Navegando Posts publicados em março, 2010

Quando a Morte é Espelho da Realidade

Horta, capital do Faial. Arquipélago dos Açores. Panorâmica da cidade. Foto J.E.M. 1992. Clique para ampliar.

Mortos ao chão,
vivos ao pão.

Adágio Açoriano

Faz-se necessária a colocação no blog de meu segundo artigo (vide post anterior) sobre o tema novela, publicado no Suplemento Antília de O Telégrafo, da cidade da Horta, capital do Faial, uma das nove ilhas do Arquipélago dos Açores. Só vieram à superfície mercê de comentários incisivos de emissora AM de São Paulo a respeito de conteúdos de novelas e reality shows, a desvirtuarem costumes. A divulgação de Um Trágico Amalgamar deu-se aos 12 de Março de 1993, após infausto acontecimento que levou a vida de jovem atriz de novela em morte violenta. Consubstanciavam-se os elementos que envolvem parte do processo de elaboração desses gênero televisivo, acrescidos dos patrocínios necessários, dos índices de audiência seguidos a cada momento e da recepção pública de um povo que assiste a essa programação movido por motivos os mais díspares. Impressionou-me, naqueles dias tormentosos, um fato relevante, que ficará em todos os compêndios de História do Brasil : o impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello e a consequente cassação de seus direitos políticos por dez anos. Pois a tragédia a envolver a jovem atriz teve repercussão tão grande ou maior do que aquela de episódio que permanecerá seculo seculorum. O esquecimento já se abateu quase que por completo sobre o brutal assassinato. É o real tout court. Como no post anterior, mantive a ortografia da publicação em Antília.

Um Trágico Amalgamar

“Heitor Aghá Silva, em artigo a constatar a realidade das novelas brasileiras exibidas no Arquipélago, e o comentário d’além mar deste correspondente sobre aspectos de um todo a abranger os bastidores das novelas, possivelmente desconhecidos pelo povo açoriano, tiveram a exemplificá-los um infausto acontecimento, ocorrido no dia 28 de Dezembro último na cidade do Rio de Janeiro. Uma das actrizes da novela em exibição foi brutalmente assassinada, após os ensaios, pelo personagem que com ela contracenava.
Ficção e realidade colidiram, a resultarem n’uma tragédia inédita no Brasil, colocando a nu o deplorável estado do gênero e evidenciando o alcance a beirar o surrealismo que a telenovela atinge junto à população, que avidamente a consome. A falência moral e ética do gênero telenovela é a consequência da incúria da escolha de um tema e do texto mutuamente fragilizados, da seleção dos ‘artistas’, da necessidade de se atingir índices de audiência, negligenciando-se quaisquer objetivos educativos, da recepção angustiada por telespectador desesperançado nessa crise permanente por que passa o país e que vê na telenovela o ‘bálsamo’ – aparência da fuga -, o refúgio para as angústias do cotidiano.
Denunciávamos, em artigo anterior, que parte dos ‘artistas’ das telenovelas pertencente a uma classe média é recrutada nos ambientes urbanos e, muito mais que a qualidade do ‘actor’ ou da ‘actriz’ a ser erigida, conta a presença física, que deve causar impacto. Despreparadas, muitas das ‘actrizes’ brevemente estarão a estampar seus corpos nus em revistas específicas.
Os ‘artistas’, mitificados pela presença diária nos lares, confundem-se no ideário do espectador com os seus próprios personagens, familiares e de convívio. A tragédia que existe no cotidiano adquire dimensões amplas quando ocorre na realidade com um dos personagens fictícios das telenovelas. Presentemente, milhões de brasileiros assistem a mais uma dessas produções, onde, novamente, o precário texto, sempre manipulável ao sabor das oscilações dos gostos, está de mãos dadas com o todo absurdo. Lamentavelmente a novela atual deverá um dia entrar nos lares açorianos.
Voltemos ao acontecido. Dois dos personagens jovens que integram o elenco perpetuam-se em discussões corriqueiras e emocionais. Na ficção, o rapaz tem ciúmes doentios da jovem, bonita, que representa papel descontraído. Na vida real, ele é casado e a sua mulher, recém saída da adolescência em seus 18 anos, está grávida de quatro meses. Os ciúmes desta pelo marido, que vive personagem na ficção televisiva, somados à anormalidade psíquica do mesmo, compõem a antecâmara do crime. Após gravação de um capítulo em que a jovem encerra o namoro, este chora, frise-se, na ficção. Algumas horas após, na realidade, marido e mulher estarão a golpear fatalmente, com dezoito perfurações, a actriz de 22 anos.
O Brasil, na manhã do dia 29 de Dezembro, assistia à declaração do impeachment do Presidente Collor de Mello pelo Senado Federal e, em longa sessão posterior, que se prolongaria até a madrugada de 30 de Dezembro último, à cassação dos direitos políticos do então ex-presidente até o ano 2000. A tragédia ficção-realidade que se abatera sobre o país conseguiu paralelismo em todos os meios de comunicação, com o desdobramento político inédito no Brasil, para o qual, durante quase um ano, a população voltara as atenções.
Horas após o brutal crime, milhares de pessoas saíram às ruas do Rio de Janeiro e o que se viu foi absoluta identificação. Choravam pela vítima e pediam vingança, como se a personagem imolada fosse a mãe, a irmã, a namorada, a mulher, a filha. Outra simbiose se processava. No cemitério ou junto à Delegacia de Polícia, durante dias, um público absurdo buscava vaticinar o veredicto para os réus e, na histeria, idolatrar os mitos vivos que visitavam os lugares citados.
A maior rede de televisão que produz novelas no Brasil, por sua vez, aproveitou-se da tragédia para ampliar os seus índices de audiência com a maciça divulgação dos pormenores da tragédia. A morbidez, o desrespeito, a culpabilidade não entendida como culpa, mas como um processo acidental, tudo a evidenciar a profunda e abissal amoralidade, a ausência de qualquer ética.
Anteriormente escrevíamos sobre as modificações que os textos sofrem no decorrer de uma novela, motivadas por pesquisas sucessivas, o que corrobora a literatura de sofrível qualidade. A morte real não impede, contudo – antes, é audiência -, que a personagem continue a desfilar juventude, graça e alegria durante os capítulos que gravou bem antecipadamente, até o derradeiro, na noite de seu destino fatal. Suprimir esses capítulos? Nem esse respeito foi prestado à memória da vítima. Incita-se o telespectador ao convívio com o peristilo da fatalidade. E, a agravar, a autora do texto, na vida real, é a mãe da jovem assassinada, o que, no imbroglio, dimensiona o equívoco.
Contra a força dos media, temos poucos instrumentos de defesa. Contudo, de um último não podemos abdicar, o da denúncia. A receptividade ficaria a cargo das consciências”.

