Navegando Posts publicados por JEM

Temas que Fazem Pensar

 A inflação é o mais poderoso instrumento de transferência de renda
dos que trabalham para os que exploram o capital.
Tancredo Neves

Então, como em surdina,
se ouviu um grande coral
que parecia do céu:
os que ensinarem a muitos,
ou a um só,
os caminhos da justiça, da ciência
e caridade,
Brincarão como estrelas em perpétua
Eternidade…
Dom Fr. Henrique Golland Trindade, O.F.M. (1997-1974)

Luca sempre surpreende. Estávamos a tomar café em tarde chuvosa quando vem a pergunta sobre diferenças de custo de vida entre Brasil e França. Lera sobre a grave crise que assola a país europeu e a queda vertiginosa da popularidade do Presidente francês François Hollande. Curiosamente, ao regressar à minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo, em meados de Fevereiro, pensei  no tema, pois apesar do momento atual em França, diferenças há nos custos nos dois países que nos devem preocupar sensivelmente. O temor maior vem de uma espiral  ascendente nos preços do cotidiano aqui nos trópicos, que no mínimo deveria servir de alerta. Sob outro aspecto, alguns desses preços estão em patamar completamente fora da realidade, hoje, de França e Bélgica, como exemplos.

Como estivemos hospedados em Paris no apartamento independente de diletos amigos, minha mulher e eu em várias oportunidades íamos a um supermercado bem parecido com os de São Paulo. Produtos expostos de maneira organizada e certamente uma variedade maior de alimentos e bebidas. A impressão nítida que tínhamos era a de entrar em um estabelecimento com os preços 20, 30 ou mais %  em conta daqueles encontráveis em nossa cidade. Leite, pão, manteiga, bem abaixo dos nossos. Um pacote a conter 10 salsichas ao preço do equivalente a três reais, quando aqui chega aos sete; 30 ovos a nove reais, quando uma dúzia em São Paulo está a sete em supermercado bem conhecido.  Alguns exemplos chegam a ser chocantes. Na seção de vinhos estavam expostos alguns chilenos bem conhecidos entre nós ao preço de seis a sete euros (R$ 16 ou 18), quando nos nossos estabelecimentos eles atingem  cifras que variam de 34 a 45 reais!!! Verdadeira e preocupante distorção!!! Todo um continente e mais o Atlântico a serem transpostos e a diferença absurda de preços faz-nos pensar em algo que não está a funcionar bem em nosso país. No compartimento de queijos, alguns dos mais conhecidos entre as centenas deles, como Camembert, Roquefort, Saint-Nectaire, Pont l’Evêque, Chèvre, Bleu d’Auvergne e tantos outros, muitíssimo mais baratos do que as poucas variedades, de qualidade bem inferior, produzidas no Brasil. O mesmo em relação às massas já prontas para microondas. Nesse caso também, relação abissal. No caminho das diferenças, outdoors anunciavam carros que se vendem também no Brasil. Sem comentários. Uma rede de hotéis mundialmente conhecida oferece preço de diária para duas pessoas na região da Ópera de Paris – um dos centros mais conhecidos da Europa -, mais acessível daquele apresentado em São Paulo. O leitor atento deve-se lembrar que, durante a Rio20, muitos executivos e figuras ligadas aos governos desistiram de vir à “cidade maravilhosa” mercê dessas diferenças que, àquela altura, eram astronômicas. Disparidades constrangedoras, evidenciando que algo soturno está a acontecer no Brasil e assistido passivamente. Se considerado for que o salário mínimo em França é cerca de cinco vezes o nosso, algo está a acontecer. Corrobora a condição da oferta e da procura sem que o fator humano essencial seja considerado. Estou a me lembrar de conversa que mantive com amigo, dono de restaurante de minha cidade bairro que costumávamos frequentar. Em poucos meses os preços galoparam. Encontrei-o e, a sorrir, suas palavras esclarecem muito. Perguntou-me a razão de nosso afastamento. Cordialmente respondi que os preços de seu bom restaurante deslancharam. Afirmou-me que nada podia fazer, pois todos os seus concorrentes estavam procedendo a aumentos que ele mesmo considerava exagerados, mas que a afluência de clientes não diminuiu. Nada a fazer, pois essa escalada em quase todas as áreas, inclusive a de serviços e as praticadas por profissionais liberais, aponta para perigoso caminho inflacionário. Há falta de bom senso, certamente. Economistas salientam diariamente pelos meios de comunicação que o custo Brasil é preocupante. É-o na realidade e devemos estar atentos, pois o discurso oficial caminha num sentido totalmente oposto. Conseguiremos suportar tais diferenças durante quanto tempo? Não por outro motivo milhares de brasileiros preferem passar as férias no Exterior, onde os preços estão bem abaixo dos nossos. Há a preocupação em desburocratizar o país? A corrupção continuará endêmica nessa relação tantas vezes estranha entre Estado e empresas privadas? Nossos três Poderes continuarão a aumentar bem acima da inflação seus polpudos salários? A real diminuição de impostos e de servidores se concretizará?  Somente através de um saneamento drástico poderemos ter alguma esperança. Realmente, continuo pessimista e nenhum sinal é apresentado para que possa – é sempre um almejo – alterar minha posição.

