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Recomendações preciosas do meu saudoso Pai

O gado sabe quando deve deixar de pastar,
mas o homem estúpido não conhece a medida do seu apetite.
Se desejas ter uma vida mais longa, um corpo com boa saúde, vigoroso e com bom apetite,
e travar conhecimento com as obras maravilhosas de Deus,
trata em primeiro lugar de pôr o apetite dentro dos limites da razão.
Acautela-te de pequenas extravagâncias; uma pequena fenda pode naufragar um navio.
Benjamin Franklin (1706-1790)

O blog recente, “L’Art de bien gérer sa santé”, foi lido pelos meus irmãos Ives e José Paulo, que sinalizaram que nosso Pai, José da Silva Martins (1898-2000), sem mencionar a obra do notável médico francês Paul Farez (1868-1940), seguiu muitos de seus preceitos ao escrever o seu próprio livro, “Saúde”, bem recebido pelos leitores.

Quando da edição (São Paulo, Martin Claret, 1995), li e comentei reiteradas vezes com meu Pai sobre as normas por ele seguidas para a manutenção da sua própria saúde, pois ao escrevê-lo estava nos seus 97 anos, vindo a falecer três semanas antes de completar 102 anos. Disse-me que o ilustre cardiologista Adib Jatene (1929-2014) generosamente confessou-lhe que o Pai sabia melhor como manter a saúde do que ele próprio.

“Saúde” é o resultado da experiência de vida do nosso progenitor, que a mantinha através de um método rigoroso. Até adentrarmos a plena juventude, nosso Pai nos fez seguir muitos dos seus conhecimentos práticos relacionados à saúde, preferencialmente no que concerne à alimentação, como também aos cuidados físicos através da ginástica sueca, muito praticada no período. Escreveu os preceitos elencados no livro e que transmito ao leitor:

“1º) Torne indispensável o uso diário de um comprimido de: Complexo de Vitaminas B + C, Vitamina E, Vitamina A, divididas nas três principais refeições; 2º) Tome ao jantar, se possível, um comprimido de óleo de alho, levando em consideração que o alho e a cebola, sendo barreiras contra os resfriados e gripes, são dois produtos indispensáveis para uma boa saúde; 3º) Beba de litro e meio a dois litros de água diariamente, fora das refeições, a fim de que detritos dos emunctórios sejam eliminados. Destes detritos não eliminados dimanam muitas doenças. Não beba, porém, nenhum líquido senão depois da digestão completada, isto é, duas ou três horas depois de cada refeição, porque qualquer líquido vai perturbar a digestão nesse interregno; 4º) Se o leite é indispensável à criança, é prejudicial ao adulto e perigoso para o doente. Pode alguém tolerá-lo, mas não recebe benefícios dele; 5ª) Faça ginástica suave, que movimente todos os órgãos do corpo. Se de idade avançada, ande algum tempo, seja até em casa ou apartamento. A marcha é a melhor das ginásticas; 6º) Três a cinco vezes por dia, espaçadamente, faça respirações profundas, que atinjam todo o seu aparelho digestivo e os pulmões, porque na respiração normal há partes desses órgãos em que o vivificante oxigênio nunca chega. Retenha por segundos o ar desta respiração mais profunda; 7ª) Evite a ociosidade e o cansaço. A vida é movimento, segundo Pascal; mas, se avançado em idade, nada faça que o possa cansar; 8º) Que a base da sua alimentação seja composta de legumes e frutas, que prolongam a vida com saúde, enquanto carnes e peixes a diminuem. Dentre as carnes, prefira a branca à vermelha; 9º) O açúcar industrial, como os doces, são maus alimentos, enquanto que o açúcar das frutas é um ótimo alimento. Eis a síntese dos conselhos que ofereço para uma vida com saúde e que por mim são vividos”.

Sistemático, nosso Pai seguia à risca determinados preceitos. Entendia serem o alho e a cebola preciosos. Insere no livro um provérbio muçulmano: “Coma cebola durante um ano, se queres saborear mel durante toda a vida”. Quanto ao leite (item 4), jamais o vi tomar um gole sequer. Dizia ele que nenhum mamífero, após desmamar, retornava às mamas maternas. A ginástica sueca matutina (item 5) era-lhe indispensável, acompanhada de prolongadas respirações que preenchiam os pulmões até a base, como dizia. Realmente evitava a carne vermelha (8º item) e mui raramente a consumia. Quanto ao açúcar industrial (item 9), era taxativo e evitava solenemente doces ou outras guloseimas. A respeito da água (3º), bebia pela manhã, lentamente, uma quantidade razoável, mastigando-a. Dizia que assim procedendo ela já estaria incorporada ao organismo. Tinha ele um conceito bem diverso no que concerne à cerveja, pois “…ela encharca o estômago”, mercê da quantidade geralmente excessiva que é bebida não solitariamente.