Horta, capital do Faial. Arquipélago dos Açores. Conservatório Regional. Foto J.E M. 1992. Clique para ampliar.

Dezessete anos se passaram. O que mudou? Basicamente nada. Antes, houve recrudescimento. Continua o desfile de aviltes aos costumes. A acrescer, os reality shows escabrosos em exibição e o desrespeito à lhaneza de um povo. Se o homem simples ou o letrado assiste a essas programações não seria pela intensidade da mídia e pela falta de opções na TV aberta? Dezessete anos em que o vernáculo também tem sido sacrificado por modismos que sucumbem à força de outros modismos. E de pensar que o jovem pode votar aos dezesseis, um ano a menos do que a redação do artigo em pauta ! Hélas, indefeso, o cidadão espera. As forças controladoras são muito poderosas. Fica-se à mercê.

Este post tem a exemplificá-lo, no caso específico da tragédia em si, o affaire Nardoni – mais um reality show - que monopolizou a mídia nesta semana. Quantidade enorme de crimes são julgados diariamente neste país, sem que tenhamos conhecimento, pois não divulgados. A trágica morte da menina Nardoni teve repercussão nacional. Nesta semana em que o caso está a ser julgado, os meios de comunicação colocaram dezenas de profissionais a serviço do julgamento Nardoni. Seguiram o casal desde a saída dos presídios, no interior do Estado e continuaram a segui-los, até com tomadas aéreas, durante toda a semana, no percurso penitenciária-fórum e seu inverso. O que se vê, ouve-se ou lê-se nesse período, escancara com pormenores, a beirar a histeria, a tragédia. Perpassam pela mídia as possibilidades do veredicto e as entrevistas com os vários segmentos da sociedade: multidão, membros do poder judiciário, psicanalistas, advogados, peritos e a acrescer, outras situações do imaginário. Denotam os meios de comunicação, sem qualquer escolha movida pela ética – infindável a lista de julgamentos não divulgados !!! – essa busca compulsiva pela audiência e pelos leitores. Tantas notícias da maior importância na semana ficaram relegadas como apêndices ! Todavia, as inserções nos noticiários televisivos e radiofônicos dão bem a medida de que se chegou ao absurdo. Infelizmente, nestes casos, nada mais a fazer. Como no Um Trágico Amalgamar do início dos anos 90. Quousque tandem abutere Catilina patientia nostra, a célebre frase do famoso orador romano Marcus Tullius Cicero em 63 A.C., continua pela eternidade…