Um outro tema que Luca e eu discutimos tem a ver com a eleição do Papa Francisco. Luca comentou a situação sombria do mundo atual e a tarefa gigantesca que o Papa eleito terá pela frente. O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, escolhido no conclave, tem currículo que o recomenda. Para a América Latina a escolha reveste-se de significado transcendente, apesar de o Papa, na essência, pairar acima de países e continentes. Será possível supor que a Igreja Católica Apostólica Romana, no conclave a reunir bem mais de uma centena de cardeais tenha optado, salvo melhor juízo, por um Papa mais idoso, a fim de que um longo pontificado, como os de Leão XIII (25), Pio XI (17), Pio XII (19), Paulo VI (15) e João Paulo II (26), não se repita. Nesse mundo de tão imensa e rápida mutação em quase todas as áreas, de crescimento de seitas de toda procedência, de embates em nome de religiões  que atingem, por vezes, o limite da intolerância, e na aceleração também da descrença no poder divino, um papado mais curto poderá representar uma possibilidade maior por parte da Igreja de seguir os passos da humanidade em crise pandêmica e de renovar as equipes internas que a administram. Se considerado for que o carisma e a exposição mediática do Papa João Paulo II, em seu longuíssimo papado, não propiciaram a Sua Santidade a transcendência renovadora de João XXIII em seu curto período de cinco anos como pontífice, há o que se pensar. Aos 76 anos e com um só pulmão, as qualidades do Papa Francisco estariam a apontar – sempre no campo das hipóteses – para um pontificado não tão longo. Que o Papa Francisco tenha uma longa existência, esse é o desejo de centenas de milhões de católicos espalhados pelos quadrantes do planeta e que presentemente oram pelo eleito, que terá pela frente desafios incomensuráveis!  A trajetória do ungido, com nítida vocação voltada aos menos favorecidos, só nos faz ter esperanças em uma ação menos hermética em prol dos problemas cruciais da atualidade por parte do Vaticano. Toda a história papal mostra pontífices que tiveram comportamento não à altura, mas tantos outros mais que primaram pela direção segura da Igreja. Sob outra égide, impressionam a capacidade e a formação sólida dos que estiveram no conclave para a escolha do novo papa. Presente na Capela Sistina o resultado de decênios de estudos teológicos aprofundados e de sacerdócios, tantos deles extraordinários, em prol da escolha mais precisa. É admirável todo esse processo. Há que se convir.

Sincera e significativa a resposta do Papa Francisco aos jornalistas no último dia 16. Disse ele que a escolha do nome tem, sim, referência a São Francisco de Assis. A lembrança teria vindo logo após a eleição, quando, abraçado e beijado por seu dileto amigo, o franciscano D. Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo, ouviu deste a frase: “não se esqueça dos pobres”. As palavras penetraram seu coração e a lembrança imediata foi a do Santo venerado: “Francisco é um homem da pobreza, da paz, que ama e protege a criatura”, afirmaria o novo Papa. Um jesuíta a entender e assimilar a mensagem fraterna de um franciscano. Esse olhar voltado aos mais humildes é um bom prenúncio.

On Brazil’s outrageous cost of living compared with that of France – not forgetting the country’s low minimum wage rates and unfair income distribution – and on the election of the new Pope, maybe a good choice at a difficult moment for the Roman Catholic church that is losing members in droves in part due to Vatican’s traditionalism and finantial and sexual scandals.

