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Quando Lembrança é Bem-Vinda

Espelho, amigo verdadeiro, 
Tu refletes as minhas rugas, 
Os meus cabelos brancos, 
Os meus olhos míopes e cansados. 
Espelho, amigo verdadeiro, 
Mestre do realismo exato e minucioso, 
Obrigado, obrigado! 

Mas se fosses mágico, 
Penetrarias até o fundo desse homem triste, 
Descobririas o menino que sustenta esse homem, 
O menino que não quer morrer, 
Que não morrerá senão comigo, 
O menino que todos os anos na véspera do Natal 
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
Manuel Bandeira  (Lira dos cinquent’anos)

Aproxima-se mais um Natal. Para o cristão que apreendeu, através de ascendentes, o espírito do nascimento do Cristo, há sensíveis motivos para que a comemoração represente um repensar o ano que está a findar, experiências boas ou menos favoráveis que foram percorridas e, entre os seus mais caros, congraçar-se de maneira fraterna. Sob outra égide, mais e mais antecipa-se a propaganda natalina, a descaracterizar por completo a essência do evento. Publicidades já em fins de Agosto!!! Uma total irreverência. Estou a me lembrar de que em minha infância-adolescência todo o pensamento voltado ao Natal iniciava-se no dia 1º de Dezembro. Comércio e Mídia conseguiram banalizar a festividade maior da cristandade, mormente para quem não vive intensamente o nascer de Cristo.

Estou a me lembrar de episódio que ficaria registrado para sempre. Nas décadas de 1980-1990 foram várias as viagens a Paris para aprofundamentos na obra de Claude Debussy. Em uma delas, ainda no aeroporto de Guarulhos, encontro-me casualmente com o competente historiador e estudioso de uma das vertentes da musicologia, Arnaldo Contier, então professor da FFLCH da Universidade de São Paulo. Coincidentemente viajávamos na mesma aeronave para pesquisas na Bibliothèque Nationale, ele a buscar subsídios para a sua área. Durante duas semanas encontrávamo-nos na BN e algumas vezes almoçamos no entorno.

Nesse profícuo período, o ilustre musicólogo e amigo François Lesure – quase que consensualmente o mais importante especialista em Claude Debussy num plano mundial na segunda metade do século XX – dirigia o Departamento de Música da BN. Propiciou-me o privilégio de poder trabalhar durante as duas semanas os manuscritos originais para piano do grande mestre. Recolhia-me a uma sala individual e, à medida que findava o estudo de determinada partitura, uma funcionária a retirava e colocava à mesa outro manuscrito. Munido de luvas e de um sistema para virar páginas amarelecidas pelo tempo, percorri com reverência cada compasso, a entender a escrita precisa, não desprovida de certas rasuras. Debussy escreveria em 1915 ao seu editor Jacques Durand, ao concluir os “Douze Études” para piano: “a mais minuciosa estampa japonesa é uma brincadeira de criança ao lado do grafismo de certas páginas, mas estou contente, foi um bom trabalho”!

Certa noite François Lesure convidou-me para jantar em seu apartamento. Noite muito agradável em que a adorável Anik Lesure e François mostraram-se impecáveis anfitriões. Estava presente dirigente da importante livraria Aux Amateurs de Livres, Alain Baudry, que, após relato de François a respeito de meu longo envolvimento com a obra de Debussy, mostrar-se-ia interessado pelos estudos que eu estava a realizar. Comentei que faltavam à minha biblioteca particular determinados livros sobre o compositor, mormente escritos na primeira metade do século XX. Convidou-me a visitar a livraria-editora, pois não apenas trabalhavam com  edições raras abrangendo várias áreas, como também exportavam obras francesas relevantes, em edições cuidadosas, para  universidades da América do Norte e do Japão. Editavam igualmente teses meritórias de séculos precedentes. A livraria mantinha  importante acervo de livros de arte e de literatura não mais encontráveis no mercado.

