Navegando Posts publicados em julho, 2013

Miguel Sousa Tavares e o Prazer da Narrativa

“O livro é quase um serviço público:
tem que dar aos outros qualquer coisa em termos de informação,
de distração, de romancear.
Fazer o leitor ficar pensando nos personagens, no romance, na história.
Tem que deixá-lo imaginar.
E não basta escrever bem,
tão bem que o leitor a certa altura pare de ler
porque não está a seguir uma história, mas um texto literário”.
Miguel Sousa Tavares

A narrativa de aventura pode ter multidirecionamentos e interpretações a partir da índole, do acervo cultural e do objetivo proposto de um autor. Tantos foram os livros percorridos a respeito de montanhismo, mormente no Himalaia, que se transformaram em posts. O leitor tem suas preferências e destina sua atenção à temática que mais o agrada nesse rico compartimento das aventuras.

De minha amiga e doutoranda portuguesa em musicologia – Universidade de Évora -, Profª Ana Cristina Bernardo, que recentemente voltou ao Brasil para me apresentar programa dedicado à música de câmara contemporânea portuguesa com piano, objeto de suas pesquisas de doutorado, do qual estou como coorientador, recebi um segundo mimo, o livro do jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares (“Sul-Viagens”. Cruz Quebrada, Oficina do Livro, 11ª edição, 2008). Na primeira vinda ofereceu-me precioso livro do grande alpinista português João Garcia (vide “A mais Alta Solidão – O Primeiro Português no Cume do Evereste”, 28/07/2012).

Forçosamente sou tentado a fazer pequeno comentário sobre a narrativa de aventura, pois antolham-se-me duas apreensões, entre tantas, da empreitada a ser realizada. Vários posts foram dedicados às narrativas das aventuras solitárias empreendidas pelo francês Sylvain Tesson. Outros mais virão. Os solilóquios, transformados em textos, vão sempre além da descrição e não raras vezes partem para a idealização ou a interpretação objetiva. O universo simbólico, ao longo do percurso, não faz esquecer a comparação com outras tantas viagens. Tesson mostra-se um mestre da  elucubração. Andarilho, vagabond, solitário por convicção, impossibilita o subterfúgio ou a circunstância social.

Miguel Sousa Tavares tem trajetória que impõe respeito. Um dos importantes homens da mídia em Portugal, com atuação brilhante em tantos meios da comunicação, autor de vários livros, entre os quais um grande best-seller, “Equador”, que teve inúmeras traduções,  Souza Tavares é filho de uma das maiores poetisas da língua portuguesa, Sophia de Mello Breyner Andresen. Dela, jamais se esqueceria de frase norteadora, “Miguel, viajar é olhar”.

As narrativas de viagens de Sousa Tavares ao Sul incluem regiões de vários continentes. Amazônia e Nordeste brasileiro, Tunísia, Moçambique,  Marrocos (“Emboscada em Marráquexe”), a imensidão do Sahara na Argélia,  Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Goa, Guadalupe, Egito, mas também Veneza, Alhambra e o Alentejo.

À guisa de prefácio, o autor pondera “Eu sou um contador de histórias. Pagam-me para isso, pagam-me para percorrer o mundo e contar o que vi. Umas vezes vi tragédias, miséria, coisas que magoava descrever. Outras vezes vi sonhos, esperanças, histórias felizes. Este é um livro que reúne apenas a parte boa daquilo que me coube em sorte ver e contar”.

Se o prazer pela viagem existe tanto em  Sylvain Tesson como em Sousa Tavares, este deslocou-se para sucessivos trabalhos fotográficos e de filmagens sob a égide da Rádio Televisão Portuguesa (RTP); portanto com grupo de profissionais da rede portuguesa. As descrições de Miguel Sousa Tavares têm essa “parte boa” do que viu. Pertinentes, pertencem à categoria do fino observar. Não negligencia, tantas vezes, o pormenor que dignifica o ser humano, a natureza ou o objeto. Há igualmente o permear o cotidiano, mormente o gastronômico, e para o leitor fica a impressão do bon gourmet tanto nos pratos que saboreia como no vinho, mencionado em momentos oportunos.