Um dos hábitos que meu Pai sempre teve foi o de beber moderadamente em todas as refeições uma taça de vinho. Estou a me lembrar de várias vezes na minha infância tê-lo visto receber vinho em barricas de tamanho médio vindas de Portugal e pessoalmente engarrafá-lo. Também vertia um pouco de vinho à sopa, carinhosamente preparada por nossa saudosa Mãe, sopa essa infalível todas as noites.

“Saúde” aborda um tema de real importância referente à quantidade de alimentos consumidos e um posicionamento de nosso Pai foi fartamente presenciado pelos filhos. Escreve: “Os homens, em sua maioria, excluindo-se o Terceiro Mundo, comem o dobro de suas necessidades. Com esse erro, diria até vício, esgotam suas forças vitais, e um cortejo de enfermidades os acompanha, tendo o seu epílogo na morte prematura”. Tão fortemente acreditava nessa disciplina alimentar que, em segmento outro, comenta: “Mastiga cada partícula de alimento perfeitamente; saciarás assim, com metade do alimento habitual, o apetite, economizando forças vitais aos teus órgãos digestivos e terás melhor assimilação”.

O livro contém inúmeras citações de personagens históricas que mencionam dados sobre a saúde e até sugerindo alimentos salutares. Uma delas de Pitágoras, quinhentos anos antes de Cristo apregoando que as favas, leguminosas da família do feijão, eram nocivas à saúde, citação precedida por posicionamento do autor: “O feijão, bom para o trabalhador braçal, é pesado para o trabalhador intelectual”. Em um dos segmentos do livro, nosso Pai menciona uma série de legumes e verduras, indicando os seus benefícios.

“Saúde” apreende ensinamentos vivenciados durante sua longa existência. Seus outros livros tratam da “Saúde” mental e espiritual, finalizando o ciclo fundamental para uma vida saudável de maneira homogênea. Foi apenas aos 86 anos que publicou seu primeiro livro, sendo que o último, “Breviário de Meditação”, foi escrito aos 101 anos.

Não seria a menção de um pensamento do Padre Manuel Bernardes (1644-1710) – “Não há modo de mandar, ou ensinar, mais forte e suave de que o exemplo; persuade sem retórica, reduz sem porfia, convence sem debate, todas as dúvidas desata, e corta caladamente todas as desculpas” -, o objetivo do precioso livro “Saúde”?

In the book “Saúde” (Health), written by my father when he was 97, there is a summary of the procedures he followed during his long life, which lasted until he was 102.

Ives Gandra Martins em confissões sensíveis

Já disse que sem ti não sei viver,
Pois tu és, para mim, meu próprio ser.
Ives Gandra da Silva Martins
(Extraído do “Soneto lido para meu amor em seu ouvido”. 25/01/2021)

De maneira crescente assiste-se na atualidade a transformações em princípios que permaneceram basicamente inalterados, por vezes durante séculos. A vulgarização sem filtro algum de determinados conceitos voltados aos costumes e à moralidade afigura-se-me como alerta para parcela imensa das novas gerações. Banalizaram-se as culturas e também de maneira rápida elas estão sofrendo mutações. Os avanços tecnológicos que atingem incontáveis segmentos da atividade humana trazem problemas que estão longe de serem resolvidos. Poder-se-ia acrescentar que essas transformações já fazem parte da estrutura mental dos jovens, mormente dos nascidos no alvorecer deste século, que com elas convivem desconhecendo quase sempre as conquistas anteriores.

A instituição do casamento, à força das mutações acima citadas e outras mais, tem sido questionada graças igualmente à posição mais independente da mulher na sociedade atual e aos múltiplos impactos daí advindos. Essa liberdade, propalada acentuadamente nos tantos sites espalhados, propaga-se diariamente com várias nuances, nem sempre dignificantes para a mulher. Num espaço de dez anos, 2010-2020, houve um nítido abreviar quanto à duração de um casamento no Brasil, de 16 para 13 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Poder-se-ia acrescentar que os casamentos à moda antiga, no que tange à duração, tornam-se mais raros. Nossos pais foram casados durante 65 anos e, na nossa geração, há muitos remanescentes que ultrapassaram a sexta década de união.