Manhã fria de um 24 de Dezembro, véspera de Natal. Convidei Arnaldo Contier para me acompanhar à livraria, situada no 62 da Avenue de Suffren, bem próxima à Tour Eiffel. Atônito e encantado, encontrei a maioria dos títulos que buscava, desde o livro do amigo de Debussy e seu biógrafo, Louis Laloy, editado em 1909 e tendo o número 17 de uma tiragem de 200 exemplares, assim como um dos compêndios (1926) de um dos mais importantes estudiosos do compositor, Léon Vallas, com dedicatória do punho do autor à “Ouvreuse du Cirque d’Été”, a célebre romancista francesa Colette. Cerca de vinte livros dessa rica bibliografia da primeira metade do século XX foram por mim selecionados. Ainda era a época dos francos franceses e a soma foi além dos 1.500 euros de hoje. Fui ao caixa para saber quais livros levar, pois teria de adequá-los ao meu orçamento econômico. Perguntei à senhora que me atendeu pelo senhor Alain Baudry. Avisado, desceu as escadarias com um grande cão labrador, a dizer que acabara de ler meu artigo publicado nos Cahiers Debussy, “La vision de l’univers enfantin chez Moussorgsky et Debussy” (1985). A senhora apresentou-lhe a elevada conta com a relação completa. Alain Baudry leu o papel, olhou-me e, apertando minha mão, disse: “C’est l’esprit de Noël”. Ofereceu-me ainda livros recentes sobre música, publicados pelas Éditions Klincksieck, também sob sua direção.  Fiquei estupefato e essas obras vieram enriquecer meu conhecimento sobre o grande mestre francês. Arnaldo e eu saímos maravilhados com o gesto de tamanha generosidade.  À noite, Contier e eu, fomos comemorar o Natal em restaurante italiano em Montparnasse. Ao comentar com François Lesure sobre o ato do amigo, disse-me: “esse é Alain Baudry”.

O Espírito de Natal pode estar traduzido nas mais diversas ações de generosidade. Tem ela de ser natural, daquele que entende a dádiva  como extensão. Entidades religiosas ou laicas, sem contágio político, têm apreendido, ao longo dos tempos, o evento maior da cristandade como congraçamento pleno. Contudo, é no seio familiar que a semente de solidariedade torna-se planta e frutifica. Que a família continue como o bem maior! A todos leitores envio votos de paz e congraçamento nesta data maior da Cristandade.

On Christmas season and commercial interests transforming the date into a secular holiday for the celebration of materialistic consumerism. This reminded me of a Xmas spent in Paris. Visiting the bookshop of editor Alain Baudry, I selected a pile of books about Debussy I could not afford. While trying to sort out the ones I needed most, Alain Baudry, who was aware of my research on Claude Debussy’s works, shook my hand and offered me all the books as a gift, saying: c’est l’esprit de Noël.

Romance de Época – Variantes

Os livros. A sua cálida,
terna, serena pele. Dispostos sempre
a partilhar o sol
das suas águas. Tão dóceis,
tão calados, tão leais.
Tão luminosos na sua
branca e vegetal e cerrada
melancolia. Amados
como nenhuns outros companheiros
da alma. Tão musicais
no fluvial e transbordante
ardor de cada dia.
Eugénio de Andrade

Luiz Gonzaga é bom amigo e vizinho. Encontramo-nos sempre pelas calçadas mal tratadas de nossa cidade bairro, Brooklin-Campo Belo, pouco a pouco sendo frequentado pelos sem teto, pessoas a quem a Prefeitura de São Paulo prefere não dar destino claro, a escolher, à maneira do avestruz, mergulhar a cabeça do “poder” sob a terra, quando de decisões que possam provocar incômodos à administração pública. Num desses dias fomos tomar um curto no Natural da Terra. Bom momento para descontração. Política, futebol, cotidiano e o descaso das gestões da Prefeitura, mormente a atual, pelos problemas cruciais da cidade-bairro e da urbe como um todo.

A certa altura, Luiz Gonzaga disse-me que encontrou em um alfarrabista o romance de João Silvério Trevisan, “Ana em Veneza”. Folheou-o e prontamente comprou-o. Gostou imenso da leitura, apesar de ter ficado desorientado com o final, que lhe causou uma sensação de desequilíbrio devido à situação delirante do personagem central, “transmigrado” para a modernidade. Disse-lhe que li o romance, gostei, mas tive sensação muito próxima à sua.

Conversamos sobre a obra, que teve publicação em 1994 (São Paulo, Best Seller), e lá pelas tantas Luiz Gonzaga indagou-me sobre a menção, no romance, ao compositor romântico brasileiro Henrique Oswald (1852-1931). A fim de esclarecimento para o leitor que porventura desconheça a obra, mencionaria o enredo básico de “Ana em Veneza”. Estamos diante de romance de época, que permeia a segunda metade do século XIX e adentra o XX. Ficção e realidade se amalgamam, abordando personagens como Júlia da Silva Bruhns Mann (1851-1923), nascida em Parati e mãe do escritor alemão Thomas Mann (1875-1955); a mucama de Júlia, a negra Ana; o ilustre compositor Alberto Nepomuceno (1864-1920) e tantos outros mais. Tem-se desde a apresentação do bucólico vivido em Parati às infiltrações, na Europa, de conteúdos  culturais outros,  que tenderiam a modificar posturas dos figurantes.

