Cientista de Mérito Incontestável: “Pai da Moderna Mandiocultura Brasileira”
Quem pode, alegre, o campo ver florir,
No céu da noite escura ver estrelas,
Ouvir e ver, ao longe, o mar bramir,
Buscar as coisas belas para sorvê-las!
Quem pode ouvir a fala da criança,
E o perfume das flores respirar,
E em sua fé nutrir a esperança
De um dia ver a Deus, e a ele orar!
A música divina e a pintura
Que são da natureza o som e a imagem,
Quem pode ouvi-la e ver na tela pura,
A orquestração das cores na voragem!
De tais messes quem pode desfrutar,
Não irá outro Bem jamais querer
Pois dirá: Deus! que mais posso almejar
Senão p’ra sempre assim poder viver!
Edgard San’Anna Normanha (1992)
Em nosso país existe tradição em louvar personagens mediáticos, sejam eles meritosos, medianos ou simplesmente medíocres. Mais e mais acentua-se a focalização nesses últimos, e holofotes possantes iluminam tantas vezes aquele que, por motivos os mais variados, sabe conquistar uma mídia que deveria clamar por competência. Aparência da verdade. Se atentarmos aos jornais, revistas, emissoras de rádio e de TV e textos de provedores internéticos, a decadência ético-moral e da língua portuguesa, tem sido sem tréguas. Enfim, é o que temos.
Edgard Sant’Anna Normanha foi um dos mais importantes cientistas brasileiros numa área que desabrochava para estudos aprofundados da agricultura. Quem dele se lembra hoje? Pesquisadores meritórios da área de raízes e tubérculos e aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo. Edgard Sant’Anna Normanha deixou um legado extraordinário e as ações em sua especialidade serviram para salvar povos carentes de inanição no Brasil, na África, na Ásia e em países da América Central. Debelou pragas, salvou culturas fadadas ao desaparecimento, dedicou uma vida inteira à sua especialidade, cercando-a não apenas com o conhecimento específico. Possuía uma visão enciclopédica, pois idiomas vários, espanhol, inglês, francês, italiano, alemão e latim não lhe eram estranhos, assim como a matemática. Nos momentos de devaneio, Edgard escrevia poesias ou textos leves e sensíveis.
Nascido aos 5 de Setembro de 1914 em Carinhanha na Bahia, às margens do Rio São Francisco, quase fronteira com o Estado de Minas Gerais, ainda na infância mudou-se com a família para São João del Rey, onde cursaria o primário no Grupo Escolar João dos Santos (1924/26), concluindo-o em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro (1927). O curso secundário seria realizado no tradicional Internato do Colégio D. Pedro II do Rio de Janeiro (1928/32) e o curso superior na respeitada Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, em Piracicaba, no Estado de São Paulo (1933/36). De 1937 a 1965 Edgard Sant’Anna Normanha trabalhou na Seção de Raízes e Tubérculos do respeitado Instituto Agronômico do Estado de São Paulo, em Campinas, tendo realizado seus mais importantes experimentos agrícolas com a cultura da mandioca.
O cientista não se restringiria apenas à pesquisa da mandioca, sua especialidade, mas incursionaria por rincões desse imenso país, juntamente com ilustres colegas, estudando a batata doce, o cará, a mandioquinha salsa, a araruta industrial e as aracéas comestíveis. Saliente-se, nessas viagens, a companhia do colega Pedro Teixeira Mendes em 1939 e José Elias Paiva Neto em 1942. Em 1951, Sant’Anna Normanha percorreria extensa região do Nordeste, colhendo quantidade apreciável de variedades de mandioca. A viagem resultou em estudos aprofundados e apresentados em reuniões científicas no Brasil e no Exterior. Dedicar-se-ia, igualmente, ao aperfeiçoamento e desempenho de implementos agrícolas relacionados às suas pesquisas, tendo sido, possivelmente de maneira pioneira no mundo, aquele que ajudou a plantar um hectare de mandioca a partir da técnica de tração mecânica, por ele desenvolvida para o mister, exemplo de sua curiosidade e dedicação a tudo relacionado a raízes e tubérculos. A primeira máquina de preparar manivas receberia, em sua homenagem, o nome de “normaniva”.
Juntamente com seu colega do Instituto Agronômico de Campinas, Araken Soares Pereira, Normanha apreendeu as melhores condições e épocas para o plantio da mandioca e essas pesquisas levaram ao aproveitamento 80% superior aos processos anteriores de cultivo.
Bolsista da John Simon Guggenheim Memorial Foundation de Nova York, realizou pesquisas importantes relativas à mandioca entre 1952 e 1953.
Notável sua atividade no México de 1962 a 1971, país em que estagiava durante mês a cada ano. Desenvolveu e assessorou para empresa privada, a produção industrial da mandioca no Estado de Chiapas, região de Tapachula, destinada à produção de amidos e dextrinas, tendo mais do que duplicado a produção da mandioca para esse fim. Louve-se a utilização de plantadeiras fabricadas no Brasil, que foram de grande eficácia para esse fim, pois Normanha idealizou a mecanização do preparo (corte) que pela primeira vez foi utilizada em culturas de mandioca no México. Expressivos os seus experimentos para aprimoramento do cultivo do lemon grass e da citronela em terras mexicanas. A empresa privada “Adesivos Resistol” rendeu tributo a Edgard Sant’Anna Normanha pelos resultados obtidos, dando o nome do cientista a uma Estação Experimental de Mandioca, localizada nos arredores de Tapachula.
