Uma das obras mais significativas do compositor

Tal é o título exato e completo da mais negligenciada,
talvez, das grandes obras para piano de Schumann.
A composição é longa, difícil de se construir,
desconcertante por certos aspectos
e seu estado de espírito não é de fácil abordagem.
Harry Halbreith (1931-2016)

Entre as gravações que realizei em Mullem, na região flamenga da Bélgica, para o selo De Rode Pomp, consta uma obra capital do compositor alemão Robert Schumann, a Grande Humoresque op. 20. Ao idealizar o CD Schumann-Scriabine (1872-1915) busquei a aproximação dos dois compositores, distantes cronologicamente, pertencentes ao caudaloso período romântico e que escreveram muitas obras sob a égide imperativa das paixões: Schumann por Clara; Scriabine por Vera e, posteriormente, por Tatiana.

Importa saber que Clara (1819-1896), jovem de pouco menos de três lustros, e Robert se apaixonaram, apesar da negativa do pai da promissora pianista, o renomado professor de piano Friederich Wieck (1785-1873). Nesse tumultuado período, Schumann escreve as suas mais importantes criações para piano. Após uma série de percalços, a incluir disputa em tribunal, casaram-se em 1840 e tiveram oito filhos, sendo que Clara não interromperia seus recitais. Tardiamente Friederich Wieck se reconciliaria com o casal. Apesar da intensa vida amorosa voltada a ideais comuns, pouco a pouco Schumann apresentaria problemas mentais que o levariam à tentativa de suicídio no rio Reno em Fevereiro de 1854 e, a seu pedido, internação em sanatório, onde morreria aos 46 anos. Clara se consagraria como uma das maiores pianistas e pedagogas de seu tempo, assim como compositora, a divulgar intensamente as obras de Schumann, vindo a falecer aos 76 anos.

Relevante uma carta para Clara a sintetizar o afeto intenso: “Entre todos os pensamentos e imagens sombrias, você vinha saltitando ao meu encontro como um passarinho… Desde essa época, uma ideia brotava em mim, vaga como um crepúsculo, de poder esposá-la um dia, mas esses pensamentos flutuavam num futuro distante. Fosse o que fosse, eu te amava desde esse período, eu te amava de todo meu coração, na dimensão permitida pela idade”.

O período a anteceder o casamento levou Schumann à criação, entre 1834-1839, de relevantes e extensas obras para piano.  Não voltaria a fazê-lo posteriormente no que concerne a um conjunto de criações para o instrumento. Citemos:  Davidsbündlertänze (Danças dos companheiros de David) op. 6,  Carnaval op. 9, Phantasiestücke, (Peças de Fantasia) op. 12, Sinfonische Studien (Estudos Sinfônicos) op. 13, Kinderszenem (Cenas infantís) op. 15, Kreisleriana, op. 16, Fantasia, op. 17,  Grande Humoresque op. 20, Oito Novelletem op 21, Sonata nº 2 op. 22 e Faschingsschwank aus Wien (Carnaval de Viena), op 26. Os opus 9, 16 e 17, entre as mais longas, figuram entre as preferidas pela maioria dos pianistas devido à enorme recepção pública, que perdura há mais de um século. Apesar do intenso teor romântico desses opus, o Carnaval, com seus pequenos quadros (21) que desfilam harmoniosamente, tem uma qualidade mais exteriorizada. Humoresque é certamente muito significativa, e seus segmentos contrastantes têm a nomeá-los palavras extraídas majoritariamente do léxico musical, a fim de propor ao intérprete o mood específico. Schumann escreve a um amigo alemão que a Humoresque, composta em oito dias, continha uma mistura de exaltação, espírito jocoso com certa alegria e talvez “o que eu fiz de mais depressivo”. À Clara, comunica nesse final criativo: “Estive a semana toda ao piano, compondo, escrevendo, rindo e chorando ao mesmo tempo. Você encontrará uma boa descrição desse estado de coisas no meu op. 20, a Grande Humoresque (carta de 11/03/1839). Sob outra égide, o compositor francês François Servenière (1961- ), escreve que “as peças de piano de Schumann se orquestradas teriam resultado extraordinário” (2011).