Toda essa premissa para louvar a seriedade de João Silvério Trevisan na “fixação” histórica que leva a um hipotético encontro de Nepomuceno com Henrique Oswald, em Florença, onde este último vivia com sua família constituída na Península. Sabedor de minha tese de doutorado sobre Oswald, a primeira realizada sobre o compositor, quis saber pormenores. Conversamos e emprestei-lhe o volume que correspondia ao compartimento biográfico. Trevisan inteirou-se do tema e, com raríssima acuidade, realizou o “encontro” entre os dois mestres. Inicialmente fixa o autor a data de 12 de Agosto de 1890, e Nepomuceno relataria nesse imaginário criado: “Já estou em casa do Henrique Oswald, o compositor amigo do Miguez. Fui muito bem recebido. O Oswald mora com a mulher, Signora Laudomia, e os filhos numa villa modesta mas muito agradável, com um jardinzinho cheio de rosas, hortências e gerânios. A quinta chama-se Villino San Paolo e fica no alto da colina de Fiesole, em meio a vilas luxuosas onde moram muitos estrangeiros abastados”. Trevisan menciona os quatro filhos, mas ressalva que “a mais nova, Nini, é ainda de colo e tem saúde bem fraca”. Há sutileza, pois Nini morreria logo após. Na ficção, Nepomuceno mencionaria que “À noite, o Oswald tocou algumas de suas peças para piano. São obras cheias de elegância e colorido, esplendidamente elaboradas”. A exacerbação quanto à feitura tem procedência, pois realmente elas excedem na escritura, como argumentei na tese. Arguta a afirmação, “atribuída” a Nepomuceno, que “tocou também trechos de um concerto para piano e orquestra, que está terminando de escrever”. A essa altura, Oswald estava em plena elaboração do Concerto para piano e orquestra op. 10. Como curiosidade, a neta do compositor, minha saudosa amiga Maria Isabel Oswald Monteiro, presenteou-me com o manuscrito autógrafo da versão para quinteto de cordas e piano que o autor fez do Concerto em menção. A gravação na íntegra, a partir desse manuscrito, está no YouTube (Quarteto Rubio, contrabaixo, e JEM ao  piano). Importa considerar, entre tantas outras situações de “Ana em Veneza”, a consciência de Trevisan em saber encontrar a fórmula que permitisse a fusão do fato real com a sua imaginação criativa. Luiz Gonzaga e eu ainda trocamos considerações sobre outras situações propostas por Trevisan, mormente a sócio-econômica de Parati nos anos 1860.

Entre incontáveis exemplos de romances de época, tantas vezes biográficos, mencionaria um pequeno e delicioso livro de Jean Echenoz sobre o compositor francês Maurice Ravel (Ravel. Paris, Minuit, 2006). O autor realizou extenso aprofundamento sobre a vida do músico, mormente os dez últimos anos. Pormenoriza os gostos voltados ao dandismo, possivelmente para atenuar a sua estatura bem pequena; atenta aos estados de ânimo do compositor; descreve os cuidadosos ambientes em que morava; relata, nesse “imaginário”, a célebre desavença real que teve em Nova York com o afamado regente italiano Arturo Toscanini em torno do célebre Bolero: “Quando Toscanini regeu à sua maneira, duas vezes mais rápido e accelerando, Ravel, aborrecido, foi vê-lo no camarim. Este não é o meu movimento, observou o compositor. Quando eu toco no movimento indicado, respondeu Toscanini, nenhum efeito se dá. Bem, retruca Ravel, então não mais conduza minha obra. Mas o senhor não conhece nada de sua música, continuou Toscanini, essa foi a única maneira que encontrei de agradar ao público. Ravel escreveria a Toscanini e o teor da carta é desconhecido”. O compositor, tendo sofrido problema degenerativo de origem neurológica, que o fez  afastar-se progressivamente do contato social, sofreria delicada intervenção cirúrgica que constataria a nítida diminuição de seu cérebro (não teria sido o que mais tarde ficaria conhecido como Mal de Alzheimer?). Echenoz, certamente após pesquisas na área, pormenoriza os lances do procedimento cirúrgico.   

