Temas que Fazem Pensar

 A inflação é o mais poderoso instrumento de transferência de renda
dos que trabalham para os que exploram o capital.
Tancredo Neves

Então, como em surdina,
se ouviu um grande coral
que parecia do céu:
os que ensinarem a muitos,
ou a um só,
os caminhos da justiça, da ciência
e caridade,
Brincarão como estrelas em perpétua
Eternidade…
Dom Fr. Henrique Golland Trindade, O.F.M. (1997-1974)

Luca sempre surpreende. Estávamos a tomar café em tarde chuvosa quando vem a pergunta sobre diferenças de custo de vida entre Brasil e França. Lera sobre a grave crise que assola a país europeu e a queda vertiginosa da popularidade do Presidente francês François Hollande. Curiosamente, ao regressar à minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo, em meados de Fevereiro, pensei  no tema, pois apesar do momento atual em França, diferenças há nos custos nos dois países que nos devem preocupar sensivelmente. O temor maior vem de uma espiral  ascendente nos preços do cotidiano aqui nos trópicos, que no mínimo deveria servir de alerta. Sob outro aspecto, alguns desses preços estão em patamar completamente fora da realidade, hoje, de França e Bélgica, como exemplos.

Como estivemos hospedados em Paris no apartamento independente de diletos amigos, minha mulher e eu em várias oportunidades íamos a um supermercado bem parecido com os de São Paulo. Produtos expostos de maneira organizada e certamente uma variedade maior de alimentos e bebidas. A impressão nítida que tínhamos era a de entrar em um estabelecimento com os preços 20, 30 ou mais %  em conta daqueles encontráveis em nossa cidade. Leite, pão, manteiga, bem abaixo dos nossos. Um pacote a conter 10 salsichas ao preço do equivalente a três reais, quando aqui chega aos sete; 30 ovos a nove reais, quando uma dúzia em São Paulo está a sete em supermercado bem conhecido.  Alguns exemplos chegam a ser chocantes. Na seção de vinhos estavam expostos alguns chilenos bem conhecidos entre nós ao preço de seis a sete euros (R$ 16 ou 18), quando nos nossos estabelecimentos eles atingem  cifras que variam de 34 a 45 reais!!! Verdadeira e preocupante distorção!!! Todo um continente e mais o Atlântico a serem transpostos e a diferença absurda de preços faz-nos pensar em algo que não está a funcionar bem em nosso país. No compartimento de queijos, alguns dos mais conhecidos entre as centenas deles, como Camembert, Roquefort, Saint-Nectaire, Pont l’Evêque, Chèvre, Bleu d’Auvergne e tantos outros, muitíssimo mais baratos do que as poucas variedades, de qualidade bem inferior, produzidas no Brasil. O mesmo em relação às massas já prontas para microondas. Nesse caso também, relação abissal. No caminho das diferenças, outdoors anunciavam carros que se vendem também no Brasil. Sem comentários. Uma rede de hotéis mundialmente conhecida oferece preço de diária para duas pessoas na região da Ópera de Paris – um dos centros mais conhecidos da Europa -, mais acessível daquele apresentado em São Paulo. O leitor atento deve-se lembrar que, durante a Rio20, muitos executivos e figuras ligadas aos governos desistiram de vir à “cidade maravilhosa” mercê dessas diferenças que, àquela altura, eram astronômicas. Disparidades constrangedoras, evidenciando que algo soturno está a acontecer no Brasil e assistido passivamente. Se considerado for que o salário mínimo em França é cerca de cinco vezes o nosso, algo está a acontecer. Corrobora a condição da oferta e da procura sem que o fator humano essencial seja considerado. Estou a me lembrar de conversa que mantive com amigo, dono de restaurante de minha cidade bairro que costumávamos frequentar. Em poucos meses os preços galoparam. Encontrei-o e, a sorrir, suas palavras esclarecem muito. Perguntou-me a razão de nosso afastamento. Cordialmente respondi que os preços de seu bom restaurante deslancharam. Afirmou-me que nada podia fazer, pois todos os seus concorrentes estavam procedendo a aumentos que ele mesmo considerava exagerados, mas que a afluência de clientes não diminuiu. Nada a fazer, pois essa escalada em quase todas as áreas, inclusive a de serviços e as praticadas por profissionais liberais, aponta para perigoso caminho inflacionário. Há falta de bom senso, certamente. Economistas salientam diariamente pelos meios de comunicação que o custo Brasil é preocupante. É-o na realidade e devemos estar atentos, pois o discurso oficial caminha num sentido totalmente oposto. Conseguiremos suportar tais diferenças durante quanto tempo? Não por outro motivo milhares de brasileiros preferem passar as férias no Exterior, onde os preços estão bem abaixo dos nossos. Há a preocupação em desburocratizar o país? A corrupção continuará endêmica nessa relação tantas vezes estranha entre Estado e empresas privadas? Nossos três Poderes continuarão a aumentar bem acima da inflação seus polpudos salários? A real diminuição de impostos e de servidores se concretizará?  Somente através de um saneamento drástico poderemos ter alguma esperança. Realmente, continuo pessimista e nenhum sinal é apresentado para que possa – é sempre um almejo – alterar minha posição.