 

Sylvain Tesson e os Oleodutos da Ásia Central 

Não li os jornais, mas vivo assim mesmo.
Vou bem, faço progressos nesse aperfeiçoamento da calma interior.
Canto, passeio cabeça descoberta a contemplar o céu, a noite.
Knut Hamsun

Escrever é condensar a vida comprimindo-a entre as camadas de papel.
A página branca me angustia:
Terei eu papel suficiente para descrever o que vejo?
Sylvain Tesson

Confesso que admiro a obra literária de Sylvain Tesson. A experiência viva, solitária, sem subterfúgios por territórios inóspitos do planeta não é apenas a aventura pela aventura, pois há sempre um motivo para as prolongadas excursões. Causaram-me curiosidade os títulos de seus livros quando numa livraria em Paris dois anos passados. Questionado por mim a respeito do autor, o livreiro nada soube informar. Adquiri três obras e gostei imenso. Na recente viagem à capital francesa, vários amigos já estavam a ler com o maior interesse a obra de Sylvain Tesson. Anteriormente já resenhara três de seus livros: Petit traité sur l’immensité du monde e L’axe du loup (28/05/2011), assim como La marche dans le ciel – 5.000 km à pied à travers l’Himalaya (25/02/2012), caminhada essa percorrida em companhia de Alexandre Poussin.

Sylvain Tesson tem a sabedoria de um “eremita” andarilho. Diferentemente do que faz o romance a partir da criação de personagem(s), Sylvain Tesson é figura que tece reflexões à medida que os espaços vão sendo transpostos. O imenso acúmulo de quilômetros percorridos a pé ou de bicicleta pelo mundo fê-lo ver in loco povos, costumes, a natureza bela ou preferencialmente inóspita e, como afirma, “a solidão é minha fiel companheira”. Preenche a realidade com rico imaginário e a metáfora parece ser seu porto seguro. Se lhe falta nessa área a poética plena de encantamento de Saint-Exupéry, que amalgama realidade e devaneio, sobra-lhe  pragmatismo.

Em Éloge de l’énergie vagabonde (France, des Équateurs, 2007), Tesson realiza possivelmente a sua mais árdua e árida aventura, ao percorrer a Ásia Central do Ubequistão à Turquia seguindo a rota da tubulação que serve para levar o petróleo e que atravessa o Azerbajão, a Geórgia e o Kurdistão. Mares internos – Aral, Cáspio e Negro – são circundados ou aflorados, e em bicicleta ou a pé Sylvain Tesson realiza o seu “périplo” terrestre até chegar ao Mediterrâneo na Turquia. Escreve: “A inspiração dessa viagem surgiu de minha paixão pelos oleodutos. Os tubos me obsecam e seus traçados  me encantam. Posso contemplar durante horas as estrias desenhadas na rede sobre as cartas de geografia. Assemelham-se aos intestinos de algum deus da energia que teria feito hara-kiri diante das ameaças da penúria dos hidrocarburetos”. Acrescenta, em outro segmento: “Um pipeline é um fantasma da cartografia, uma cicatriz no terreno tão retilínea como um traço sobre um mapa”.

Esse fascínio do autor poderia desestimular leitores devido à agrura do tema. Ledo engano, o longo trajeto percorrido “sem motor” dá a dimensão de Tesson. Observa tudo, e os mínimos pormenores de costumes, por vezes antagônicos, chamam a atenção do andarilho. Países da ex-União Soviética são transpostos durante o verão e temperaturas que chegam por vezes aos 52º, apesar de fatigarem Tesson, “a estepe cria o deserto em mim”, não o desestimulam. Segue o caminho da tubulação e fica impressionado pelo fato de que a poucos metros do solo a riqueza acumulada durante milhões de anos corre por pipelines em direção à Turquia de onde seguirá para o mundo, mormente os Estados Unidos. Tece considerações sobre pró e contra oleodutos. Os mais conscientes têm noção que finda a recolta – talvez uns 100 anos -, países terão de sobreviver com parcos recursos, mercê da aridez de territórios inóspitos da Ásia Central. Assistir àquela viagem do óleo bruto o angustia, mormente ao pensar que a profundeza da Terra está a se exaurir em prol do consumo exagerado em progressão geométrica. Seguir o pipeline, a pé ou de bicicleta, significa acompanhar o prenúncio de um caos que certamente virá, após todos os recursos de hidrocarburetos esgotados. Se considerado for que só os U.S.A, com população de 5% de pessoas existentes na Terra, consomem 25% dessa energia que vem das entranhas do planeta, há que se compreender determinadas atitudes dos povos da região.  Tesson capta as mensagens no dia a dia durante o percurso. Visita os postos e terminais, atravessa aldeias e cidades, tem de conviver com o tórrido calor, que por vezes o sufoca. Nada, contudo, tira seu estímulo. Não afirmaria que “a nostalgia é uma preguiça”?  Vem-lhe a metáfora do livro a partir do ouro negro: “Assemelha-se ao barril de óleo bruto. Nele dorme o pensamento. Ele se condensa entre as folhas, como os hidrocarburetos entre as camadas do subsolo. Para se liberar, a força das palavras espera o refino da leitura”.

