Quando o Povo Saiu às Ruas
Nenhum político deve esperar que lhe agradeçam
ou sequer lhe reconheçam o que faz; no fim de contas,
era ele quem devia agradecer
pela ocasião que lhe ofereceram os outros homens de pôr em jogo
as suas qualidades e de eliminar, se puder, os seus defeitos.
Agostinho da Silva
Já não estamos anestesiados. Se o leitor consultar meu post de 18 de Maio último (“Anestesiados – Há solução para nossa índole?”), observará que os motivos que propiciaram as manifestações já lá estão embutidos. Quando mencionava essa “letargia”, mal podia prever que logo após haveria o despertar de um povo que acorreu às ruas das principais cidades brasileiras. Manifestações no Exterior fizeram-se sentir igualmente.
A ilustração de meu saudoso amigo Luca Vitali (1940-2013) sintetizava naquele post a inquietação. Não estaria a presente charge, no mesmo espírito, mostrando parte da realidade atual? Conversávamos, Luca e eu, sobre políticos e descasos. Revela o desenho ingredientes prenunciadores, e o megafone proclamaria desmandos que nos avassalam. O povo aguentou, aguentou, aguentou… mas há o infinitesimal instante da gota d’água.
Nessas últimas semanas conturbadas, plenas de manifestações de rua pacíficas, mas infiltradas por minoria absoluta de desequilibrados, baderneiros, bandidos de carteirinha, drogados, tantos deles menores, o leitor deve estar a acompanhar todo o desenrolar pela mídia. Realidades não são mostradas por nenhum meio de comunicação, mercê das polpudas publicidades patrocinadas pelo Governo, o que impede a exibição de muitas faixas a condenar sobretudo a ação do partido majoritário. Elas estavam entre as muitas, algumas alusivas ao último ex-presidente. Estas não foram exibidas. Estranho. Só estamos a conhecer parcela da verdade, pois, tal tsunamis, as passeatas invadiram as cidades brasileiras, mesmo que sem líderes confessos. Preferencialmente, a mídia focou a exceção, a quebradeira realizada pela ínfima minoria. Um enorme desserviço. E foram imagens da exceção que inundaram a mídia internacional. A beleza das aglomerações pacíficas, a reunir quase todas as camadas da sociedade, pouco foi mostrada. Saques, quebradeiras, incêndios, barricadas eram escancarados nos noticiários televisivos. Infelizmente, e a mídia bem sabe tirar proveito, são os fatos deprimentes que conseguem altos índices de audiência. Uma de minhas netas esteve em uma das maiores manifestações da Av. Paulista e contou-me sentir-se segura, pois o povo na mais conhecida via pública paulistana estava a revindicar direitos dos cidadãos que foram abandonados pelo poder público. Pacificamente a multidão se deslocava, segundo ela.
Na passeata da quinta-feira (20 de Junho), deu-se a glorificação do apartidarismo. O Presidente Nacional do PT, ao solicitar aos simpatizantes o comparecimento na passeata do dia citado empunhando bandeiras do partido, sofreu duro revés, acachapante diria, pois a manifestação não admitia esse tipo de oportunismo e estandartes foram rasgados ou retirados. Fiquei atento a uma frase pronunciada por um dos presentes a um jornalista da AFP para o “Le Point” da França, sob o título “Manifestations historiques au Brésil” (21/06), em que afirma que continuaria a votar em Dilma para que as reformas no país possam ser aceleradas. Preocupante. Há um partido desde 2002 a comandar o país. Esse mesmo jornalista francês ouviu frases enfáticas dirigidas aos simpatizantes do PT no momento em que o povo não permitiu o agitar das bandeiras: “Opportunistes ! Partez à Cuba ! Partez au Venezuela !” A situação é grave e pode prenunciar caminhos para radicalismos futuros sem precedentes. Tenta-se blindar de todas as maneiras a Nomenklatura, como se estivesse o governo de Brasília na oposição! Oposição essa, diga-se, pífia, pois polifacetada e com discursos críticos não cirúrgicos, mas evasivos. Quem protesta é a sociedade apartidária consciente, a contrariar palavras infelizes do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, ao dizer que sem partidos tem-se a ditadura, ou outras, não menos inquietantes, a culpar a mídia pelo o que está a ocorrer. É a sociedade que está a clamar por condições, ao menos potáveis, nas áreas da Saúde, Educação e Segurança e contra a paquidérmica burocracia, que tanto suga do contribuinte, assim como a vociferar contra a endêmica corrupção. Esporadicamente, sem prazer algum, comento rumos tortuosos de nossa política. Nenhuma novidade escrevi, apenas deduzi e ouvi pessoas de determinadas camadas sociais, mormente a popular e a média, pois preferencialmente, nos deslocamentos pela cidade, utilizo-me de ônibus públicos em horários com menor afluxo de passageiros. Basicamente não tenho ligações com as denominadas camadas abastadas ou elites. Tampouco tenho tendência para qualquer partido, não me relacionando, felizmente, com nenhum político. Contudo, reflexões surgem a partir de determinados inchaços da máquina pública que desafiam a lei física da ocupação de espaço: Qual não foi o aumento de comissionados na esfera pública nestes últimos anos? Se conclamados para se apresentarem para o desempenho de suas funções, esses e mais os apadrinhados não poderiam, no mesmo instante, friso, ocupar salas que lhe são destinadas. O número extravasa e muito e é o contribuinte que arca com todas as despesas, pois o governo não gera rendas, só arrecada e distribui parcamente. Como gostaria de ouvir a Presidente dizer que milhares não mais necessitam receber os 70 reais, essa esmola destinada aos desvalidos. Isso sim seria progresso. Contudo, os votos saem da massa desafortunada que recebe esses parcos reais.