Exemplificando três  narrativas em especial, poder-se-ia afirmar que transcendem na essência: “Nordeste: essa praia não tem fim?”, “Uma noite na África” e “A pista para Tamanrasset”. Da viagem ao Nordeste a percepção do litoral de praias infindas entre Natal e Fortaleza. Percorre a distância de buggy, “só com a companhia dos urubus durante o dia e das estrelas à noite. Mil quilómetros de deslumbramento…” Desperta-lhe a atenção o descaso quanto à preservação ao passar pela povoação de Aracati, que “conserva ainda uma rua de casas bem portuguesas e em bom estado de conservação. É curioso comparar esta rua portuguesa de Setecentos com a rua principal, que lhe é paralela e que é o paradigma de uma rua moderna de uma cidadezinha de interior brasileira. É a diferença entre a harmonia e o caos, entre uma arquitetura simples e bonita e um estilo vale-tudo, pejado de publicidade e de barbaridades arquitetónicas”. Mutatis mutandi, do micro ao macro, não é isso o que ocorre com São Paulo, que destruiu quase que completamente os resquícios de “arquitetura simples e bonita” e partiu para um “vale-tudo” vertical e disforme no centro expandido (necessidade do lucro) e na total descaracterização arquitetônica da periferia (necessidade premente de sobrevivência)?

Em “Uma Noite em África”, o autor a certa altura descreve com profunda agudeza a tragédia cotidiana do reino animal. Encantava-se com a savana em fim de tarde quando companheiro de viagem chama-lhe a atenção para uma cena que estava a se passar. Dois leopardos à espreita para o fatal ataque a um despreocupado antílope. A intenção de Sousa Tavares em não interromper o ato cotidiano pela vida leva-o à reflexão “… se soltasse um som ou fizesse um gesto, poderia salvar-lhe a vida, mas instintivamente eu sabia que nenhum de nós o faria: aquele era um acto da natureza, uma tragédia de todos os dias na savana e, apesar disso, a lei da vida. Nenhuma outra regra por nós ditada nos conferia o direito de com ela interferir”. No íntimo estava a torcer pela não consecução do ato fatal, que na realidade não ocorreu devido a um ruído do rádio de ondas curtas  em um dos jeeps, que fez com que o antílope desaparecesse da cena.

A narrativa “A Pista para Tamanrasset” é plena de situações dramáticas. Em caravana, 15 jeeps e 4 motos atravessam parte do deserto do Sahara. O texto tem início no sétimo dia em El-Golea, uma cidade oásis da Argélia,  com destino à cidade de Tamanrasset, no mesmo país do norte da África, passando por Djanet. Chegar a Tamanrasset “foi uma visão indescritível, uma sensação irrepetível – a certeza de que tínhamos atravessado todo o deserto, desde Gardhaia. Sempre em pista, sempre guiados pela bússola”. Duas situações são dignas de registro, uma comparativa: “Na Amazônia, eu tinha achado que aquela paisagem era o primeiro dia da criação do mundo, com toda aquela explosão de sinais de vida: plantas, água, animais, ruídos. Aqui, no Tassili, a  paisagem é a do dia anterior à criação do mundo – o dia zero: areia, rochas, céu e silêncio. Nada mais”. Em outra, dramaticamente presenciada durante intermináveis horas, descreve uma tempestade de areia em  pleno deserto: “A tempestade mexe com os nervos das pessoas, pela sensação de vulnerabilidade que causa. Primeiro que tudo, é impressionante vê-la avançar sobre nós ao longe, deixando o céu negro à medida que se vai aproximando. Depois, a violência e o ruído do vento são indescritíveis. Mesmo com os vidros fechados, parecemos fantasmas brancos dos pés à cabeça, tossindo e cuspindo areia sem parar, os olhos injectados e o nariz tão cheio de areia que quase não se consegue respirar”.