Sylvain Tesson por vezes percorre dezenas de quilômetros em pleno sol causticante e irrita-se com o vento de proa que o impede de ir mais rápido, assim como bendiz o vento que o atinge no dorso. Contudo, não deixa de observar pormenores, que retém com rara acuidade: “O frescor da Anatólia reaviva minhas forças. Meu corpo se descontrai e recorda, pois possui a memória da felicidade”. Esse rememorar, segundo Tesson, nos faz retornar ou provar novamente aquilo que em algum dia do passado, deu-nos prazer. Escreve: “Essa energia da lembrança dos momentos felizes nos dinamiza e nos leva a querer recriá-los”.

A trajetória empreendida pela Ásia Central propicia ao autor observar costumes dos povos da vasta região. Dos muçulmanos tece comentários sobre a valoração masculina e o papel reservado às mulheres, em seus trajes típicos cobrindo por vezes todo o corpo, assim como o chamamento à oração pelo muezzim do alto do minarete. Presenciou em lugares diferentes e não fica alheio ao fato, comenta-o: “Somando-se ao espesso visco atmosférico, às dezesseis horas ecoa o chamado do muezzim. Elevo o olhar em direção ao minarete, esse mirador destinado a vigiar o caminho da fé em direção aos corações de fiéis que se encaminham sob as cúpulas. Um primeiro canto cai do céu, logo seguido por outras encantações que nascem uma a uma de cada ponto cardeal”.

A longa travessia leva Tesson à uma conclusão drástica sobre o planeta em perigo. A metáfora que elabora fá-lo refletir sobre a febre: “Ninguém pensou até agora que o aquecimento climático assemelha-se a uma febre gripal. Quando um organismo vivo sofre o ataque de um vírus, a reação inflamatória aumenta a temperatura interna e a febre se declara como uma das aliadas da luta contra o mal. O corpo combate, aquecendo. Responderá a Terra à febre causada pelo vírus que seria constituído pela humanidade?” Continua: “Não são mais as ideologias que agitam a humanidade superpovoada, tampouco o entusiasmo messiânico que a levanta, nem a agressividade dos governos que a sacode, nem os nacionalismos que a atravessam, mas a imensa pressão das necessidades crescentes e a exasperação de ter esperado tanto para satisfazê-la… A Terra assemelha-se a uma bola em chamas”. Nesse quadro pessimista, Tesson acredita que a teoria do decrescimento encontra um impasse. Ninguém está interessado em iniciar o grande caminho em direção à desaceleração. Comenta: “Na teoria, cada um está de acordo em baixar a temperatura dos motores de nossas existências, viver sem petróleo, banir o plástico. Todavia, com a condição de não ser o único. Decrescer sim, mas não de maneira individual. E ninguém começará”.

Éloge de l’Énergie Vagabonde é livro de grande interesse, mormente pelo fato de o “profeta” andarilho ter percorrido lentamente essa imensa teia que leva o ouro negro ao consumo crescente e desmesurado. Há profunda coerência em toda a narrativa e o final bem poderia ser uma das frases de Sylvain Tesson no início do livro: ” O capitalismo é a redução do intervalo entre o momento em que compramos um objeto e o trocamos”.

