O trovejar fazia-se longínquo. A aproximação foi rápida. Subi as escadas, a fim de fechar as janelas. Quase de imediato desabou o aguaceiro, acompanhado de relâmpagos e trovoadas assustadoras. Abaixo da janela de meu quarto, uma velha pérgula sustenta uma antiga primavera, que floresce em vermelho. O vento, em rajadas violentas, propiciava uma dança dos frágeis galhos. Sobre o mais débil, um beija-flor, de uma das dezenas de espécies ainda existentes no país, possivelmente um “tesoura”, ou eupetomena macroura, sustentava-se com grande desenvoltura. A chuva torrencial apenas era motivo para a abertura ampla das asas e da cauda bifurcada. O minúsculo pássaro erguia a cabeça em direção às águas que despencavam, ritualizava os movimentos, compartilhava essa relação de maneira integral.
Tive a convicção de que ele estava em comunhão total com a natureza. Podia-se pensar numa alegria contagiante. Passaram-se dez minutos. O aguaceiro resultou em chuva amena e o colibri, em tonalidades escuras de verde e azul, sacudiu as gotas e voou.
Fiquei à janela por mais alguns minutos, a pensar na quantidade absurda de árvores diariamente abatidas, levando em sua queda mortal tantos ninhos de pássaros, tantos mamíferos, tantas outras vidas. Neste país endemicamente descompromissado com a natureza, assistir a uma ode à vida ainda é uma tênue esperança.