Três Jóias Portuguesas
Nesta semana os recitais de piano deram-se nessas cidades, que mantêm viva parte expressiva da história de Portugal. Em posts anteriores, já mencionara parcelas das trajetórias distintas das três urbes (vide Coimbra, Évora e Braga, posts publicados aos 12, 22 e 31 de Maio de 2007, respectivamente, categoria “Impressões de Viagem”).
Évora é mistério e magia. O muito bem conservado centro histórico, cercado por altas muralhas, contém ruelas estreitas, abrigando igrejas, conventos, ermidas, casario típico do Alentejo e peculiaridades só encontráveis nessa bela cidade. O recital, como em anos anteriores, deu-se no Convento dos Remédios. O altar-mor, com a expressiva imagem de Nossa Senhora dos Remédios ao centro, é de fina talha e revela a maestria dos artistas barrocos.
Promovido pelo Eborae Musica, tão bem dirigido pela Professora Helena Zuber, o recital fez parte da intensa programação da exemplar Instituição de Ensino. Viajamos com a querida amiga e professora Idalete Giga, gregorianista e Diretora do Centro Ward de Lisboa. Durante o percurso pela planície alentejana, recitou-me alguns versos de sua autoria. Mercê de ser nascida no Alentejo, creio que as linhas que seguem transmitem esse amor a Évora e à sua magia, pois ao longo de milênios tantos povos passaram pelas terras da cidade:
Évora
É a brancura
de tua veste
que me ilumina
o coração
És neve pura
que o sol aquece
Moura encantada
dormes no seio
da solidão
A cidade do Porto é meu epicentro quando os recitais são ao norte de Lisboa. Fico sempre em casa de minha dileta amiga, Professora Maria de Lurdes Álvares Ribeiro, a Kiki (vide Kiki, 2 de Junho de 2007, categoria “Impressões de Viagem”). A viagem de comboio até Coimbra é rápida. Em sendo este o quinto ano consecutivo que retorno à cidade para recitais, nem sempre os meses são coincidentes. A visualização de Coimbra em estações diferentes é esplêndida. Quando o comboio atravessou a ponte, ao percorrermos o trajeto Lisboa-Porto, as tonalidades da luz refletida nas águas do velho Mondego eram únicas. Em uma das colinas, a Universidade se apresentava como um cartão postal indelével. Para minha filha Maria Fernanda foi um deslumbramento, pois era a primeira vez que visitava a cidade, por séculos tão profundamente influente na cultura brasileira. Rever o público coimbrão e professores ilustres de tantas áreas é sempre motivo de felicidade. Meu colega e notável pesquisador musical José Maria Pedrosa Cardoso fez uma competente introdução do repertório apresentado: Rameau (1683-1764), Beethoven (1770-1827), Gabriel Fauré (1845-1924) e os extraordinários compositores portugueses Carlos Seixas (1704-1742) e Francisco de Lacerda (1869-1934). Seixas nasceu em Coimbra. Pela manhã retornamos ao Porto. Luz outra ao atravessarmos a ponte. Coimbra e suas surpresas.
Braga tem algo de espiritual para este intérprete. Não sem razão, Jamlig Tenzig Norgay, filho do sherpa Tenzig Norgay, que em 1953 foi o primeiro a atingir o topo do Everest, juntamente com Edmund Hillary, ao atingir o cume em 1996 relatou todos os preparativos, a emoção conseqüente e os resultados finais em livro denominado Em Busca da Alma de Meu Pai. Há toda uma reverência em torno do seu progenitor. Mutatis mutandis, Braga tem para mim uma conotação mística. Retornar à cidade é reencontrar essa aura de meu pai. Cada pedra das velhas calçadas faz-me dele lembrar. Sinto-o em minha apresentação, verdadeiro estímulo espiritual. O recital foi patrocinado pelo Departamento de Música da Universidade do Minho, dirigido pela dedicada Professora Elisa Lessa. Em Maria Fernanda, que pela primeira vez esteve em Braga, a emoção era visível.
Algo extraordinário se passou. O recital deu-se no Salão Nobre dos Congregados da Universidade do Minho, na Avenida Central. Entre 1918-28, meu pai trabalhou em uma firma comercial bem próxima ao local, nessa mesma Avenida. Comentei peças do recital e uma alegria muito intensa povoou o meu pensar e a minha interpretação. A alma de meu pai presente? São tantas as hipóteses que se apresentam. Competentes professores ouviram minhas reflexões faladas e sonoras. Foi bom conviver um pouco mais com os amigos Luís Pipa, excelente pianista, Helena Vieira, aplicada pedagoga, Rui Feio, administrador atento e sensível. Em sendo a derradeira apresentação nesta longa tournée pela Bélgica e Portugal, fica registrado esse feliz encontro com algo precioso para mim: as origens que nos acompanham durante nossas trajetórias.
A tour in Portugal with performances in Évora, Coimbra and Braga, three cities with which I have strong links of affection.
Comentários