“Sul-Viagens” é livro sedutor. Manuel Sousa Tavares não tem receio de expor seus prazeres cotidianos. Está sempre a rememorar a boa mesa, com menus especiais acompanhados de bons vinhos e do cigarro, mormente quando, nas mais variadas situações durante as viagens pelo Sul, tem de se contentar com latas de conservas ou pratos que as circunstâncias determinam simplesmente palatáveis. Distingue-se de Sylvain Tesson, que minimamente se preocupa com o que comer. Contudo o andarilho francês aceita de bom grado um trago forte. Há por parte de Sousa Tavares um saber descrever essas “situações gastronômicas” em contexto por vezes pleno de humor, pois em muitos dias  teve de preparar suas refeições.

As fotos que ilustram “Sul-Viagens” são magníficas e tiradas pelo autor, que apreende as mais sensíveis imagens dos lugares visitados. Talvez intencionalmente, o autor não define os lugares onde as fotos foram tiradas. Creio que seria de interesse a menção das localidades e situações. Percebe-se, contudo, que a cada espetáculo inusitado, seja da natureza, da arquitetura, do ser humano, dos companheiros de viagem ou do pormenor que o fascina, Sousa Tavares vive o alumbramento. Livro a ser visitado.

A gift from a Portuguese friend, the book “Sul – Viagens” was a pleasant reading. The author, the newsman and writer Miguel Sousa, records his experiences touring the Southern Hemisphere. Among the places visited, the Brazilian Amazon, Tunisia, Egypt, Cape Verde, Mozambique, Goa and the Sahara. His focus are the good experiences: stories that dignify men, new dishes he has tried, good wines tasted, a dramatic but unforgetable sandstorm in the Sahara, all illustrated with magnificent pictures taken by the author himself. A book worth reading for lovers of travel literature. 

 

    

Quando o Tema Ressurge Através de uma Criança

Si l’on vient à consulter les maîtres,
on apprendra que la première condition pour apprendre à penser,
c’est de cultiver en soi la faculté de l’étonnement.
Jean Guitton (“Nouvel Art de Penser”)

Não raras vezes escrevi sobre a dádiva da leitura. Ela enriquece interiormente o ser humano, aprimora a reflexão, faz descortinar maravilhamentos, envolve, seduz, encanta e leva-nos à comparação com outras obras percorridas pelos olhos e retidas na mente. Um livro é um companheiro de vida. Seria lógico concluir que, assim como temos nossas impressões digitais únicas e perenes, assim também não há gosto uniforme e todos têm suas preferências.

Nos dias de hoje consegue-se comprar e receber, via internet, uma infinidade de livros e, durante leitura, fazer as devidas anotações. Minha dileta amiga Jenny Aisenberg, que adora o livro impresso, presentemente viaja com seu Kindle, que tem o peso de revista semanal – mas dimensão bem inferior -, a carregar consigo uma biblioteca inteira. São outros tempos.

Não chegarei a tanto. De minha biblioteca saíram muitos livros que dei a alunos e colegas, mormente em temas a envolver música. Já escrevi que, ao olhar uma lombada e ter a certeza que jamais regressarei àquele exemplar específico, escolho a pessoa certa e ofereço-lhe a obra. Sei que ela terá outros olhares,  será fixada na mente daquele que saberá transmitir a mensagem absorvida. Contudo, livros que conservo – a imensa maioria lidos – têm nas páginas derradeiras em branco minhas anotações, em que indico o número da página e o conteúdo a ser guardado. Essa prática, que vem dos anos 1950, não a abandono, pois provoca a fixação mental. Ao consultar uma obra sei exatamente onde determinado tema que me interessa está. Memória privilegiada? Longe disso, apenas prática sedimentada através das décadas.