Se a “fidelidade” ao real depende da intenção do autor em sua narrativa, há que se entender que o desvio da veracidade de maneira até acintosa é geralmente a norma em um romance ou filme. Neste, fatos até hilariantes e distorcidos podem influenciar incautos que entendem, falta de outra opção, a fantasia plena como autenticidade absoluta. O romance de época, ao centralizar figura relevante, pode desenvolver o simulacro, o caricato ou a busca do real. Nos dois romances mencionados, essa última via teria sido a intenção dos autores, fator meritório. Ao longo da trajetória da narrativa, desde a antiga Grécia deparamo-nos com o real e o imaginário. A mitologia está plena dessa mescla e os relatos sacros também. Creio que o leitor, munido das ferramentas para separar as opções propostas por um autor, estará apto a distinguir, no desenrolar do relato, o real e o ficcional. 

The idea for this week’s post came after a chat with a friend about characters in historical novels: authors may mix historical characters and settings with sheer fantasy. It is for the reader to find out, as the story unfolds, what is history and what is fiction.

        

Urge Desvelar um Grande Artista!

A Essência da Arte, Simplesmente

Pintor superior
Se você quiser sofrer
Nem as verdades, e
Nem as mentiras,
Curam uma dor egoísta.
Porém se eu pudesse hoje
Pintar o amor
Pintaria você…
Simples, pura e bela.
Como uma flor.
Assumo o meu eu e o seu eu
superior.
Luca Vitali

A Exposição que seria realizada na Casa Carramate no último dia 5 de Dezembro em homenagem a Luca Vitali, esse grande artista que partiu em Abril último, estaria sob a égide da emoção. Fortes aguaceiros e uma imensa árvore que caiu, obliteraram passagens e derrubaram a energia elétrica. Prenúncio de um verão que sempre vem acompanhado de tragédias, mercê do descaso de nossas autoridades municipais durante o período de estio. A homenagem teve de ser adiada uma hora antes da Exposição. Contudo, é sempre prazeroso, nostálgico e reverencial falar do imenso artista e saudoso amigo Luca Vitali. O blog já estava montado e, portanto, resolvi publicá-lo, apesar desse impasse. Lembraria o post publicado logo após sua morte (Luca Vitali – 1940-2013, 20/04/2013) e um aspecto quase desconhecido do público: Luca, o poeta de pouquíssimos e argutos poemas.

Em “Amo-te-me” (São Paulo, Ateniense, 1988), Luca Vitali mostra-se o vate crítico, sem concessão a quaisquer derivativos prazerosos. O pequeno livro de poemas tem por vezes o cunho cáustico e as palavras atingem fundo o leitor. Outros merecem várias leituras para que a compreensão se dê, graças a uma hermenêutica própria, que não se destina a agradar a fim do efêmero reconhecimento. Os poemas lá estão, provocativos mas não intencionais, denunciadores sem máculas. O espaço reservado à torrente criativa que jorrava em forma de desenhos, telas acrílicas, design de interiores é um, inequívoco. O poema poderia ser o resultado do desalento frente à civilização em permanente deterioração. Há em muitos versos o desânimo, a certeza de que o homem Luca não foi moldado para se imiscuir nesse lodaçal que corrompe, deteriora, embrutece. Mergulha em si mesmo: “Olhar para o interior,/ o caminho da luz e/ flutuar na estrada, mesmo que irregular, da vida”. Luca é um puro. Nossa profunda amizade fazia-me apreender a alma generosa do artista, sempre propenso a ajudar o próximo incapacitado para que encontrasse o caminho da arte através da luz, do desenho, da cor, do sentimento solidário. Presenciar tantas injustiças, ou mesmo conviver com o irreparável, deve ter deixado profundas marcas na sensibilidade de Luca e “Amo-te-me” é o grito surdo de quem tudo observa e, apenas através da arte, buscava a diária reinvenção.

Poemas traduzem esse apelo que vem do de profundis do saudoso amigo:

O amor transforma uma mentira
E os males numa digna verdade.
Porque o superior é proposta real
De felicidade íntima.
Conta comigo para estar na Glória de
Deus
Conta comigo para
Estar na glória de
Vocês
Não peço perdão, porque
Não tem pecado na ignorância.