A literatura extensa sobre a obra para piano de Schumann, ao tratar da Humoresque, geralmente não a pormenoriza com a mesma intensidade reservada a suas outras grandes criações para o instrumento. Na realidade, há uma certa intercambialidade crítico-musicológica e recepção pública, considerando-se a destinação dos escritos voltados prioritariamente a músicos e aficionados. O notável pianista Claudio Arrau, comentando repertórios apresentados no Carnegie Hall nos anos 1920, dirá em suas conversas com Joseph Horowitz: “não tínhamos o direito de tocar obras como Kreisleriana ou a Dança dos companheiros de Davi! Os empresários preveniam. O Concerto de Schumann era considerado um suicídio”. Quando interpretava o Carnaval op. 9, o sucesso estava garantido (“Arrau Parle”. Paris, Gallimard, 1985).

Uma das mais sensíveis e competentes observações sobre a Humoresque deve-se a um dos mais importantes intérpretes de Schumann da história, Alfred Cortot (1877-1962). Escreve no avant-propos da magnífica edição de trabalho da Humoreske, publicada pela Salabert de Paris, que seria responsável pelas magníficas edições das composições de Schumann, Chopin e Liszt comentadas por Cortot. “As cartas de Schumann que revelam a tendência poética de suas obras e a interpretação a traduzi-la são sucintas no que concerne a uma das composições pianísticas mais significativas da natureza particular do seu gênio, essa Humoresque, cujo título curiosamente, segundo ele, ‘não será compreendido pelos franceses’.  Na realidade não é no sentido humorístico que se deve entender o princípio dos contrastes que regem a obra, em uma sucessão de episódios sonhadores ou animados, mas certamente ‘mais plenos de lágrimas do que de risos’, segundo Schumann” (carta a Voigt, 4 de Agosto. 1839)”. Mencione-se a admiração de Schumann pelo poeta romântico alemão Jean Paul (1763-1825), fonte inspiradora para muitas de suas criações.

Alfred Cortot afirmaria que o emprego de sucessão de peças separadas, em obras como Dança dos companheiros de Davi ou Kreisleriana, será, no caso da Humoresque, “o fio condutor de um pensamento amoroso que secretamente religará os encadeamentos – ininterruptos, mas também diversificados na expressão – das vinte improvisações, deliberadamente a ignorar qualquer exigência formal, mas cuja reunião, sob o título de Humoresque, constitui um dos exemplos mais flagrantes do gênio inovador de Schumann, sem precedente na história da literatura pianística”.

A longa Humoresque apresenta um “movimento único”, mas dividido em várias secções. Como bem define Harry Halbreith: “Na realidade, a Humoresque é o ensaio mais vasto e ambicioso de Schumann para se exprimir em uma grande forma livre – nem sonata, nem suíte, tampouco cíclica”.

Grande Humoresque é reveladora dos contrastes emotivos de Schumann. Eusebius e Florestan, seus “duplos”, enormemente citados na literatura específica, compõem constantemente essa alternância ativa e passiva de sentimentos. Na Humoresque a evidência desses “duplos” não nomeada está presente. Uma enciclopédia de emoções.

Clique para ouvir, de Robert Schumann, a Grande Humoresque, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=9QLA5sKqlrc

Schumann’s Humoreske op. 20 is one of the composer’s so-called great piano works. After some comments on his Humoreske, I present in full my recording made in Belgium for the De Rode Pomp label and released in 2007.

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Estava a escrever o presente post quando soube da morte de Nelson Freire (1944-2021) ocorrida na semana. Perda inestimável. Nelson Freire (1944-2021), Guiomar Novaes (1895-1979) e Magda Tagliaferro (1893-1986), três dos pianistas brasileiros mais glorificados no planeta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


“Drie Stukken”, um tríptico impecável para piano

Na realidade, o único terreno experimental
é o compositor no ato de compor,
e o único observador possível é o próprio compositor.
Mas, para que suas observações sejam válidas,
é necessário que ele as tenha no curso de seu trabalho,
sem um segundo de desatenção.
André Souris
(“Conditions de la Musique”, 1976)

Roland Coryn é um dos mais notáveis compositores da Bélgica. Estudou no Conservatório Real de Música de Gent, concluindo o curso com brilhantismo e recebendo Primeiros Prêmios como pianista, violinista e compositor. Essa versatilidade concentrar-se-ia com o passar dos anos na composição e no ensino. Na mesma instituição foi professor de música de câmara, harmonia, contraponto, fuga e composição, até a aposentadoria em 1997.