O convívio com a leitura pode nascer espontaneamente ou ser fruto de estímulo. Tendo sido flagrado em foto com uma das netas em plena resposta a uma de suas perguntas, fiquei inclinado a escrever este post. Emanuela estava encantada com um livro de 1764. Tratava-se da “Nova Instrucção Musical ou Theorica Pratica da Musica Rythmica” do teórico setecentista português Francisco Ignácio Solano (c. 1720 – 1800), obra que me foi oferecida pela saudosa e ilustre amiga Júlia d’Almendra. Particulamente esse referencial livro de Ignácio Solano chamava a tempos sua atenção. Pediu-me que lhe explicasse uma “tabela” inserida no livro, “Epílogo Enigmatico, e Indicativo do Primeiro Discurso do Compendio Summario…”. Como está a estudar música, expliquei-lhe que o precioso livro apresenta um “método” para facilitar o estudo do solfejo num patamar mais adiantado. Ficou a admirar durante bons momentos aquela página enorme e eu a refletir o que se passava na mente de minha neta. Emanuela tem uma queda pelos livros mais antigos. Observa-os atentamente e gosta de folheá-los. Aqueles de literatura francesa clássica, que pertenciam ao meu pai, encantam a menina, não apenas pelas encadernações, mas pelo papel e também pelo seu cheiro. Sem saber francês, Emanuela curte folhear aqueles velhos volumes.

Essas menções corroboram o fato de que o amor à leitura e ao livro físico pode ter muitas origens, desde a história em quadrinhos até esse processo que surpreende minha neta. Acredito mesmo ser um dom inalienável que leva à prática da leitura, seja através da obra impressa ou na formatação eletrônica. Para a minha geração, curtir a leitura impressa graficamente tem a carga da tradição. Fomos assim educados e o manuseio de um livro tem até a conotação do sagrado. Integra o nosso ser e não podemos viver sem a cotidiana leitura. As conversas que mantenho com meu dileto amigo António Meneres quando estou em Portugal, passeiam invariavelmente pelos livros e os muitos olhares que se descortinam durante e após uma leitura que nos seduz.

Sob outra égide, há quase que diária visitação a minhas estantes. A simples lombada de obra percorrida pelos olhos e fixada na mente já traduz a sua essência essencial. Para tanto, a retenção durante décadas do conteúdo de um livro só pode advir do espírito alerta. Escolhida a obra, e esse quesito é fundamental, atirar-se a ela com cuidado, empolgação tantas vezes, atenção e carinho torna-se imperativo. Só retemos aquilo que realmente nos causou impacto. Assim também acontece com a partitura musical. Apreende-se o que nos seduz e acredito que, após os anos de intenso aprendizado – na realidade, a vida inteira -, devemos nos concentrar nas obras em que acreditamos. Estudar algo que não nos traz sentido ou ler um livro por ler traz a mesma sensação, ou seja, o desencanto.

Nesse turbilhão em permanente aceleração, as possibilidades de se ter a concentração em objeto de estudo preciso vai se tornando mais difícil. Tantas são as novidades apresentadas ao jovem que, pouco a pouco, a grande maioria se dilui diante da multidiversidade do viver. Contudo, a boa leitura, escolhida com discernimento, poderá sempre apontar para o conhecimento. Enriquecerá a mente aquele que buscar boas obras, tornando-se mais consciente de seu caminhar pela História.

On the pleasures of reading serious literature and its importance to store background knowledge, expand our horizons, be able to think critically and grow more conscious of our own walk through History. 

 

 

Não Deixar se Perderem nas Calendas

Não pretendo destruir-lhes a autoridade
para afirmar o valor único do raciocínio 
mesmo que se pretenda impor essa autoridade
em detrimento da razão…
Blaise Pascal (1647)

Passadas as semanas com maior turbulência e impregnadas de euforia, tanto pelas manifestações de rua como pela conquista, pela quarta vez, da Copa das Confederações, várias lições deveriam ser atentamente conservadas. Esquecê-las poderia redundar em tristes consequências, tanto para um eventual plebiscito como para a Copa do Mundo de Futebol em 2014.