No poema que dá título ao livro, “Amo-te-me”,  Luca me faz lembrar versos do compositor russo Alexander Scriabine (1872-1915) em “Mysthère”, onde há nítida influência do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900):

Sou eles. Então sou só.
Com eles ou com muitos, seria
sem nenhum, e comigo também
não sou.
Sou com quem?
Antes comigo para ser eles.
E eles?
São meus seus, sigo comigo.
e eles sou eu
único.
Então sou eles, não deles.
Pai, Filho, Espírito.
Sou um só?
Sim, sou o Sol para ser de
muitos, eu para ser de vocês.
Amo-te-me

Uma das grandes qualidades de Luca Vitali está na profunda percepção. Cerca de 50 desenhos Luca criou para meus blogs ou para situações a partir de nossas profícuas conversas. Ao longo dos posts observei, reiteradas vezes, que Luca tinha um lápis na mente e que me impressionava a presteza com que apreendia uma ideia. Em uma das conversas descontraídas disse-lhe que, se seu cérebro fosse radiografado, preliminarmente deveria ele dizer aos médicos que o lápis lá estava e que não deveriam, portanto, tentar retirá-lo.

Após meu recital em Paris em fins de Janeiro, Regina e eu fomos visitar François Servenière, Elisa e os filhos em Blangy-le-Chatêau, na Normandia. Em nossas conversas, um dos temas foi a série constituída de Sept Études Cosmiques, que Servenière compôs a partir de pinturas em acrílico  sobre tela de Luca Vitali, a Série Cósmica. A morte prematura de Luca levou François a compor, sob forte emoção, o Outono Cósmico. Os sete estudos, mais a obra in memoriam de Luca Vitali, penso gravá-los em 2015 na Bélgica. Nessa curta estadia na Normandia, o dileto amigo nos levou conhecer pontos pitorescos da região: Deauville, Trouville, Honfleur. Visitei essa bela região em 1959. A Normandia ficou ainda mais divulgada após o desembarque aliado em 1944, início da grande ofensiva que levaria à derrota do nazismo. Ao contar a Luca os episódios em que milhares de jovens pereceram, o pintor ficou impactado. O desenho “Reenergização da Normandia” representa o duplo tributo, aos soldados que batalharam e ao amigo François Servenière. O compositor não deixaria de pensar um só dia nessa imagem em que, dos arames farpados, Luca tiraria a essência do acontecido, a fazer transcender do ferro retorcido a clave de Sol, a esperança através da música. O desaparecimento do artista, pouco depois, despertou ainda mais as musas que povoam a mente de Servenière. Surgiria a “Symphony for the Braves” para orquestra. São sete movimentos profundamente intensos e emotivos. Dois deles, o sexto e o sétimo, podem ser ouvidos pelo leitor ao clicar os links abaixo.

6º movimento: Peace for the Braves

7º movimento: Redemption

Luca pintor, puro, não afeito aos modismos nem à condução de sua arte pelos marchands. Caem como uma luva as palavras do Prêmio Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa, quando afirma que “verdadeiros enganadores, graças à moda e a manipulação do gosto dos colecionadores provocadas pelos marchands e críticos, têm obras que alcançam preços vertiginosos”. Observa que “escritores, pensadores e artistas medíocres ou nulos, mas vistosos e pirotécnicos, espertos em publicidade e autopromoção, manobram com destreza os piores instintos do público e alcançam altíssimos índices de popularidade. Ficam parecendo os melhores para a inculta maioria, e suas obras valorizadas e divulgadas” (La Civilización del Espectáculo). Estou a me lembrar que visitei com Luca uma galeria de arte que expunha obras contemporâneas. Pormenorizou-me as técnicas de pintura empregadas, elogiando algumas e execrando outras, que considerava verdadeiros embustes. Luca desconhecia alguns dos expositores. Na sequência, vimos que um desses medíocres exemplares era um dos mais festejados. Realmente pinturas sem plano estabelecido, sem nuances, sem alma… sem nada. Fatos como esse, que ocorrem no mundo inteiro, levaram Vargas Llosa a não mais visitar Bienais de Arte. Acrescentaria, nas Artes Plásticas e na Música pululam exemplos, a todo instante.

Certamente a data da homenagem será remarcada. Não retirei o convite acima, pois as palavras nele contidas traduzem muito a intimidade e o carinho de familiares e amigos pelo homem, o artista, o amigo. Um pintor que não pode ser esquecido.

An exhibition in tribute to Luca Vitali, who passed away last April, was scheduled to take place on 5 December, but was postponed due to the heavy rain that hit São Paulo. Anyway, this post was written as a tribute to his memory. A multi-talented painter and graphic artist, Luca was also a poet with a book published. In this post I comment on some of his poems and also on François Servenière’s work for orchestra, “Symphony for the Braves”, inspired by one of Luca’s drawings. By clicking on the links provided readers may listen to two movements of Servenière’s symphony.