Essa premissa se faz necessária pelo fato de ter recebido o novo livro de poemas do meu dileto irmão, Ives Gandra Martins, que foi casado durante 62 anos com a saudosa Ruth, vítima de Covid em 2021 (“Sonetos de amor para Ruth ausente”, Anápolis, Chafariz, 2024). Creio que Ives deva ter escrito bem mais de 1.000 poemas à sua amada Ruth. Após o seu falecimento, confessou-me que todas as manhãs escrevia um pequeno poema a ela dedicado. Do presente livro constam 170 sonetos post-mortem de Ruth, todos inspirados nesse afeto transcendente. Às suas dezenas de livros sobre especialidades no campo do Direito, somam-se os poéticos. “Os meus 20 livros de poesias até a sua morte foram-lhe dedicados”, escreve no prefácio a homenagear Ruth.

Ives é uma figura rigorosamente impoluta e, como se diz em Portugal, irretocável. Na área jurídica uma das figuras mais respeitadas neste país de tão difícil compreensão e um homem de fé cristã inabalável.

Ao longo da existência conheci raríssimos casais que viveram em harmonia absoluta durante o casamento. Ives e Ruth formavam o modelo exemplar de afeto e de compreensão. Jamais soube de um desentendimento, tão comum entre marido e mulher. Conheceram-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, namoraram e noivaram durante cinco anos e o casamento se deu em 1958. Todas as imensas contribuições de Ives nas áreas do Direito Constitucional e Tributário, e reverenciadas por seus ilustres pares, tinham em Ruth, a esposa delicada, a companheira rigorosamente singular que o estimulava sempre com serenidade. Os seis filhos, genros e netos compartilhavam o entendimento do casal de exceção.

Os Sonetos de Ives são de fácil leitura. Toda a sua veia poética, um dos atributos que o levou à Academia Paulista de Letras e a outras tantas espalhadas pelo país, tem a simplicidade franciscana, pois é o transbordamento de uma alma límpida que se distancia de proselitismos.

Insiro três poemas que atestam o culto à rima, ao rigor da forma e à comunicabilidade. Ives evita elucubrações na tentativa de enunciar propósitos. Não seria a total ausência de empáfia poética uma das maiores homenagens à sua eterna Ruth, que viveu a existência cultuando o bem, a fraternidade e o despojamento?

Ruth

A dor e a paz eu sinto a cada instante,
Perdi o meu amor de toda vida,
Amei-a sempre desde que era infante,
Sem aceitar jamais a despedida.

Nos céus, Deus a recebe como santa,
De lá a todos nós protegerá.
A Virgem cobrirá com sua manta,
Mais bela que a da bela de Sabá.

A paz é que, no tempo, a reverei,
Pois ela sempre foi o meu caminho
E versos para ela escreverei,
Com Cristo, em pleno amor e com carinho.

Dê-me força, querida, nesta trilha,
Para bem conduzir nossa família.

Amo-te sempre

Eu te amo, Eu te amo, Eu te amo, amada minha
No passado escrevi, pleno de amor,
O tempo passa e sigo a mesma linha
De continuar amar-te com ardor.

A distância do eterno nos separa,
Não há, porém, no amor qualquer distância,
Talvez amar-te tanto é coisa rara,
Mas tem este querer doce fragrância.

Tu lembras quando a ti toda semana
Sonetos e poemas te compus?
Mas hoje, continuas soberana
Em meus versos, brilhando tua luz.

Consola-me saber que cada dia
Mais perto estou de ver-te, na alegria.

Meu aniversário

Ao acordar senti tua presença
Como em ouvir “Feliz Aniversário”
E teu amor lembrado, em nossa crença
Forjado no bater de um campanário.

É como se estivesses ao meu lado
Com filhos, genro, nora e com os netos,
Estes comigo estão e abandonado
Nunca me sinto em meus sonhos completos.

Eu sei que onde estás a nós bem vês,
Intercedendo sempre pelos seus
E passam-se assim mês após mês,
A família na Terra e tu com Deus.

Em meus oitenta e sete, estou, querida,
Ainda em plena luta pela vida.

No pórtico dos 90 anos, Ives continua a semear o bem e os posicionamentos precisos, libertos das ideologias que tanto têm prejudicado o país, para gáudio dos seus familiares e de todos aqueles que têm o privilégio de conhecê-lo pessoalmente ou através dos seus ensinamentos.

