Quando mensagem tem guarida
Na estrada por que vou
Não fujo do meu norte.
Edmundo Bettencourt
A carta ao jovem pianista (vide post de 13/02/10) propiciou número inusitado de acessos. Muitos leitores se interessaram pela problemática do amadurecimento artístico. Friso sempre que a idade não significa aprioristicamente status mais adequado para que a compreensão se dê. Se vícios adquiridos em quaisquer atividades artísticas se enraizarem, natural supor que eles recrudesçam com o decorrer do tempo, o que compromete o aprimoramento. Não obstante, se houver equilíbrio no todo de um desenvolvimento, certamente o amadurecer será fato real.
Após a publicação do blog, o jovem respondeu-me e, dias após, inseri no post a missiva eletrônica por ele enviada. Outras mensagens chegaram ao meu correio eletrônico e seis, entre inúmeras significativas considerações de leitores, transcrevo a seguir.
Um dos maiores músicos brasileiros, Roberto Duarte, regente e pesquisador, gravou inúmeros CDs no Leste da Europa contendo a obra sinfônica de Villa-Lobos. Escreveu-me a relatar sua arguta compreenção desse ato mágico, a gravação competente: “Notas na pauta, ritmos assinalados, sinais de agógica, indicações de dinâmica e instruções para a execução não bastam para que uma música exista. Falta o elemento básico: o som. Sem ele tudo aquilo que está ali escrito será apenas um lembrete, uma representação muda e sem vida do que aquela obra de arte poderá ser. Para produzir o som é necessária a figura, a presença do intérprete cantor, instrumentista ou regente. É o mediador. Sua posição, extremamente importante, entre o compositor, através da partitura (texto musical escrito), e o ouvinte (público) é difícil e delicada. Torna-se cada vez mais complexa à medida que o autor e o intérprete se distanciam no espaço e no tempo. O significado dos sinais gráficos vai se alterando com o passar das décadas e aos poucos esses sinais vão perdendo o sentido original. O artista é obrigado a um estudo cada vez mais profundo sobre a maneira de escrever dos diferentes compositores e das diversas épocas em que as obras foram criadas.
As coisas se complicam ainda mais quando o intérprete moderno (dos últimos 50 anos, pelo menos) entra em um estúdio de gravação para perpetuar as suas interpretações. É uma enorme responsabilidade, mesmo para um artista experiente. Hoje, com a fantástica difusão da internet em todas as camadas da sociedade, ouve-se de tudo: desde os grande mestres do passado até aos inconsequentes jovens talentosos, mas sem o devido preparo que se lançam ao mundo de forma completamente impensada”.
Da Califórnia (U.S.A), o leitor Paulo de Matos Machado demonstra a extensão do tema. Escreve: “Soube dos blogs do senhor professor através de um amigo que vive em São Miguel nos Açores. Dizia-me lá ele que está a ler seus textos desde o ano que passou. Acompanhei o conselho e tenho seguido semanalmente a diversidade dos posts do senhor professor. Calou-me muito ‘Carta a um Jovem Pianista’, pois o senhor professor transmite ao novel artista toda a experiência vivida, inclusive a comentar ocorrências não muito alvissareiras. Reporto-me à investida dos mosquitos durante gravações e a ganância de colega que não teve a decantação que se faz necessária para um amadurecer, a trocar a exatidão pela pressa em ‘aprender’ material para registo de Lp em apenas três dias ! O texto acabou por ser a resposta ao questionamento interior que me faço ultimamente sobre a decantada ‘idade madura.’ Acompanho integralmente o posicionamento do senhor professor quando pormenoriza a qualidade como meta maior a ser atingida, a única na verdade. Numa visão mais pragmática, ao mencionar gravações sem zelo, talvez mais não pretendesse o senhor professor do que alertar gerações em todas as áreas do conhecer. Quero parabenizar o senhor professor Martins pelos ensinamentos transmitidos”.
Idalete Giga, professora e regente coral, especialista em canto gregoriano envia-me e-mail de Lisboa, a pormenorizar a qualidade da epígrafe escolhida e a problemática do YouTube: “Quanto à ‘Carta a um Jovem Pianista – A qualidade como Destino’ a quadra do querido e saudoso Prof. Agostinho da Silva, a coroar o texto, é a síntese das sínteses do maior Tratado de Filosofia ! Que lucidez, que sabedoria ela contém ! Olhe esta, também de Agostinho da Silva, que é um hino à humildade: Descobri um novo título/ E espero que o céu mo assuma/ É ser Honoris Causa/ Em coisa nenhuma. A pintura de Deleener vem completar a quadra de Agostinho da Silva: mas vejo mais do que via/ E sonho mais que sonhava… Infelizmente, o YouTube transformou-se numa espécie de Feira da Ladra, onde aparecem pequenas preciosidades ao lado de montes de lixo. Para os jovens que ainda pulam muito e saltam muito, mas pouco vêem e menos sonham, o YouTube é uma miragem”.
De Belo Horizonte escreve-me a professora e juíza Mônica Sette Lopes: “Meu caro amigo, gostei imenso do post de hoje, por várias razões. Porque fala do tempo e de como ele nos constrói, porque fala do que é importante, dos rastros que se deve deixar, porque fala da nossa relação com os mais jovens.”
Rosana Costa, de São Paulo, comenta: “Quando você diz: A vaidade humana é incomensurável; toca-me profundamente, pois tenho notado o quanto uns se julgam superiores ao outros, a mania de subjulgar a capacidade alheia. Sua delicadeza em dizer ao Jovem Pianista que não podemos ‘atropelar’ o tempo, há sabores que necessitam do processo de maturação, o tempo sempre sábio, embora a nossa impaciência teime em querer burlar a sabedoria do mesmo”.
José Bezerra Medeiros, de Pernambuco, tem visão cética, e considera que as: “… atividades culturais dependem de um complexo envolvendo economia, estágio da sociedade, saúde e formação do povo. A cada dia, crescentemente, a massa dirigida perde o contato com o passado. Discutir qualidade não seria elitismo? Muitos dos jovens que ouvem ‘música’ imediata, mas esquecida depois de nova gritaria de sucesso, tomam sua água de coco, fumam sua maconha, fazem sexo livre, cobrem o corpo com tatuagens extravagantes e se vestem como maus palhaços. O cidadão que vê notícias sobre manifestações coletivas desse tipo de música percebe a total alienação desse povo. Professor, esse povo que vai a todo show com a participação de ‘cantores’ berrantes não pensa nem no passado e nem na qualidade. É só o presente alienado que provoca adrenalina nesse mundão de gente, e parte do povão alucinado saiu da universidade ou ainda continua nela. O Professor luta e acredita. Eu não creio em mais nada. Estamos indo para o caos dos costumes. Essa é a realidade”.
Outros mais abordaram o fulcral amadurecimento; a incógnita quanto ao tempo em que ele ocorre e se sedimenta; as cargas de toda ordem que acompanham o amadurecer; os frutos consequentes; o aprimoramento espiritual que pode surgir, a levar ao recolhimento individual sem contato com o exterior. Neste último caso, foram citados eremitas, anacoretas, carmelitas, trapistas, budistas e tantos outros, que intensificam a prática do auto conhecimento e a comunicação por meio da prece com o Poder Maior. Tornou-se evidente que as mensagens concentraram-se preferencialmente nessa busca incessante do aprofundamento, e a gravação, que foi motivo central, motivou tantas interessantes observações dela derivadas.
Many readers of my last post (Letter to a Young Pianist) deemed it noteworthy and wrote me to share their thoughts on the subject. I selected only a few of such messages – for space reasons – and they are the post of this week.