Resuming the subject of the Brazilian soap operas and their impact on the audience, I transcribe another article written for an Azorean newspaper in 1993. In an example of life imitating art, a soap opera actress was murdered by the co-star who played her boyfriend. Her death caused a huge commotion in Brazil and was a commercial success largely exploited by newspapers and TV news, pushing aside the coverage of President Fernando Collor’s scandals and resignation.

Quando há irmanação no pensar

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 Vista da Horta, capital do Faial. Arquipélago dos Açores. 1992. Foto J.E.M. Clique para ampliar.

Só sei chorar em português.
Heitor Aghá Silva

Reiteradas vezes comentei com o leitor sobre minhas escutas matinais de noticiários transmitidos pelas emissoras de rádio. Ouço-os do despertar ao início de meus estudos musicais. Geralmente visito quatro delas, pois sei que, em determinado momento, comentaristas de minha preferência emitem suas opiniões. Ultimamente, uma das rádios, de enorme audiência, em reiteradas e insistentes inserções tem feito crítica ao conteúdo das novelas e de determinado reality show, em aspectos tangentes à moralidade e à deturpação dos costumes. Insiste na necessidade de haver um controle sobre conteúdos que estão a tender para uma alteração comportamental de crianças, jovens e adultos, mercê de exemplos não dignificantes, expostos em forte crescimento, a demonstrar a absoluta permissividade, perigoso caminho para a derrocada do mínimo de moralidade ainda existente nesses programas exibidos pelas telas de todo o Brasil.
Após tournée pianística pelo Arquipélago dos Açores em 1992, fui convidado pelo poeta e ensaísta Heitor Aghá Silva, da cidade da Horta, capital do Faial, uma das nove ilhas que compõem essa parte bonita do território português no Atlântico norte, para ser correspondente do Suplemento Cultural Antília, do jornal O Telégrafo. Aquiesci com muito gosto e enviei vários artigos. Ao ler pungente matéria redigida e publicada por Heitor Silva, coordenador do Antília, a respeito dos efeitos nefastos produzidos pelas novelas brasileiras em solo açoriano, escrevi dois artigos a concordar com o articulista, mas tendo ingredientes que o valoroso povo dos Açores desconhecia. Coloco-os em meu blog, pois evidenciam, quase vinte anos após, aspectos que estão em processo aumentativo e denunciados ultimamente por emissora AM de São Paulo. Transcreverei em duas etapas, pois sequenciais, a manter o texto tal qual publicado, com a ortografia configurada pelo Antília. O primeiro data de 9-10 de Janeiro de 1993.