Na atuação como professor de composição, dirigiu o “The New Music Ensemble”, que realizou a estreia de relevantes obras da Bélgica flamenga e também de compositores de outros países, como Louis Andriessen, Maurizio Kagel, Kaija Saariaho e Giacinto Scelsi, entre outros.

Recebeu inúmeras premiações: Tenuto (1973), Jef Van Hoof (1974), Koopal pela sua música de câmara (1986) e o Prémio Visser-Neerlandia em Den Haag (1999) pelo conjunto de sua obra de composição.

Em cooperação com a Câmara Municipal da sua cidade natal, Harelbeke, organizou de 2000 a 2012 o Concurso Internacional de Composição Bianual, “Harelbeke, Cidade da Música”, para novas músicas de bandas sinfónicas.

Quando do projeto de um CD unicamente com Estudos belgas para piano, André Posman, diretor da De Rode Pomp, que promovia cerca de 150 recitais ao ano em sua aconchegante sala para apresentações e mantinha um selo seletivo, a abrigar principalmente projetos inusitados, não apenas aprovou como estimulou a iniciativa. Já havia gravado vários CDs para o selo e nosso entendimento não era apenas musical, mas de uma amizade franca. Ao escolher compositores coetâneos, André ofereceu-me “Drie Stukken” (“Três peças”), de Roland Coryn. Li-as em seu escritório e a partitura me encantou pela competência da escrita, a sobriedade do tríptico e a presença do Adagio Funebre intermediando duas criações movimentadas. Em 2002 gravei o CD “New Belgian Etude” para o selo De Rode Pomp (2004), dele constando dez destacados compositores, sendo que os Estudos de Daniel Gistelinck e Lucien Posman já estão no Youtube.

Nas três noites a gravar na mágica capela Saint-Hilarius, em Mullem, não distante da cidade de Gent, ao registrar as três peças de Roland Coryn, as duas extremas foram gravadas sem percalços e na tranquilidade que Saint-Hilarius proporciona. Contudo, no Adagio Funebre, que, publicada receberia o título Canto Funebre, após duas execuções sentia que algo faltava. Foi quando o extraordinário engenheiro de som Johan Kennivé, um dos mais importantes do planeta, chamou-me para ter com ele na van que ficava no exterior da capela, local de onde ele tudo controlava.

Johan é também psiquiatra e durante vinte anos, anualmente, acompanhou minhas gravações. Profunda amizade se estabeleceu. Disse-me que, vivendo nos trópicos, eu não poderia entender o que representava um enterro nas planícies flamengas, com a carroça a transportar o esquife passando lentamente pelas ruas até o destino final. Em tempos gélidos, solidão absoluta. Fez-me ouvir uma gravação recente, que realizara em homenagem ao ilustre escritor, poeta e padre flamengo Guido Gezelle, com música incidental e fala de Jan van Landeghem a partir do poema “Traagzaam trekt de witte wagen” (“lentamente a carroça transporta pela rua silenciosa…”), de autoria do homenageado. Traduziu-me o poema. Apreendi.

Clique para ouvir pequeno segmento de “Traagzaam trekt de witte wagen”, de Guido Gezelle:

Segmento do poema de Guido Gezelle, Traagzaam trekt de witte wagen.

Adentrei a capela e gravei de uma só vez o Adagio Funebre, mas ainda mais lentamente do que o indicado; diria, um Largo, utilizando-me de uma indicação do léxico musical. Ledo engano entender que as peças mais rápidas e virtuosísticas são as mais difíceis para gravar. A concentração relacionada às criações lentas, em que a escuta é imperativa, requer uma outra abordagem.

Admiro a escrita de Roland Coryn, clara, sem quaisquer exageros, verdadeiramente de um grande mestre.

Clique para ouvir, de Roland Coryn, “Três peças”, na interpretação de J.E.M.

https://www.youtube.com/watch?v=UGtSF9XgvuU

Acredito firmemente que muitas criações ainda estão por vir na aplicação de técnicas composicionais empregadas bem anteriormente. Arnold Schoenberg já se expressara: “há ainda muita música boa a ser escrita em Dó Maior”.

Incluo uma curta criação coral de Roland Coryn, “Standbeeld” (“Estatueta”):

https://www.youtube.com/watch?v=Rn-MOwL-lcc

Roland Coryn is a noted composer and scholar from Belgium. His “Three Pieces” for piano, on the CD “New Belgian Etudes, are contrasting and exemplify the competence of an authentic master.