Um outro tema que Luca e eu discutimos tem a ver com a eleição do Papa Francisco. Luca comentou a situação sombria do mundo atual e a tarefa gigantesca que o Papa eleito terá pela frente. O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, escolhido no conclave, tem currículo que o recomenda. Para a América Latina a escolha reveste-se de significado transcendente, apesar de o Papa, na essência, pairar acima de países e continentes. Será possível supor que a Igreja Católica Apostólica Romana, no conclave a reunir bem mais de uma centena de cardeais tenha optado, salvo melhor juízo, por um Papa mais idoso, a fim de que um longo pontificado, como os de Leão XIII (25), Pio XI (17), Pio XII (19), Paulo VI (15) e João Paulo II (26), não se repita. Nesse mundo de tão imensa e rápida mutação em quase todas as áreas, de crescimento de seitas de toda procedência, de embates em nome de religiões  que atingem, por vezes, o limite da intolerância, e na aceleração também da descrença no poder divino, um papado mais curto poderá representar uma possibilidade maior por parte da Igreja de seguir os passos da humanidade em crise pandêmica e de renovar as equipes internas que a administram. Se considerado for que o carisma e a exposição mediática do Papa João Paulo II, em seu longuíssimo papado, não propiciaram a Sua Santidade a transcendência renovadora de João XXIII em seu curto período de cinco anos como pontífice, há o que se pensar. Aos 76 anos e com um só pulmão, as qualidades do Papa Francisco estariam a apontar – sempre no campo das hipóteses – para um pontificado não tão longo. Que o Papa Francisco tenha uma longa existência, esse é o desejo de centenas de milhões de católicos espalhados pelos quadrantes do planeta e que presentemente oram pelo eleito, que terá pela frente desafios incomensuráveis!  A trajetória do ungido, com nítida vocação voltada aos menos favorecidos, só nos faz ter esperanças em uma ação menos hermética em prol dos problemas cruciais da atualidade por parte do Vaticano. Toda a história papal mostra pontífices que tiveram comportamento não à altura, mas tantos outros mais que primaram pela direção segura da Igreja. Sob outra égide, impressionam a capacidade e a formação sólida dos que estiveram no conclave para a escolha do novo papa. Presente na Capela Sistina o resultado de decênios de estudos teológicos aprofundados e de sacerdócios, tantos deles extraordinários, em prol da escolha mais precisa. É admirável todo esse processo. Há que se convir.

Sincera e significativa a resposta do Papa Francisco aos jornalistas no último dia 16. Disse ele que a escolha do nome tem, sim, referência a São Francisco de Assis. A lembrança teria vindo logo após a eleição, quando, abraçado e beijado por seu dileto amigo, o franciscano D. Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo, ouviu deste a frase: “não se esqueça dos pobres”. As palavras penetraram seu coração e a lembrança imediata foi a do Santo venerado: “Francisco é um homem da pobreza, da paz, que ama e protege a criatura”, afirmaria o novo Papa. Um jesuíta a entender e assimilar a mensagem fraterna de um franciscano. Esse olhar voltado aos mais humildes é um bom prenúncio.

On Brazil’s outrageous cost of living compared with that of France – not forgetting the country’s low minimum wage rates and unfair income distribution – and on the election of the new Pope, maybe a good choice at a difficult moment for the Roman Catholic church that is losing members in droves in part due to Vatican’s traditionalism and finantial and sexual scandals.