A “Voz e o Eco” Captados Além-Mar

“Publicado no Antília de Novembro último, ‘A Voz e o Eco’ torna-se um texto que, pela lucidez de seu autor, põe à mostra uma preocupação com esse lamentável proliferar das novelas no Arquipélago. A quantidade destas é grande, o prejuízo à identidade de um povo de riquíssima tradição cultural, proporcional ao número elevado a se processar em acelerado caminhar rumo ao impasse, pelo que se depreende do artigo em questão.
Realisticamente, o coordenador de Antília evidencia o alerta – talvez tardio – e denuncia a deteriorização advinda de um vício que, de há muito, uma minoria consciente está a apontar, sem ser ouvida, nas terras por Cabral descobertas. Contudo, Heitor Aghá Silva, ao trazer ao público faialense o conteúdo de ‘telenovelas tão pobres, tão estupidamente supérfluas, tão assustadoramente embrutecedoras (…)’, talvez desconheça – é possível – que, no Brasil, o cancro instaurado nessa espécie televisiva, hoje espalhada além das fronteiras da língua portuguesa, tem, ano após ano, corroborado o desmonte de uma cultura erigida durante séculos, a criar artificialmente valores, modismos que, longe de serem naturais – do povo à autêntica assimilação -, surgem obedecendo tantas vezes a interesses escusos de uma média manipuladora, representante de um poder incomensurável neste imenso país. Sob outro aspecto, no Brasil, quantidade de livros, ensaios e artigos, assim como teses acadêmicas, discutem a problemática da telenovela, em análises multidirecionadas.
É de se prantear receberem Portugal continental e os Açores os ‘enlatados’ prontos para o consumo, sem quaisquer interferências das mentes portuguesas. Refiro-me à deformação de um texto básico que, em vez de ter a sequência lógica do autor obedecida, sofre os impactos da pesquisa que atende aos interesses confessos e que modifica a trajectória de uma novela, a sacrificar ou não os personagens fictícios. O autor, previamente, torna-se partícipe de um circunstancial desvio, a resultar o texto final desvirtuado, descaracterizado, anacrónico e desprovido de qualquer valor literário; sendo que a ideia, essa antecâmara da criação, perde totalmente o rumo.
Frise-se, sempre, o manipular personagens novelescas é prática brasileira, a atender aspectos já distorcidos de outras categorias de distorções que o apelo frenético ao consumo estabelece. O desvio de um enredo considera, pois, a ‘realidade’ brasileira, preferencialmente de uma sociedade urbana, jovem e fácil de ser fisgada pelo anzol do capitalismo, que no Brasil é sempre nomeado de selvagem, mas que se mostra particularmente irracional, nos últimos anos.
A ‘colcha de retalhos’ que se torna a novela brasileira forma-se a partir de revistas ‘especializadas’, de altíssimas vendagens, que contam com um tipo de leitor que, basicamente, agarra-se ao novelesco a fim de se refugiar num ‘paraíso ideal’. Esses periódicos informam das tramas do estúdio de gravações à vida íntima de actores e actrizes, e os personagens fictícios se misturam ao real. O leitor dessas publicações descartáveis, de insípido amontoado de palavras, sente-se prestigiado, identifica-se com toda essa irrealidade, dá seus palpites e chega a ‘interferir’ !!! Resulta que Portugal e os Açores tombam numa grande armadilha forjada numa cultura que não lhes pertence, mas que, paradoxalmente, não é, no cerne, brasileira – entenda-se cultura de um povo -, pois urbana, básica de duas cidades, Rio de Janeiro – matriz novelesca – e São Paulo, e profundamente manipulada pelo interesse comercial dos poderosos.

Capelinhos. Ao fundo, o farol. Horta, Faial, Açores. 1992. Foto J.E.M. Clique para ampliar.

Quando o arguto coordenador e sensível poeta diz que ‘os povos é que criam e recriam a própria língua’, baseia-se num axioma legitimado. O ‘linguajar’ dos personagens jovens nas novelas é urbano, pertence a uma classe não popular, mas influente em todo o território brasileiro e, infelizmente em Portugal e nos Açores. Sem possibilidade de interferir, o Arquipélago recebe ‘em cheio’ o impacto do equívoco, da história manipulada, da língua portuguesa ultrajada e plena de inconsistentes e circunstanciais ‘neologismos’, do mais amplo absurdo. E o pior é que muitos desses termos temporários, que vivem à mercê do modismo, por motivos de complexa explicação igualmente entram em certo tipo de dicionário da língua portuguesa editado e reverenciado no Brasil !!!
Sob o ângulo da fala, novelas que se passam em regiões com acentuações diferenciadas apresentam, na essência, a aparência da realidade, pois o habitante dessas regiões entende errônea a pronúncia dos actores, sem as características regionais.
As trilhas sonoras atém-se ao entulho repertorial oriundo basicamente dos E.U.A. e parte musical produzida no Brasil. Para ambos os casos, discos são lançados e realizam-se apresentações dos intérpretes pelo vasto território brasileiro. É toda uma máquina de facturar.
Some-se aos desacertos um primordial, estranho, soturno retrato de uma sociedade brasileira onde a impunidade, essa mater de todos os desmandos e corrupções, impera. Frise-se, jamais compactuado pela imensa maioria do povo brasileiro, ordeira, honesta e trabalhadora – haja vista o processo de impeachment do presidente Collor de Mello, quando as massas saíram às ruas contra o descalabro e pressionaram o Congresso Nacional. Para o ‘batedor de carteiras’, denominado igualmente ‘trombadinha’, e para aquele que comete o ‘crime do colarinho branco’ (corrupção nos mais altos níveis sócio-económico-políticos), o tratamento é rigorosamente diferenciado, jamais vendo este as barras paralelas, amontoando-se o primeiro e muitos outros em prisões superlotadas.
Perguntaria: o que os açorianos têm a ver com o lamentável cotidiano desse imenso país, pleno de tantas esperanças, mas perdido nos interesses de uma minoria? É que a realidade do dia a dia penetra o vídeo, entusiasma directores comprometidos com esse surrealismo todo; e o que se vê em muitos dos finais de novelas, hoje, é o triunfo do corrompedor, a vitória dos trapaceiros, estelionatários ou mandantes da contravenção, algumas vezes fugindo descontraidamente do país na mais absoluta tranquilidade e ‘paz’. Numa dessas fugas, num avião, um personagem dirige-se ao Brasil como um todo, sorrindo pelo êxito de suas tramas sórdidas, através de gesto manual considerado, sabidamente, ofensivo. Exemplo vivo para quem assiste desprotegido, modelo ‘infinito’ para as gerações que surgem.
A indumentar toda essa parafernália, a moda dos que nas novelas actuam, representada pelas roupas informais ou esportivas, assim como bijouterias, penteados, tudo se transforma na mercadoria do day after.
‘A Voz e o Eco’ do poeta cá chegaram. Para quem os entendeu, a constatação do estrago maior, que diariamente a grande maioria das novelas brasileiras causa aos Açores. Torna-se quase impossível modificar esse estado absurdo. É necessário, contudo, persistir, denunciar o equívoco. A dificuldade é incomensurável frente à média onipotente e onipresente. Apesar dos versos de Almeida Firmino, ‘Falta-nos a voz com que protestar’, tenhamos ao menos a pena para escrever o desencanto.”

