 87 anos, entende que excessos têm sido cometidos pelo Supremo Tribunal em quantidade inusitada e em uma só direção, procedimento jamais visto na história do judiciário brasileiro.

Após a morte de sua amada Ruth, vítima da Covid, com quem esteve casado durante 62 anos, Ives resolveu registrar instigantes lembranças que percorrem quase um século. Não quis ele a grande tiragem, a preferir uma edição limitada para familiares e amigos, entregando os manuscritos ao seu fidelíssimo e competente editor Cláudio Giordano.

Para um irmão que conviveu durante quase duas décadas na mesma morada de nossos pais, as qualidades humanísticas de Ives já se mostravam insofismáveis. No quarto lustro, o orador infalível já se revelava, pois após a leitura de segmento da excelsa literatura portuguesa, Sá de Miranda (1481-1558), Camões (c. 1524-1580), Padre Vieira (1608-1697), Padre Manuel Bernardes (1644-1710)…, o jovem Ives interpretava textos lidos para os nossos Pais após o jantar. Saliento que nosso Pai privilegiava a leitura dos clássicos portugueses. Nosso irmão João Carlos e eu, a seguir, tocávamos obras que faziam parte de nossos estudos pianísticos. Quanto ao José Paulo, estudou violino por pouco tempo, mas era exímio na gaita de boca, tendo ganho concurso em rádio paulistana. Dedicou-se com brilho à atividade comercial, seguindo basicamente a atividade de nosso Pai, ampliando-a. Minha convicção plena é de que a gestação do grande jurista que se tornaria Ives deu-se naqueles anos, nessas “tertúlias” em família. Impressionava-me, àquela altura, seu espírito de síntese, pois Ives conseguia traduzir em apotegmas conceituações extensas dos grandes autores.

Suas reminiscências daqueles anos inesquecíveis fazem-me pensar na leitura individual que cada um dos quatro irmãos teceu naquelas primeiras e decisivas décadas. Tardiamente elas se revelam basicamente similares, apesar de interpretações individuais diferenciadas devido às estruturas mentais distintas do quarteto. Essa assertiva só dimensiona nossos Pais, que se empenharam com sacrifícios na edificação cultural de seus filhos. Estou a me lembrar das palavras do ilustre Professor Catedrático de Direito de Família da Universidade do Minho, António Cândido, ditas em Braga, após um recital de piano que apresentei no salão nobre da Reitoria. Conhecedor da numerosa imigração de portugueses do Minho para o Brasil nas décadas fronteiriças dos século XIX e XX, entendia que meu Pai se agigantava como única figura (no singular) daquela precípua diáspora com um projeto cultural para seus futuros descendentes.

Antolha-se-me que o longo e substancioso capítulo “Reminiscências”, que aborda inicialmente os anos da infância, adolescência e juventude, faz entender todo o caminhar de Ives. Ao se casar com Ruth, em 1958, uma indissolúvel união em todos os planos se estabeleceu. Foram colegas no curso de Direito da USP. Tiveram seis filhos, dos quais três seguem com brilhantismo os caminhos fundamentados no Direito. O casal cresceu na fé católica e, com o passar dos anos, Ives deu provas dessa integral e irreversível religiosidade. Pertencer ao Opus Dei foi consequência. Insofismável a sua extraordinária carreira como jurista, professor e autor de uma centena de livros, a grande maioria versando sobre Direito Tributário, Constitucional e Administrativo, bibliografia que dimensiona ainda mais o significado de seus anos primevos. A verve poética o acompanha desde os primórdios, e os mais de mil poemas à sua saudosa Ruth o colocariam como recordista de poemas dedicados a uma só mulher em toda a história da poesia, creio eu. Apesar de ter partido há mais de um ano, Ruth continua a povoar escritos e poemas que lhe são dedicados. “Quando assim ajo, sinto-a próxima”, afirmou-me.

Em “Reminiscências de um cidadão comum” todas as recordações são autênticas e verídicas, a não ser, a meu ver, o título, pois Ives jamais foi uma pessoa comum. Todos conhecemos as qualidades que o tornaram uma das vozes mais respeitadas do Brasil.

Ives perpassa a existência no alto de sua sabedoria. Nas “Reminiscências de um Cidadão Comum” o trajeto é descrito sem traumas, sempre na ascensão. Como chegar aos 87 anos cultuado pelos letrados, políticos – mesmo aqueles que não comungam com suas convicções – e também pelo “cidadão comum”, sem jamais ter tido um ato que o desabonasse. Após a morte de nosso saudoso Pai no ano 2000, Ives é a nossa referência.

As reminiscências não excluem a menção às dezenas de homenagens que recebeu de instituições públicas e privadas ao longo da carreira, assim como a sua participação como docente no Brasil e alhures.

Ives insere quatro decálogos de sua lavra nas “Reminiscências…”: Decálogo do Advogado, Decálogo do Não, Decálogo da Convivência, Decálogo do Trabalho Ordinário. Do primeiro, extraio um parágrafo: “O Direito é a mais universal das aspirações humanas, pois sem ele não há organização social. O advogado é seu primeiro intérprete. Se não considerares a tua como a mais nobre profissão sobre a terra, abandona-a porque não és advogado”. Frases que deveriam ser o norte para a maioria dos advogados.

O meu clã visitou-o dias atrás. Uma alegria. Apesar das limitações físicas, Ives continua a ser um dos faróis a iluminar o agitadíssimo oceano que nos cerca.

Dedico-lhe, pois, uma gravação que é um devaneio na Via Láctea. Se a sua Ruth paira nas esferas, abrigada pelo Poder Maior, o sensível passeio pela Via Láctea diz tanta coisa… O ilustre compositor francês François Servenière compôs uma lírica peça a partir de “O Pequeno Príncipe” de Saint-Exupéry. As “Reminiscências” retornam…

Clique para ouvir, de François Servenière, “Promenade sur La Voie Lactée”, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=JQDkWn1HcpQ

In his book “Reminiscences of an ordinary citizen”, the illustrious jurist Ives Gandra Martins reveals key events lived since childhood that have been fundamental in his development. At 87, respected by intellectuals, politicians and ordinary people, he has been a beacon for our family since the death of my father in 2000.