Pianista da maior abrangência na primeira metade do século XX

O exercício da música é de fato de uma complexidade maior do que o exercício das outras artes
pelo fato de que a elaboração da obra necessita da divisão do trabalho.
André Souris
(“Conditions de la Musique – démarches spirituelles du musicien”. 1976)

Artur Schnabel, pertencente à geração atuante desde os primórdios do século XX, foi um dos pianistas que mais influenciaram os intérpretes pósteros. Suas performances e gravações das Sonatas de Beethoven e de Schubert permanecem como modelos, apesar de registros fonográficos hoje ultrapassados. A edição comentada da integral das Sonatas de Beethoven é manancial para consultas sob tantos aspectos interpretativos.

De família judaica, Artur Schnabel nasceu em cidade pertencente ao Império Austro-Húngaro (presentemente a fazer parte da Polônia). Ainda bem miúdo seus pais se fixam em Viena e, tendo iniciado bem cedo seus estudos de piano, dado seu talento, na faixa dos dez anos esteve sob a orientação do notável professor Theodor Leschetizky (1830-1915), entre 1891-1897, pois o mestre já sentia dons que ultrapassavam os de um pianista, definindo-o como músico. Foi Leschetizky que o influenciou a um caminho que perduraria durante a existência, o culto às Sonatas de Beethoven e Schubert, tendo sido Schnabel o primeiro pianista a gravar as 32 Sonatas do compositor alemão. Schnabel estudaria composição com Mandyczewski, assistente de Johannes Brahms. Legaria uma série de composições abordando variados gêneros.

Teve a possibilidade de se fixar na Alemanha nazista, pois Hitler admirava suas interpretações e concederia ao pianista o status de ariano. No inventário da discoteca do Führer encontravam-se todas as gravações de Schnabel. Não permanecendo em Berlim, vive certo tempo na Suíça e na Inglaterra e de lá atravessaria o oceano para morar nos Estados Unidos. Em 1944 recebe a nacionalidade americana. Em 1942, sua mãe, Ernestine Taube, que permaneceu na Áustria depois do Anschluss, seria deportada e morreria logo após no sinistro campo de concentração de Theresienstadt, que periodicamente abrigava músicos judeus que se apresentavam e que sucessivamente desapareciam. O infausto acontecimento fez com que Schnabel jamais retornasse à Áustria e à Alemanha após a Segunda Grande Guerra.

Com uma carreira sedimentada desde o antes e o depois da Primeira Grande Guerra, Artur Schnabel percorreria a Europa e os Estados Unidos não apenas em recitais solo, mas como camerista e sob a regência dos nomes maiores da regência na Europa e nos Estados Unidos. Destacar-se-ia também como respeitado pedagogo.

Sob outra égide, Artur Schnabel, diferentemente de outros notáveis pianistas já abordados em meus blogs, configura-se não como um intérprete voltado à altíssima virtuosidade, como György Cziffra e Vladimir Horowitz entre os mais “acrobáticos”, mas sim pelas ideias transmitidas em suas execuções. Seria possível entender que a “prática” da alta virtuosidade encontrada em tantas obras de Paganini (violino) e nos românticos Chopin, Alkan, Liszt e Schumann, aceita e inserida nas partituras dos posteriores russos Tchaikovsky, Balakirev, Scriabine, Rachmaninov e Saint-Saëns na França, tenha sido determinante para a exibição pública não só do conteúdo musical, mas da performance de impacto audiovisual. Teria sido uma possível “idiossincrasia” de Schnabel quanto ao exibicionismo que o norteou por caminhos mais introspectivos. Virtuosidade a tinha, como demonstra seu repertório de período anterior. Dir-se-ia que o passar dos anos intensificou sua subjetividade, antepondo-a ao exibicionismo do intérprete.  Todavia, até a juventude da idade madura Schnabel se dedicou a um amplo repertório, a privilegiar Weber, Chopin, Liszt, Schumann, Brahms.

Clique para ouvir, de Carl Maria von Weber, Convite à Dança, na interpretação de Artur Schnabel:

https://www.youtube.com/watch?v=ARUkVYHWPMI

Futuramente concentrar-se-ia preferencialmente em dois compositores essenciais, Beethoven e Schubert, mas também  menos intensamente em Mozart e J.S.Bach, embora considerasse que a obra deste para teclado não é apropriada para grandes salas. Sob este aspecto, há proximidade de Schnabel com Alfred Cortot, apesar de personalidades absolutamente distintas frente às obras executadas. Contudo, ambos penetraram no âmago das partituras dos compositores eleitos: Cortot nas edições das obras de Chopin, Liszt e Schumann; Schnabel na edição das Sonatas de Beethoven, ainda que, décadas após a publicação, entendesse que poderia alterar certas posições após debruçamento sistemático. Essas edições comentadas e orientadas para fins interpretativos são consultadas até o presente com admiração.

