Salvaguarda da Esperança
Não sou do ortodoxo nem do heterodoxo;
Cada um deles só exprime metade da vida,
Sou do paradoxo que a contém no total.
Agostinho da Silva
Nesse mundo conturbado, onde há tantas discrepâncias entre os jovens, diria até, categorias claras de atitudes perante a vida, ou mesmo de realidades existentes, é estimulante verificar a presença de segmentos laboriosos. Indispensáveis à sociedade, moços estão numa rotina que se faz necessária em uma cidade grande, a viver um cotidiano difícil e levado a sério.
Mesmo entre parcela dos jovens que nasceram em berços seguros financeiramente, com bons estudos em escolas particulares e lazer no momento oportuno, há distorções, mercê da educação, da índole, do ambiente frequentado. Tristemente, muitos se perdem nas drogas, outros mais têm o dinheiro facílimo e desperdiçam anos preciosos na ociosidade, nos estudos negligentes, nas denominadas baladas e no preconceito frente aos menos favorecidos. Mas há aqueles nesse segmento que, cientes das responsabilidades e acalentados por famílias estáveis, equilibradas e amorosas, conseguem ultrapassar a fase de aprendizado e tornam-se úteis à sociedade, constituindo, por sua vez, famílias igualmente estruturadas.
As grandes cidades são cruéis e muitos se desviam sem retorno. Numeroso contingente de jovens desconhece inclusive a paternidade e, não poucas vezes, a maternidade. Crescendo à própria sorte, cooptados por outros de mau caráter, exemplificam que a distorção está feita. Tem-se pois, a queda vertiginosa em direção ao tráfico e à violenta criminalidade. O Estado, na verdade, pouco se preocupa com essa situação. São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades populosas apresentam diariamente suas chagas abertas ante o silêncio das autoridades. Jovens inocentes são abatidos mensalmente por meliantes de toda espécie, que em bandos se exterminam também mutuamente. Para as vítimas, o pranto dos familiares; para o marginal, quando menor, associações protetoras denunciando a sociedade; quando maior, aparições dos raros que são presos com as cabeças baixas e cobertas. A mídia estimula essa infausta divulgação. Parafernália em crescimento geométrico.
Mas há esperança. A grande maioria dessa mocidade é operosa. Vemo-la, sobremaneira nas grandes cidades, ocupando os espaços do trabalho intenso, quase sempre com salários que possibilitam apenas a sobrevivência precária, mas exercida com dignidade. Colaboram com afinco, contando os tostões, na renda de famílias simples e honradas. Quantidade desses jovens está espalhada nas grandes redes de supermercados, shoppings, instituições financeiras, lojas e suas filiais, pequeno comércio, e escritórios. Todos verdadeiros heróis. Alguns, mesmo exaustos, encontram tempo para estudar. Porém, dificilmente podem competir em igualdade nos vestibulares das universidades gratuitas. Mais uma das tantas injustiças do Estado na esfera da educação. Quando sonham praticar esportes que poderão levá-los às competições, praticamente não têm patrocínio das entidades públicas e privadas. Vive essa juventude trabalhadora no corre-corre da cidade a levá-la, após duas, três ou quatro horas diárias de transporte coletivo, a destinos em que atividade sem distrações a espera. Aglomera-se em ônibus, trens e metrô. Agrava-se igualmente essa constrangedora situação. Apenas na pré-eleição vozes conclamam resultados a serem aferidos, mas que nunca se tornam reais. Transporte, saúde, educação e segurança realmente não fazem parte do pensar de nossos homens públicos.
Há décadas, mormente após a aposentadoria universitária, vou aos supermercados de minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo. Assim como em tantos pontos dessa megalópole descomunal, proliferam redes desses estabelecimentos varejistas, que a cada ano aumentam filiais, mas que se restringem, hoje, basicamente a um duopólio. Ainda há as feiras livres – até quando? – (vide Feira Livre, Uma Festa para os Sentidos, 08/08/08), padarias, supermercados de hortifrutigranjeiros, açougues e outros estabelecimentos menores, que fazem lembrar os saudosos empórios e quitandas. A verdade, contudo, é que temos de adaptar-nos ao que existe.
Visito diariamente um hortifrúti bem perto de casa, o Natural da Terra, pois aproveito para comprar também pão fresco e leite e, durante intervalos do estudo pianístico, tomar um curto enquanto reviso textos. Rotina prazerosa. Conheço pelo nome as meninas dos caixas, os rapazes que transportam as mercadorias e aqueles que trabalham na ótima lanchonete, onde não faltam simpatia e salmão especial. O convívio faz-me apreender a vida extra-trabalho dessa mocidade, relatos breves que me são transmitidos nos curtíssimos momentos, quando de um pedido ou pagamento. Contam-me as dificuldades nessa cidade, o perigo sempre à espreita quando retornam aos lares à noite, mas também sonhos acalentados. Algumas já têm filhos pequenos e com orgulho mostram fotos dos rebentos. Outras estão à espera. Quanto aos moços, há bela atitude frente ao dia a dia. Têm seus anseios, aspirações quanto ao futuro, assim como seus times de futebol preferidos. Não pertencem, felizmente, às gangues das torcidas organizadas, e recebem com descontração as brincadeiras às segundas-feiras, quando seus “esquadrões” sucumbem frente aos adversários. Ao passarem por casa carregando as compras dos fregueses, o sorriso simpático e a saudação franca é testemunho de vida saudável. Diferem, no trato com os fregueses, dos também laboriosos jovens do duopólio – há vários no entorno -, geralmente contidos, devido, quiçá, a ordens superiores. Toda essa bela rapaziada não faz parte de noticiários, nem a mídia por eles se interessa, pois a violência é um dos alimentos preferidos dos meios de comunicação. Por que os bons exemplos não são ventilados, mas apenas o erro, a desgraça e o infortúnio? A sociedade não apresentaria uma possibilidade de melhora, se fossem divulgados o trabalho e a vida dessa juventude?
Senti profundamente a boa índole dessa maioria silenciosa em 2004, ao iniciar o tratamento quimioterápico no Hospital Nove de Julho. Em plena sessão, qual não foi a minha emoção ao ver adentrar o quarto três moças que trabalhavam no caixa de organização do mesmo ramo, mas anterior ao Natural da Terra. Pediram licença ao gerente no horário do almoço, pegaram o ônibus em trajeto longo e vieram visitar-me trazendo uma imensa cesta de frutas. Uma delas beijou-me a mão. Não me contive e chorei, o que é transparente quando estamos fragilizados. Durante longo período, permanecia, logo após as químios, dias em casa, a fim de evitar contágio. Quase que diariamente algumas das moças desciam a rua, tocavam a campainha e me saudavam do portão. Que emoção !
Os jovens que hoje trabalham no mesmo local têm essa mesma inclinação voltada para o bem, mercê também de tratamento cordial, a ser louvado, da organização junto aos seus funcionários. Gente boa, moços que admiro profundamente. Visitar o Natural da Terra é motivo de prazer. Sei sempre que haverá uma breve conversa com alguns dos jovens, brincadeiras, ou apenas o sorriso ou um piscar de olhos. E a vida prossegue nesse cotidiano que tem lá seus encantos.
While newspapers and TV news tend to choose to report on “junk food news” – youth violence, drug addiction and hooliganism – to pull in a larger audience, there is the other side of the coin: a legion of brave young people who work hard and have good family values. This post portrays some of such boys and girls who work in a greengrocer’s shop near my home: a youth that is level-headed, polite, good-humored and not engaged in antisocial or offending behavior, though prevented by economic disadvantage from achieving their full potential in life.
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