Primeiramente, o “hipotético” plebiscito. Os meios de comunicação apresentam várias sugestões captadas através da oitiva de políticos, empresários, operários, professores  e segmentos da sociedade. Sob outro aspecto, colocam ponderações do Governo no que concerne à pauta que deverá nortear o “provável” plebiscito. Em nenhum instante ouvi ou li algo palaciano que não fosse a prioridade da Reforma Política. Não estaria o Governo a tentar “driblar” problemas cruciais? A Reforma é mais do que necessária, mas o povo que saiu às ruas clamou por temas bem mais incisivos e imediatos. Os cinco itens apresentados pela presidente têm relação com a Reforma Política e, diria, são paliativos e até periféricos à realidade que se vive presentemente… Verifica-se que é novamente a classe política a se resguardar e a pensar na sua sobrevivência. Qual a razão de um imediatismo da presidente quanto à Reforma Política e à Constituinte, essa última “temporariamente” descartada? A presidente já lá está no Planalto há dois anos e meio e o ex-presidente do mesmo partido lá permaneceu durante oito. Não foi a pauta de cinco pontos enviada ao Congresso aquela que, minimamente, o povo pediu nas avenidas, ruas e praças do Brasil. Essa assertiva é facilmente comprovada. A possível Reforma Política tenta distrair a opinião pública e, se fosse para valer, haveria entre os itens a substancial diminuição de senadores, deputados e vereadores; de ministérios; de municípios; de cabides de emprego que infestam o orçamento do Estado; da carga tributária excessiva;  de benesses como a utilização de jatos da FAB para fins pessoais de congressistas, ministros e outros políticos, mesmo durante as gigantescas manifestações, o que é evidência do descaso de políticos com a realidade; das viagens dispendiosas da Nomenklatura ao Exterior e tantos mais desacertos. Brasília oficial esteve surda ao ruído das ruas! Continua a não ouvir. Retarda-se o óbvio: solução para incontáveis problemas por que passa o país, entre eles, a inflação e o desemprego. O povo quer solução imediata para temas que o afligem: Segurança (minoridade penal já, policiamento efetivo, penas bem mais severas para crimes como latrocínio, estupro, sequestro, tráfico de drogas, invasões indiscriminadas no campo e nas urbes…); Saúde (atendimento – ao menos potável –  para todo o cidadão do país); Educação (o abandono de nossa educação básica representada por professores mal remunerados, escolas deterioradas, a droga à espreita nas cercanias, o ensino superior infestado por inúmeras faculdades privadas de baixíssima qualidade); Saneamento Básico (não interessa aos governantes o que corre no subsolo, e detritos a céu aberto proliferam pelo país); Transporte Público (vergonha hoje que deverá se perpetuar, pois político não utiliza esse meio, como  fazem seus “colegas” da Europa, Japão, U.S.A.); Justiça (o que realmente estarrece a população é a impunidade e a lentidão da nossa Justiça). Qual a razão de só se pensar na possível Reforma Política, que poderá ter eventuais efeitos para as eleições de 2014, e não nos gravíssimos problemas que precisam de respostas urgentíssimas?