Importantes suas pesquisas que ajudaram a debelar pragas que acometiam o barbasco, planta nativa do México (maior produtor mundial) e países da América Central e de cujos tubérculos se obtém a diogesnina, precursora da cortisona e hormônios do sexo. Ter debelado a praga na Nicarágua valeu-lhe ser recebido, como reconhecimento, pelo presidente e ditador Anastasio Somosa.
Como assessor da FAO (Food and Agriculture Organization of United Nations), obteve resultados exemplares com suas pesquisas. Em 1975 passaria três meses na prestigiosa organização com sede em Roma, e também em outras capitais da Europa, a fim de elaborar projetos fundamentais à cultura da mandioca e de tuberosas em países de clima tropical. Foram várias incursões em tantas regiões do Exterior. Apenas para mencionar alguns países onde atuou temporariamente: México, Guatemala, Nicarágua, Paraguay, Gâmbia, Togo, Nigéria, Angola, Sri Lanka (Ceilão), Thailândia.
No “Mandi-Notícias”, informativo técnico e geral sobre mandiocultura da Sociedade Brasileira de Mandioca (ano II, nº único – 1979), escreve o editor, o ilustre engenheiro agrônomo José Osmar Lorenzi: “A EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em 26 de abril de 1977 lhe outorgou o Prêmio Frederico de Menezes Veiga, observando: ‘Ao lhe conceder o Prêmio Frederico de Menezes Veiga, a EMBRAPA pretende render um tributo ao pesquisador que aliou à sua missão científica um alto grau de simplicidade e, precisamente por isso, construiu um trabalho de inestimável valia para aqueles que, agora, buscam soluções mais econômicas e que atendam ao desenvolvimento nacional. Para tanto, é obrigatória a consulta à sua longa e substanciosa experiência”. Uma expressiva homenagem do Instituto Agronômico de Campinas foi prestada ao insigne pesquisador, pois atribuíram-lhe o nome de uma alameda na Fazenda Santa Elisa, pertencente ao I.A.C.
Edgard Sant’Anna Normanha deixaria dezenas de artigos publicados no Brasil e no Exterior sobre suas pesquisas e descobertas na área das raízes e tubérculos. A grande maioria depositada no referencial Instituto Agronômico de Campinas, onde realizou a maior parte de seus trabalhos. Certamente foi um cientista que ajudou a mitigar a fome em países onde escassez se fazia soberana. Quantos não foram as milhares e milhares de pessoas que lhe devem a vida mercê de suas atuações? Teve sempre o apoio de ilustres colegas do Instituto Agronômico de Campinas.
Sou um privilegiado. Foi uma dádiva tê-lo como sogro. Casado com a ilustre pedagoga e professora de piano Olga Rizzardo Normanha (vide blog “Professora Olga Rizzardo Normanha – 1915-2013, 02/03/2013), viveram concentrados em servir a comunidade em suas áreas específicas. Minha mulher Regina e minha cunhada Maria Elizabeth seguiriam os passos musicais maternos. Quando do estágio nos Estados Unidos, como bolsista da Fundação Guggenheim, fez-se acompanhar de sua esposa Olga e da filha Regina, então com 12 anos de idade. Pianista precoce, Regina participaria do Junior Bach Festival em Berkeley, na Califórnia. No link abaixo, a gravação ao vivo de uma peça de seu recital, inteiramente dedicado a J.S.Bach.
Clique para ouvir, de J.S. Bach, o Prelúdio da Suíte Inglesa no. 2, com Regina Normanha ao piano (1953).
Curiosamente, foi em uma das viagens do Dr. Edgard (assim sempre o chamei) ao México, acompanhado de Olga e Maria Elizabeth, que esta conheceria o “cicerone” da empresa para a qual meu sogro trabalharia temporariamente, o competente engenheiro químico e de segurança Luiz Atristain Martinéz. Casaram-se e estão fixados na capital mexicana. Salientaria que a cultura enciclopédica do Dr. Edgard era magnânima, generosa. Jamais, friso, jamais deixou de responder às questões que nossas filhas lhe formulavam. Se dúvida pairasse, telefonava-nos e, com carinho, nunca deixava pergunta sem resposta. Menciono também o fino senso de humor de meu sogro, que encantava a todos que o conheceram. Ágil no raciocínio, era “mestre” nos trocadilhos e na arte de desenhar. Esse lado humano e sensível ficaria externado nos inúmeros poemas que deixou. Faleceu em Campinas aos 17 de Novembro de 2002.
Nesse Brasil a deriva sob o aspecto político e também cultural, onde falsos valores são glorificados, a lembrança de uma figura tão expressiva e fundamental à nossa agricultura, exemplar sob os aspectos ético e moral, criativo na ampla acepção da palavra, torna esse post um singelo tributo a Edgard Sant’Anna Normanha nesse dia 5 de Setembro, data de seu centenário.
This post is a tribute to the memory of Edgar Sant’Anna Normanha in the centennial of his birth. A cassava (manioc) researcher, Normanha was expert in roots and tubers, helping fight hunger in many tropical countries. He was also my father-in-law, a man I learned to admire not only for his acute mind and commitment to his work, but also for his uprightness, sense of justice and humor.
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