Não é de se lamentar que, após tantos anos – uma quase maioridade –, a situação continue em ascensão geometricamente sombria?

Brazilian soap operas and reality shows with questionable content have been running on Portuguese television channels for ages. This post – the transcription of an article I wrote for an Azorean newspaper in 1993 – discusses their potential for influencing the indigenous culture for the worse, since the values imbedded in such TV programs are those of the society that produced them, not those of the local audience.

Encontro Prazeroso com Ilustre Colega

J.E.M.; Professor Doutor Emil Moroianu, Magnífico Reitor da Universitatae Constantin Brancusi; Cássio Mesquita Barros. Târgu-Jiu, Romênia, 2001. Clique para ampliar.

Descobri um novo título
E espero que o céu mo assuma
É ser Honoris Causa
Em coisa nenhuma

Agostinho da Silva

Dois fatos recentes fizeram-me rememorar o ano de 2001. Em ambos esteve em causa um título honorífico que leva o professor, que atravessou décadas em seara precisa, à alegria interior. Honrarias e titulações podem levar o outorgado a imaginá-las como tributo normal e justo a ele prestado, devido aos seus méritos reconhecidos por determinada coletividade. Será possível entender que belas homenagens levem alguns contemplados à “compulsão” por colecioná-las. Todo um mal pode desde logo estar a se produzir, se houver no de profundis a vaidade a suplantar a homenagem. Estou a me lembrar de comunicador de rádio que se orgulhava, ao mencionar dezenas de títulos de cidadão honorário recebidos por este Brasil afora, a inclusão de mais um. E, sem constrangimento, citava um outro colega que, até então, recebera mais honrarias. Observou certa vez a intenção de suplantá-lo !
Receber título ou honraria deveria pressupor sempre, em conditio sine qua non, humildade e naturalidade. O day after deve ser apenas mais um dia e se um “santo orgulho” – como bem gostava de dizer D. Henrique Trindade, arcebispo de Botucatu – invadir o homenageado, entenda-se como reação humana benigna. A emoção de momento único existe, a demonstrar a medida exata da dimensão da outorga.
Os dois recentes flashes em que esteve em causa as palavras Honoris Causa fizeram-me pensar escrever um post a respeito. No de 27 de Fevereiro, Idalete Giga menciona versos de Agostinho da Silva, epígrafe do presente. O humanismo que sempre depreendeu desse imenso poeta e pensador português está concentrado nesses excelsos versos e nos dá a noção exata da ilusão que títulos podem representar. O iluminado poeta da síntese conhecia os mistérios da elisão.
Em 2001 realizei duas tournées pela Romênia. Na primeira, em Abril, integrava a Iª Missão da Diplomacia Cultural que marcava a visita do ilustre Ministro Carlos Mário Velloso, àquela altura Presidente do Supremo Tribunal Federal, ao país. Era Embaixador do Brasil na Romênia Jerônimo Moscardo, que tem prestado imensa contribuição na difusão da cultura brasileira no Exterior. Meus irmãos Ives Gandra e João Carlos fizeram parte da comitiva, o primeiro realizando palestras e a assistir o lançamento de um livro. Com João Carlos, apresentamo-nos em várias cidades, exatamente como fazíamos nos longínquos anos 50. Bucarest, Craiova, Târgu-Jiu e Cluj-Napoca foram as cidades visitadas. Em todas elas recebemos o carinho do hospitaleiro povo romeno. Alguns dos meus CDs foram entregues para expressivas figuras culturais do país. Difundidos pela Rádio Estatal da Romênia, valeram-me uma segunda visita em circunstâncias outras.