This post is an appreciation of the book “Éloge de l’Énergie Vagabonde”, in which the French geographer and world traveler Sylvain Tesson tells about his long march through the harsh steppes of Central Asia, following the route of the pipelines that convey oil to the rest of the world, while musing on different cultures, human condition and the future of civilization.

 

            

Considerações Sensíveis

O homem olímpico não ignora o seu contrário,
não foge à sua dor: utiliza-a como a um instrumento de perfeição.
Agostinho da Silva (Parábola da Mulher de Loth, 1944)

Foi numeroso o volume de e-mails focalizando a personalidade da Professora Olga Rizzardo Normanha, tema do post precedente. Alunos e amigos lembraram episódios de interesse dos quais a professora participou, seja no convívio amistoso ou em eventos envolvendo a apresentação de seus incontáveis alunos ao longo das décadas.

Como sempre faço, tive de selecionar e-mails. Gostaria de colocá-los todos. Contudo, para o presente post  escolhi, excepcionalmente, três poemas dedicados à Olga Normanha, com matizes bem diferenciados. De Paris, o professor português Fernando Rosinha, enviou-me um poema reflexivo e metafórico. A professora e poetisa Maria Cândida Ribas comove-nos com poesia etérea e, de Campinas, a irmã da pianista Sônia Rubinsky, Fany, que igualmente estudou com Olga Normanha,  envia-nos singelo texto em forma poética, a observar qualidades inalienáveis da mestra. Nessa seleção constam ainda mensagens pungentes de Mônica Sette Lopes (Belo Horizonte), François Servenière (França), Idalete Giga (Portugal) e Jenny Aisenberg (São Paulo). Como tributos à minha saudosa sogra, apresento aos leitores os  sensíveis textos recebidos.

Fernando Rosinha:

O último concerto da professora e pianista Olga Normanha

Agora e na hora da nossa morte

No êxtase final de muro ou de caixão,
Esquecem-se os desejos. Foi-se embora a nostalgia.
Morrem a fome e a guerra. Uma sinfonia
foi desligando a luz que palpitava em nossas mãos.

Junto da cor das rosas que me afagam, choras.
Lua a rezar por mim ao pé das horas
em luto, doem o amor e a sedução
que deram brilho ao nosso olhar de outrora.
Na lareira da terra se apagou o lume
e o vento afaz-se à noite sem queixume.
São horas de colher o gesto que às minhas mãos desceu como essa flor
que encontrou na montanha a luz e um rumor
de rio onde corre a melodia
que faz do pianista o coração dum dia.

O sonho foi-se. O céu somente em Deus se conservou.
O ficar do teu carinho cheira a rosas.
A fonte dos teus olhos no meu rosto se espantou.
A flor que em lágrimas se abriu, dos lábios nos voou.
Será que só a alma dá certeza e vida às coisas?
Ensina-me a sonhar noutra verdade.
Por mais que eu some as coisas só terei o paraíso
no eco do que fomos e na teia do teu riso.

Por mim andava sempre essa lembrança no rumor duma ansiedade
caiada com sabor de eternidade.

Nosso passado embrulha e põe-mo na algibeira como um canto e um segredo.
Assim tu vais ficando e eu irei sem medo.

Teus lábios lembram tantos sins e tantos nãos,
tantos pianos a subir pelo céu das tuas mãos.

Não sei se foi tristeza ou arcanjo que esta noite veio.
Ó Mãe de Deus acolhe a tua filha entre as rosas do teu seio.

Maria Cândida Ribas: 

Memórias

Ouço uma melodia….
Busco um caminho…
Uma ansiedade saudosa, infinda…
Os meus sentidos …pressentem…
Vibrações divinas….
Fantasias do inconsciente…
Harmonia plena…
Notas suaves e fortes…um desejo…
O tempo passando..e, de repente..
Num olhar que se fita…
A sua lembrança, o seu canto…
E eu, percorrendo em meus sonhos..
O desejo do reencontro,
O caminho do encontro!

Fany Rubinsky:

Em nome dos Rubinsky

Dona Olga – luz que nos guiou: luz que nos iluminou.
Dona Olga – estaca fundamental na nossa formação.
Os cinco adolescentes privilegiados foram envolvidos
por essa personalidade marcante, firmeza e determinação.
Dona Olga nos adotou
E com amor maternal moldou nossa personalidade.
Moldou nossa alma.