My dear brother Ives Gandra Martins, a notable jurist, a righteous figure with an intense Christian faith, sent me a book, “Sonetos de amor para Ruth Ausente”, in which he pays tribute to his beloved wife, who died in 2021, and to whom he was married for 62 years.

 

 

Livro do Doutor Paul Farez editado em 1928

Preventiva, eis o que se espera da medicina futura;
que se torne sem demora a medicina atual.
É na prática regular, assídua,
que reside verdadeiramente a
arte de bem administrar sua saúde.
Docteur Paul Farez (1898-1940)
(“L’Art de bien gérer sa santé”, 1928)

Da seletiva biblioteca de nosso saudoso Pai, José da Silva Martins, escritor nas últimas décadas da sua longa existência (1898-2000), herdei  parte da extensa coleção. Meses atrás folheei “L’Art de bien gérer sa santé” (L’Expansion Scientifique Française, Paris, 1928) do Docteur Paul Farez (1868-1940), médico francês autor de inúmeras obras a abordar moléstias, causas e como enfrentá-las visando a uma cura possível.

Estou a me lembrar de um outro livro, este de Paul Carton (1875-1947), cujo destino ignoro. Dele o meu Pai mencionava o método necessário para a conservação de uma boa saúde e várias vezes ouvi-o citar um dos axiomas do autor, que dizia que aos trinta anos o homem deveria ser médico e padre no que concerne à saúde, física e mental.

Após folhear o livro do médico psicopatologista Dr. Farez, veio-me o interesse de paulatinamente percorrer as suas páginas e refletir sobre a acuidade, precisão e didatismo do médico-escritor, que percorre um número expressivo de doenças com naturalidade, sem a volúpia monetária tão presente na medicina particular especializada nos dias atuais, apenas com a vontade de transmitir conceitos que podem ajudar na prevenção das moléstias. Há constantes referências às providências primeiras, mormente se regressarmos a 1928! Essa naturalidade ao expor seus conceitos e aconselhamento forçosamente fez-me pensar no modus operandi de um médico respeitado entre seus pares e que nesse livro se preocupa em diagnosticar os males e suas consequências, o que o torna enciclopédico, àquela altura distante de um século das conquistas da medicina hodierna e  tendo a prevenção como primeira barreira frente às doenças.

Os seis capítulos, após a esclarecedora introdução, “A saúde por meio da medicina preventiva”, abordam as moléstias físicas e psíquicas: As doenças, As pequenas misérias, As atitudes mentais, As emoções e as tendências, O comer, O beber. Subdivididos em vários subcapítulos, instruem o leitor, alertando-o insistentemente para que seja vigilante e aos primeiros sinais procurar inicialmente um médico de família, aliás bem mais comum em épocas passadas. Recordo-me do nosso clínico geral, Dr. Semi Sauda, que nos acompanhou com diagnósticos precisos nas primeiras duas décadas. Os capítulos do livro visam prioritariamente a esclarecer princípios elementares para a manutenção de uma boa saúde. Considera que a indiferença, a despreocupação e a inércia tantas vezes impedem o cidadão portador de um mal qualquer de procurar um médico. Frase do Dr. Paul Farez soa bem atual: “Tenho medo, diz-se correntemente, de que descubram alguma coisa, eu não quero saber”, peristilo da possível tragédia.

Fiquei a pensar na nossa realidade, comparada aos ensinamentos do Dr. Farez publicados em 1928. Em todos os capítulos o médico tece explicações claras sobre os males que afetam o humano. Enfatiza com frequência absoluta a importância da prevenção, máxime daqueles que vivem distantes das cidades ou no campo. Àquela altura as dificuldades de acesso aos centros maiores desencorajavam o cidadão a buscar tratamento. No livro em pauta, para os males menores indica tratamentos básicos. Comenta: “Sim, diante de algumas condições mórbidas, nós estamos, hélas!, quase desarmados, se não totalmente. Contrariamente, a maioria dos males são curáveis desde que diagnosticados a tempo; quase todos são evitáveis. O prático de hoje tende a ser um médico para aqueles com boa saúde. Ele exerce em seu entorno uma influência moral, esclarecendo os seus semelhantes, difundindo a higiene, profilaxia e a conservação da saúde, assim como a se distanciar das doenças. Nesses preceitos reside o verdadeiro triunfo da medicina! O médico o fará compreender que a saúde é o primeiro entre todos os bens, sem o qual todos os outros são desprovidos de charme, e também que a saúde não é um direito, mas uma recompensa: há que  merecê-la”. Em França, nos dias atuais o clínico geral é denominado médecin généraliste.

