Considerações Sensíveis

O homem olímpico não ignora o seu contrário,
não foge à sua dor: utiliza-a como a um instrumento de perfeição.
Agostinho da Silva (Parábola da Mulher de Loth, 1944)

Foi numeroso o volume de e-mails focalizando a personalidade da Professora Olga Rizzardo Normanha, tema do post precedente. Alunos e amigos lembraram episódios de interesse dos quais a professora participou, seja no convívio amistoso ou em eventos envolvendo a apresentação de seus incontáveis alunos ao longo das décadas.

Como sempre faço, tive de selecionar e-mails. Gostaria de colocá-los todos. Contudo, para o presente post  escolhi, excepcionalmente, três poemas dedicados à Olga Normanha, com matizes bem diferenciados. De Paris, o professor português Fernando Rosinha, enviou-me um poema reflexivo e metafórico. A professora e poetisa Maria Cândida Ribas comove-nos com poesia etérea e, de Campinas, a irmã da pianista Sônia Rubinsky, Fany, que igualmente estudou com Olga Normanha,  envia-nos singelo texto em forma poética, a observar qualidades inalienáveis da mestra. Nessa seleção constam ainda mensagens pungentes de Mônica Sette Lopes (Belo Horizonte), François Servenière (França), Idalete Giga (Portugal) e Jenny Aisenberg (São Paulo). Como tributos à minha saudosa sogra, apresento aos leitores os  sensíveis textos recebidos.

Fernando Rosinha:

O último concerto da professora e pianista Olga Normanha

Agora e na hora da nossa morte

No êxtase final de muro ou de caixão,
Esquecem-se os desejos. Foi-se embora a nostalgia.
Morrem a fome e a guerra. Uma sinfonia
foi desligando a luz que palpitava em nossas mãos.

Junto da cor das rosas que me afagam, choras.
Lua a rezar por mim ao pé das horas
em luto, doem o amor e a sedução
que deram brilho ao nosso olhar de outrora.
Na lareira da terra se apagou o lume
e o vento afaz-se à noite sem queixume.
São horas de colher o gesto que às minhas mãos desceu como essa flor
que encontrou na montanha a luz e um rumor
de rio onde corre a melodia
que faz do pianista o coração dum dia.

O sonho foi-se. O céu somente em Deus se conservou.
O ficar do teu carinho cheira a rosas.
A fonte dos teus olhos no meu rosto se espantou.
A flor que em lágrimas se abriu, dos lábios nos voou.
Será que só a alma dá certeza e vida às coisas?
Ensina-me a sonhar noutra verdade.
Por mais que eu some as coisas só terei o paraíso
no eco do que fomos e na teia do teu riso.

Por mim andava sempre essa lembrança no rumor duma ansiedade
caiada com sabor de eternidade.

Nosso passado embrulha e põe-mo na algibeira como um canto e um segredo.
Assim tu vais ficando e eu irei sem medo.

Teus lábios lembram tantos sins e tantos nãos,
tantos pianos a subir pelo céu das tuas mãos.

Não sei se foi tristeza ou arcanjo que esta noite veio.
Ó Mãe de Deus acolhe a tua filha entre as rosas do teu seio.

Maria Cândida Ribas: 

Memórias

Ouço uma melodia….
Busco um caminho…
Uma ansiedade saudosa, infinda…
Os meus sentidos …pressentem…
Vibrações divinas….
Fantasias do inconsciente…
Harmonia plena…
Notas suaves e fortes…um desejo…
O tempo passando..e, de repente..
Num olhar que se fita…
A sua lembrança, o seu canto…
E eu, percorrendo em meus sonhos..
O desejo do reencontro,
O caminho do encontro!

Fany Rubinsky:

Em nome dos Rubinsky

Dona Olga – luz que nos guiou: luz que nos iluminou.
Dona Olga – estaca fundamental na nossa formação.
Os cinco adolescentes privilegiados foram envolvidos
por essa personalidade marcante, firmeza e determinação.
Dona Olga nos adotou
E com amor maternal moldou nossa personalidade.
Moldou nossa alma.

Não foram somente aulas de piano.
Foi uma vivência intensa
Em um mundo privilegiado de arte e criatividade.
E, mais do que tudo,
Um preparo para nossas vidas futuras.