Não foram somente aulas de piano.
Foi uma vivência intensa
Em um mundo privilegiado de arte e criatividade.
E, mais do que tudo,
Um preparo para nossas vidas futuras.

Sempre ali
Presente no nosso dia a dia.
Acreditou nas nossas possibilidades nascentes,
e nos incentivou
e nos guiou, supervisionando nosso desenvolvimento.

E assim, sob essa luz mágica,
Fomos nos transformando
E crescendo interiormente.

Hoje esta luz não se apagou,
Não para nós,
Privilegiados que fomos
E continuará acesa
Dentro de cada um de nós
Como algo de muito especial
E único
E essencial
De nossas vidas.

Mônica Sette Lopes:

“Meu caro amigo, só agora tive jeito de passar pelo blog e de perceber qual era o tópico de hoje. Chorei várias vezes. Choro leve, como deve ser quando a vida se apresenta tão integramente vivida. Sinto por vocês, por sua Regina e pelas meninas todas. Ando muito sensível com esse tema da idade e da morte por causa dos meus – todos já avançados nos anos e com as dificuldades e surpresas próprias. Mas o bom é que todos temos história e nós com eles. E mesmo que não tenha jeito (sempre digo que a lembrança do meu pai é tão forte como se fosse de ontem e que ele é presença tão forte como quando chegava à noite do trabalho, nada disse é certo interferindo no jeito de entender as coisas, nada disse me deixando triste ou fraca)”.

François Servenière:

Verdadeiramente estou ainda emocionado pela leitura do admirável artigo sobre sua sogra. Estou a ouvir o Concerto nº 3 de Beethoven sob os dedos de Regina. Trata-se de um piano magnífico e sublime, malgrado a qualidade na época da gravação. Seria de suma importância a remasterização desse registro fonográfico como gravação histórica da Regina!

Teu artigo é sublime, pois traduz a proximidade e a perda, mas a deixar um lugar honorífico à vida e à história de Olga Normanha. Um pensamento ocorreu-me: que pena que um escritor ou historiador não se debruce sobre a história dessa mulher, seu método de ensino, a história da família. Poderá interessar numerosos leitores do Brasil, os melômanos, musicólogos, acadêmicos e pedagogos. As histórias de homens e mulheres de valor têm isso de precioso, são exemplos que fundamentam outras vidas e outras histórias, outras lendas e outras excelências, ao lado da genealogia biológica. Sob outra égide, há muita emoção contida com pudor em todas as belas frases apologéticas, em todas essas pequenas ações das crianças, netos e bisnetos, no cemitério…” (tradução JEM).

Idalete Giga:

“Quero, antes de mais, expressar o meu pesar pelo falecimento de sua sogra a Profª Olga Rizzardo Normanha. O poema de Romain Rolland O ma vieille compagne…é um belo prelúdio para o texto que se segue. Pela descrição que faz em sua memória posso, sem a ter conhecido, seguir e ao mesmo tempo admirar o seu percurso de vida incansável como artista, pedagoga, mãe, avó e sogra dedicada. O retrato da avó, que sua filha Maria Fernanda desenhou com grande sensibilidade, revela não apenas uma mulher fisicamente muito bela. É também um retrato psicológico que nos mostra uma mulher terna, generosa, determinada, olhando longe para o horizonte. A Regina teve o privilégio de a ter tido não só como mãe, mas também como mestra. Ouvi a gravação do Rondo-Allegro do Concerto nº3 de Beethoven que a Regina fez apenas com 15 anos! Achei notável, uma adolescente já com este nível! A Regina é, de facto, uma grande e talentosa pianista!!!”

Jenny Aisenberg:

“Fiquei emocionada até as lágrimas pela Olga, pelo piano interpretado pela jovem Regina e pela mensagem de Servenière”.

Há anos, em plena consciência, Olga Normanha doaria todo seu acervo, que conta um pouco da história de sua escola pianística em Campinas, através de quantidade expressiva de cartas, programas, artigos, críticas e notícias em jornais e revistas, assim como fotos que documentam um período culturalmente expressivo da cidade. A Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) recebeu essa preciosa doação.

The post on the death of my mother-in-law has resulted in many condolence messages, a comfort to my family. Written in prose and verse, I chose some of them for this week’s post for I believe they are worth reading even for those outside our family circle.