Recital de piano de J.E.M. no Ateneul Român. Bucarest, Romênia, Setembro 2001. Clique para ampliar.

Em Setembro, viajei uma segunda vez para apresentações. No dia 7 realizei recital em uma das mais belas salas de concerto da Europa, o lendário teatro Ateneul Român em Bucarest, a convite do Embaixador Jerônimo Moscardo. No dia seguinte, Cássio Mesquita Barros, respeitado advogado trabalhista e professor titular da USP, e eu viajamos a Târgu-Jiu, a fim de receber da Universitatae “Constantin Brancusi” – uma das mais importantes instituições de ensino superior da Romênia – o título de Professor Honoris Causa. O ilustre jurista Cássio Mesquita Barros foi membro durante 16 anos – 1990-2006 – da Comissão de peritos da O.I.T., Organização Internacional do Trabalho, com sede em Genebra, cujo objetivo prioritário é acompanhar o cumprimento das Convenções Internacionais do Trabalho em todo o conjunto dos 184 países que compõem a Organização. Considere-se que apenas 20 especialistas escolhidos participam dessa importante Comissão. Lembre-se igualmente que os primórdios da Organização remontam ao período do Tratado de Versalhes ! Jorge Legmann, que realiza imenso trabalho na aproximação cultural e econômica Romênia-Brasil, recebeu igualmente o carinho da comunidade acadêmica de Târgu-Jiu.

J.E.M. na Universitatae Constantin Brancusi, Târgu-Jiu, Romênia, 2001. Clique para ampliar.

O fato não estaria convertido em post não fosse a lembrança que Cássio Mesquita Barros colocou na conversa prazerosa que tivemos durante justa homenagem que se prestava recentemente ao irmão Ives Gandra, dela a participarem diversas Associações e Academias significativas de São Paulo.
Dizia-me ele que, naquela manhã em Târgu-Jiu, um fato não foi esquecido pelo amigo. Durante a cerimônia na bela sala dos Congregados da Universidade, recebemos as vestes talares doutorais na cor preta com os respectivos capelos e fizemos nossos pronunciamentos, o jurista em inglês e eu, em francês. Verificara que havia um piano vertical na sala da cerimônia. Finalizei minhas palavras e dirigi-me ao piano, a dizer que interpretaria obras de Villa-Lobos. Não estava no protocolo. A recepção ao inusitado foi realmente algo que me emocionou e serviu para o insigne Cássio Mesquita Barros dela lembrar-se quase dez anos após. Finda a expressiva cerimônia, o amigo e eu, ciceronados pelo Magnífico Reitor Emil Moroianu e acompanhados por professores da universidade, visitamos o belíssimo parque Constantin Brancusi, no qual estão algumas esculturas do extraordinário artista romeno num contexto harmonioso.
Honoris Causa. Ficou da cerimônia oficial não apenas a honrosa titulação, como a lembrança da sensível acolhida, mormente em Instituição de Ensino respeitada na Europa. O convívio com Cássio Mesquita Barros, homem de cultura humanística e a revelar espírito de humor e de observação, enriqueceu a estadia em solo romeno. Do título resultou uma certeza. O estímulo dele advindo levou-me a entender ainda mais acentuadamente o aperfeiçoamento individual como objetivo interminável, que se materializa, no meu caso, na dedicação amorosa e diária à música.

A chance meeting with a friend I had not seen for years called up memories of the old times, in particular of our visit to Romania in 2001. In this post I recollect the ceremony in which I was awarded a Doctor Honoris Causa degree by the Constantin Brancusi University in Târgu-Jiu and the special meaning this title has to me.