Entre tantos males que grassavam há um século atrás e que a ciência, através de pesquisas, conseguiu debelar há tempo, graças aos antibióticos, vacinas tantas, à parafernália de medicamentos, aos precisos exames laboratoriais e à evolução extraordinária da maquinaria cirúrgica, que resultam em bem maiores possibilidades para a cura, com acuidade o Docteur Paul Farez se detém nas moléstias mais comuns àquela altura, a enfatizar sempre e insistentemente a prevenção.

Merecem especial atenção aos distúrbios físicos que assolavam a França. Hemorragias cerebrais, demência, arteriosclerose, hipertensão, tuberculose… Detém-se nas práticas saudáveis, na escolha dos alimentos, na bebida moderada, na insônia, para a qual reserva subcapítulos preciosos. Todos esses temas são tratados com uma dose de afeto, poder-se-ia acrescentar, resultado de sólida cultura humanística do autor.

Determinados órgãos são pormenorizados, o fígado, o esôfago, o que faz supor a quantidade de pacientes tratados. Quanto ao primeiro, preocupa-se com a insuficiência hepática, que “evolui discreta, sorrateira, silenciosa. No início ela passa desapercebida; eis um doente que se ignora. Quando ela se manifesta, há muito tempo está instalada”. Sobre as crianças de pais com insuficiência hepática, tece interessante consideração: “Vossas crianças! Herdarão seus bens? Não é certeza. E vossos males? Não duvide, pois são herdeiros desde a infância”.  No subcapítulo sobre alimentos e bebidas, ao abordar o vinho comenta: “Na França, país dos vinhedos, o alcoolismo, hélas, não cessa de crescer. Mas o vinho não é o responsável, tenha a certeza; todo o mal vem daquilo que bebemos, melhor dizendo, dos aperitivos”. Quanto ao esôfago, preocupa-se, e muito, com problemas advindos nas refeições, em especial com espinhas de peixes ou ossos de pássaros que se instalam e que podem levar à morte, máxime dos habitantes de lugares mais ermos.

O Dr. Paul Farez dedica um capítulo sobre as emoções e os sentimentos e pormenoriza o benefício das lágrimas, os cuidados que se deve ter com a higiene mental, os afetos na terceira idade…

Contudo, um subcapítulo tem especial interesse: “O câncer tem cura?” Àquela época, morriam do mal 40.000 anualmente, só em França. Enfatiza, “… confessemos com humildade: o câncer continua a ser o grande enigma médico; nada sabemos nem da sua origem, tampouco da sua natureza – portanto, seu tratamento não existe”. À medida que o tema é desenvolvido, o Dr. Farez indica que processos como cirurgia tão logo o mal detectado, eletroterapia, radioterapia poderiam ter tênues resultados. A biopsia já existia e o autor a elogia bem, mormente como alerta. Estou a me lembrar de que em 1915, treze anos antes da edição do livro em pauta, o grande compositor Claude Debussy (1862-1918), após dois anos já com sintomas, foi operado de um câncer retal, vindo a falecer em Paris em decorrência da doença três anos após. Curiosamente, o Dr. Farez questiona: “Qual seria o agente causal do câncer? Um micróbio, um parasita, um fermento? Irritações externas, perturbações das secreções internas, perversão do crescimento celular, diátese especial, artritismo, hereditariedade? Todas as hipóteses foram invocadas; nenhuma delas apresenta a menor prova”. Um século após, apesar dos avanços da medicina nesse mister a buscar a cura do Câncer, a humanidade aguarda a tão esperada erradicação desse mal.

Foi-me de real interesse a leitura de “L’Art de bien gérer sa santé”. O espaço que reservo aos blogs semanais impossibilitam tratar de todos os palpitantes e tão bem esclarecidos temas expostos pelo Dr. Paul Farez. Contudo, para finalizar, mencionarei uma frase do autor constante do subcapítulo do quarto capítulo: “Por que e como as pessoas se tornam dependentes de drogas?”. A menção, publicada em 1928, é atualíssima e poderia ter sido escrita neste sábado, 29 de Junho de 2024: “Dificilmente passa um dia sem que a imprensa noticie a prisão ou a condenação de algum traficante, detentor ou consumidor de morfina ou cocaína. Isso prova que nossa polícia está vigilante, mas também que essas drogas continuam a causar estragos”.

I enjoyed reading “L’Art de bien gérer sa santé”, by the illustrious Dr. Paul Farez, a psychopathologist and author of several books on medicine. Written in 1928, it belonged to my late father’s library.