As causas de muitas revoluções são por vezes periféricas. Que nos ensine a Revolução Francesa de 1789, que teve manifestantes invadindo uma Bastilha com pouquíssimos prisioneiros. O jornal francês “Le Monde” de 26 de Junho aponta nossas manifestações tendo como estopim a mínima parcela de um euro e os vinte centavos foram, na realidade, pretexto para um basta generalizado. Apesar de não gostar do tema, como expressei em tantos posts, tudo o que está a ocorrer já estava anunciado através dos desmandos: corrupção generalizada, gastos exacerbados dos que detêm o poder, pródigos cartões corporativos, viagens da cúpula ao Exterior com gastos nababescos, segurança basicamente nula, minoridade assassina, droga a infestar a sociedade, conluio governo-empreiteiras-construtoras, obras faraônicas abandonadas, estradas semidestruídas, ausência quase que total de vias férreas, portos ultrapassados que enriquecem com o acúmulo de containers e com a imensa lentidão do embarque e desembarque dos navios, Mensalão que caminha para as calendas com figuras proeminentes do PT, Mensalinho que nem sequer teve início, a envolver figuras do PSDB, personagens republicanos que se perpetuam apesar de fichas imundas e tantas mais mazelas, guetos impenetráveis nas grandes cidades controlados pelos chefes do tráfico, movimentos como o MST, que obtém polpudas verbas e destrói o campo produtor com invasões insanas e violentas, os três Poderes caindo no descrédito. Somatória de governos em que a corrupção esteve presente, mormente nestes últimos dez anos, com escândalos que estiveram sempre estourando, e a Justiça extremamente morosa a beneficiar com essa situação decisões que certamente levariam colarinhos brancos para trás das grades. Por fim, toda essa discussão em torno da PEC 37 que, devido à pressão da sociedade, certamente fez o Legislativo recuar. Se aprovada, tiraria o direito e o dever do Ministério Público de apurar delitos praticados por figuras poderosas.
Sob outra égide, desde o início sabia-se que abrigar três eventos, como as futebolísticas Copas das Confederações e do Mundo e mais as Olimpíadas, iria acarretar desvios incomensuráveis de verbas que deveriam ser destinadas às tantas áreas carentes do Brasil. O grito de satisfação dos políticos brasileiros no Exterior, ao serem anunciados os eventos em nosso país, traduzia o prenúncio de espúria festança com a associação governo, empreiteiras e construtoras. O que se apreendeu pela mídia é a realidade, os gastos foram fabulosamente superiores ao previsto. Enorme verba pública está sendo destinada para as realizações esportivas que, diga-se, são passageiras e voláteis, mas que, mercê da farta gastança, deixará espalhados pelo país muitos Mamutes Albinos. Mais um ingrediente para essa gota transbordar.
Quem sabe essa manifestação, rigorosamente inédita no Brasil, sensibilize governantes. Precisamos de líderes verdadeiros, que não se comprometam com conluios estranhos para a perpetuação no poder. A aproximação, para fins inconfessáveis, de partidos antagônicos, de políticos – antes ferrenhos inimigos e ideologicamente distantes – com pactos de “eterna” amizade através de sorrisos e afagos, a prodigalização de verbas para emendas parlamentares, a acomodação de figuras sem quaisquer experiências anteriores em Ministérios e Secretarias fundamentais, fazem parte dessa substancial gota d’água que ora escorre. Como confiar num governo que entrega um Ministério importante a um apaniguado, sem a menor experiência na área? Quantos são os Ministérios em Brasília ou Secretarias de Estado ou de Município pelo país que têm profissionais verdadeiros e apartidários? Isso tudo é amar o país, querer servi-lo para o bem de todos, ou é apenas aguardar apoio que reconduza governante e partido novamente ao Poder? Como esta palavra tem feitiço!
Governantes têm de ouvir o povo que esteve presente maciçamente nas ruas e praças. Sem essa atitude, poderemos estar a caminho de recrudescimento das ações de multidões insatisfeitas ou entrando numa sinistra senda totalitária. O certo é que não mais estamos anestesiados. Contudo, evitemos a conturbação. Mensagens, o povo soube transmiti-las. A persistência das manifestações poderá não ser benéfica ao país. Há necessidade da decantação, única possibilidade para que ânimos voltem a serenar.
A presidente se pronunciou no dia de São João a favor do Plebiscito e de uma Constituinte. Que a sociedade esteja atenta às intenções! A Constituinte já estaria descartadas, mas… Que o Santo nos guarde!
This post discusses the recent protests that swept the country. The tipping point of the demonstrations was the bus fare increase, but the focus soon changed to other issues: corruption, high taxes in exchange for poor public services, vast sums spent on hosting the Confederatin Cup and the 2014 World Cup. The outcome of the riots is uncertain: maybe manifestations won’t achieve anything, political parties may capitalize on social unrest and return to totalitarianism is always lurking around. Let’s hope for the best.
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