Quanto à Saúde, a presidente, no auge da crise, falou em “importar” médicos, mormente cubanos. Ouvi, no programa São Paulo Gente – Rádio Bandeirantes AM – do dia 29 de Junho, entrevista do Dr. Geraldo Ferreira, presidente da Federação Nacional dos Médicos. Fiquei estarrecido quando ele disse que para parcela cubana dos 6.000 médicos que aqui chegassem, uma parte do salário ficaria com esses profissionais, mas que fatia substancial desse provento seria entregue a Cuba, que sempre viveu em crise financeira endêmica, entre outras mais. Salientou o ilustre médico o ingrediente ideológico a nortear as intenções do Planalto. É algo inadmissível e as associações médicas têm, sim, de vir às ruas protestar – já o fazem – contra essa postura contra natura do Estado brasileiro, pois profissional há no país que aceitaria plenamente receber menor importância que seria paga, no seu todo, ao possível profissional caribenho. Na mesma orientação, esclarecedor artigo do professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharias de Alimentos (FZEA) da USP, Juan López Linares, cubano naturalizado brasileiro, apresenta pontos fulcrais: “A proposta de importação de médicos de Cuba faz com que 50% do salário dos médicos pago pelo Brasil sirva para alimentar a ditadura cubana”, e prossegue: “Sou a favor da vinda de médicos estrangeiros, mas não na forma de ‘pacote’ firmado entre governos com interesses espúrios e que limitam as liberdades individuais”. Observa ainda que “a ‘escola latino-americana’ de medicina em Cuba somente aceita, sem pagar os custos do curso, candidatos indicados pelos partidos políticos favoráveis ao regime dos Castros” (“Sobre a importação de médicos cubanos”. In: Jornal da USP, 1º a 7 de Julho de 2013, p. 2). Na realidade, seriam contratados médicos que não necessitariam ter seus diplomas revalidados no Brasil. Um escárnio! Em todas as áreas, para atuar como professor em Universidade Pública, o portador do título de Mestre ou Doutor – não o certificado de bacharel - que fez mestrado e doutorado no Exterior, precisa revalidar o diploma no Brasil, mesmo que essa titulação tenha sido obtida em universidade de ponta! Qual o motivo essencial de descartarem a revalidação de bacharel e silenciarem sobre a divisão desse salário médico-Cuba? Por que a presidente não se pronuncia claramente em cadeia nacional sobre essa “divisão” estranha de salário de eventual médico cubano? O povo concordaria com essa intenção vinda do Planalto se a verdade sobre essa “importação” fosse revelada? Certamente sairia novamente às ruas em protesto à malversação de verbas, pois parte considerável será destinada a Cuba, friso, e não ao precaríssimo sistema de saúde pública brasileiro. No clímax das manifestações, a presidente em pronunciamento à Nação disse que a contratação dos médicos do Exterior seria imediata. O tema tem sido amplamente debatido, mas as Associações Médicas estão a apresentar dados insofismáveis contrários à ação do Planalto. Sob outra égide, estivéssemos a falar em medicina de excelência, qual a razão do político palaciano e de outros rincões virem a São Paulo para fazer tratamento, a exemplo do último ex-presidente e da atual? Se a medicina é de excelência no país caribenho, qual o motivo de apenas dois hospitais paulistanos serem aqueles merecedores da total confiança do Planalto? Que nos expliquem com clareza, sem subterfúgios.

Sobre os circa 50.000 mortos assassinados todos os anos, pouco se fala nas áreas do Governo, e pronunciamentos são econômicos quanto à Segurança que está realmente lastimável em todo o território brasileiro. No que respeita à Justiça, o povo quer respostas rápidas concernentes ao Mensalão. Recursos interpostos pelos advogados dos réus estão a levar o tema para quando? Já em 2012, meu saudoso amigo Luca Vitali realizava sugestiva charge sobre o Mensalão. Era fim de ano, fomos tomar um curto como  fazíamos regularmente, e acreditava ele que o processo todo, já àquela altura em mãos do relator no Supremo Tribunal Federal, seria enterrado. No momento,  embora os réus  tenham sido  condenados, a decisão do STF pende de revisão por meio dos recursos interpostos por seus advogados, que, quando julgados,  poderão ou não alterar aquela decisão.  Na charge de Luca Vitali, as inquietantes palavras:  “Aqui Jaz o Mensalão e os caras de pau”. 

Contrariando os versos do poeta açoriano Almeida Firmino, “falta-nos a voz com que protestar” (vide “Anestesiados – Há solução para nossa índole?” 18/05/2013), o povo que saiu às ruas protestou, mas está a clamar por itens muito mais prementes. Que a presidente venha a público dizer quais as medidas para o que tão insistentemente foi cobrado pela imensa massa humana. É isso o que todo brasileiro consciente quer ouvir. Microfone não lhe falta.

This post resumes the subject of the nationwide protests that still sweep our streets and the government’s response: a package of proposals that seems intended to gain time and distract people’s attention from the serious issues of poor transport, healthcare and education.