Clique para ouvir, de Beethoven, a Sonata op. 31 nº 3 em Mi bemol Maior, na interpretação de Artur Schnabel:

https://www.youtube.com/watch?v=ryGsfqUIDtI&list=RDryGsfqUIDtI&start_radio=1&rv=ryGsfqUIDtI&t=35

Artur Schnabel é um desses pianistas do passado que pode ser considerado lendário. Estou a me lembrar de que, nas décadas de 1950–60, a menção às Sonatas de Beethoven era motivo para imediata ligação ao pianista.

Os conceitos de Schnabel sobre música têm interesse especial. Em “My life and music” (New York, Dover; Colin Smythe, England; 1988) o pianista expõe sua visão essencial sobre música, assim como a respeito de sua vida pessoal. Numa secção do livro, Schnabel responde a questionamentos de estudantes da Universidade de Chicago em 1945 e têm interesse algumas de suas observações:

Quanto ao repertório, considera: “De qualquer modo, nenhum pianista pode tocar todo o repertório pianístico. O que o faz decidir, o que o obriga a ir numa direção em vez de outra, é algo misterioso. O segredo desta atração-direcionamento é um dos mais fascinantes. Ao apaixonarmo-nos, todos nós experimentamos esse mistério”.

Clique para ouvir, de Franz Schubert, Improviso op. 90 nº 3 em Sol bemol Maior, na interpretação de Artur Schnabel:

https://www.youtube.com/watch?v=B4MUUVK8P2U

Sobre a mesmice repertorial, Schnabel tem abordagem precisa e exemplifica: “Porque deveriam todos os pianistas tocar o mesmo tipo de repertório? É bom ter outras opções. Por exemplo, nunca se ouve a charmosa e bem estruturada Polonaise de Beethoven. Nem sequer se sabe que ela existe. Muitos pianistas profissionais nunca viram essa peça, mas tocam a marcha O amor por três laranjas, de Sergei Prokofiev, uma peça que penso não poder competir com as Polonaise de Beethoven nem sequer em efeito”.

Clique para ouvir, de Beethoven, a Polonaise em Dó Maior, op. 89, na interpretação de Artur Schnabel:

https://www.youtube.com/watch?v=wI3eQTMnGag

A respeito do talento, Schnabel observa: “Pressupõe-se o talento. Ele pode ser realçado, mas não pode ser fornecido por um professor. Este nem pode garantir o sucesso na carreira aos seus alunos. Ele não é nenhum mago, o aluno é mais importante do que ele. O que pode um professor fazer? No melhor dos casos, abrir uma porta, mas o aluno tem de passar por ela”.

Sobre o denominado medo do palco, recomenda: “Se houver o medo de ficar nervoso ao tocar em público, deve-se procurar um ouvinte. Não importa muito quem possa ser. Se tiver tempo, pode-se pedir ao porteiro que venha ouvi-lo. Tenho a certeza de que agora é mais difícil do que antes encontrar pessoas que ouçam. Por que deveriam, quando se têm o rádio? O mesmo não acontecia décadas atrás”.

Para um grupo de jovens Schnabel tece considerações sobre o gostar ou não de uma música: “Ninguém pode convencê-lo de que uma peça de música é bela se para si não o for. Eu nem sequer tentaria convencê-lo. Não o posso provar. A causa e o efeito estão ambos dentro de si”.

A passagem das décadas dimensiona ainda mais a importância histórica de Artur Schnabel. Ouvi-lo em preciosas gravações é apreender a plena tradição voltada unicamente ao conteúdo musical, sem quaisquer outros “adereços” que possibilitem a distração da essência essencial. Um grande mestre a não ser esquecido.

Artur Schnabel is revered as a piano legend of the 20th century. With an immense repertoire, he was the first to record Beethoven’s 32 Sonatas. Although he performed in public the repertoire common to the vast majority of pianists, in his last decades he would focus on Beethoven, Schubert and also Mozart.