Sempre ali
Presente no nosso dia a dia.
Acreditou nas nossas possibilidades nascentes,
e nos incentivou
e nos guiou, supervisionando nosso desenvolvimento.

E assim, sob essa luz mágica,
Fomos nos transformando
E crescendo interiormente.

Hoje esta luz não se apagou,
Não para nós,
Privilegiados que fomos
E continuará acesa
Dentro de cada um de nós
Como algo de muito especial
E único
E essencial
De nossas vidas.

Mônica Sette Lopes:

“Meu caro amigo, só agora tive jeito de passar pelo blog e de perceber qual era o tópico de hoje. Chorei várias vezes. Choro leve, como deve ser quando a vida se apresenta tão integramente vivida. Sinto por vocês, por sua Regina e pelas meninas todas. Ando muito sensível com esse tema da idade e da morte por causa dos meus – todos já avançados nos anos e com as dificuldades e surpresas próprias. Mas o bom é que todos temos história e nós com eles. E mesmo que não tenha jeito (sempre digo que a lembrança do meu pai é tão forte como se fosse de ontem e que ele é presença tão forte como quando chegava à noite do trabalho, nada disse é certo interferindo no jeito de entender as coisas, nada disse me deixando triste ou fraca)”.

François Servenière:

Verdadeiramente estou ainda emocionado pela leitura do admirável artigo sobre sua sogra. Estou a ouvir o Concerto nº 3 de Beethoven sob os dedos de Regina. Trata-se de um piano magnífico e sublime, malgrado a qualidade na época da gravação. Seria de suma importância a remasterização desse registro fonográfico como gravação histórica da Regina!

Teu artigo é sublime, pois traduz a proximidade e a perda, mas a deixar um lugar honorífico à vida e à história de Olga Normanha. Um pensamento ocorreu-me: que pena que um escritor ou historiador não se debruce sobre a história dessa mulher, seu método de ensino, a história da família. Poderá interessar numerosos leitores do Brasil, os melômanos, musicólogos, acadêmicos e pedagogos. As histórias de homens e mulheres de valor têm isso de precioso, são exemplos que fundamentam outras vidas e outras histórias, outras lendas e outras excelências, ao lado da genealogia biológica. Sob outra égide, há muita emoção contida com pudor em todas as belas frases apologéticas, em todas essas pequenas ações das crianças, netos e bisnetos, no cemitério…” (tradução JEM).

Idalete Giga:

“Quero, antes de mais, expressar o meu pesar pelo falecimento de sua sogra a Profª Olga Rizzardo Normanha. O poema de Romain Rolland O ma vieille compagne…é um belo prelúdio para o texto que se segue. Pela descrição que faz em sua memória posso, sem a ter conhecido, seguir e ao mesmo tempo admirar o seu percurso de vida incansável como artista, pedagoga, mãe, avó e sogra dedicada. O retrato da avó, que sua filha Maria Fernanda desenhou com grande sensibilidade, revela não apenas uma mulher fisicamente muito bela. É também um retrato psicológico que nos mostra uma mulher terna, generosa, determinada, olhando longe para o horizonte. A Regina teve o privilégio de a ter tido não só como mãe, mas também como mestra. Ouvi a gravação do Rondo-Allegro do Concerto nº3 de Beethoven que a Regina fez apenas com 15 anos! Achei notável, uma adolescente já com este nível! A Regina é, de facto, uma grande e talentosa pianista!!!”

Jenny Aisenberg:

“Fiquei emocionada até as lágrimas pela Olga, pelo piano interpretado pela jovem Regina e pela mensagem de Servenière”.

Há anos, em plena consciência, Olga Normanha doaria todo seu acervo, que conta um pouco da história de sua escola pianística em Campinas, através de quantidade expressiva de cartas, programas, artigos, críticas e notícias em jornais e revistas, assim como fotos que documentam um período culturalmente expressivo da cidade. A Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) recebeu essa preciosa doação.

The post on the death of my mother-in-law has resulted in many condolence messages, a comfort to my family. Written in prose and verse, I chose some of them for this week’s post for I believe they are worth reading even for those outside our family circle.