Quando o interesse se mostra sensível
L’hypocrisie est un hommage que le vice rend à la vertu.
La Rochefoucauld (1613-1680)
O recente post Dia Mundial e Outros Dias recebeu inúmeros comentários. Houve consenso quanto à manipulação que se faz de todos esses Dias Mundiais ou, simplesmente, Nacionais. Entenderam os prezados leitores que se chegou a um ponto de total desrespeito pela cidadania como fim. O homem deixou de ser um epicentro para tornar-se objeto periférico manipulado à mercê de forças globalizantes cada vez mais poderosas. Já não mais conta o almejar a elevação cultural, espiritual ou do Ser como Ser. A superficialidade inunda mentes preocupadas com o lucro, o poder e a visibilidade. E perde-se o rumo. Como um rebanho de qualquer espécie animal, a coletividade humana é conduzida para fins inesperados devido à incúria administrativa e à corrupção pública e privada, a tudo contaminar. A tragédia que, hélas, já integra o cotidiano do cidadão mostra-se a cada instante mais visível. As avalanches em Angra, Niterói e Rio de Janeiro não são a certeza de que governantes como um todo não se preocupam minimamente com a desgraça da população, desespero sabidamente anunciado? Todavia, a mídia adora focalizar rostos dos mais infortunados. O que aconteceu devido aos aguaceiros deverá repetir-se, pois dentro de alguns dias ninguém mais falará da hecatombe. A degradação ambiental não é uma dessas tristes resultantes? Mas os Dias Mundiais ou Nacionais continuam a dar a impressão que em certa data, determinada parcela da humanidade continuará a ter a “aparência” da felicidade. Só faltam o Dia das Tragédias Ambientais e o Dia da Tragédia Humana. Honoré de Balzac (1799-1850), com sua Comédie Humaine, deveria ser ungido profeta. Será possível até entender que o cinismo governamental crie tais efemérides.
De Belo Horizonte, Mônica Sette Lopes considera com propriedade: “Não desconheço as raízes, a história que justifica o dia naquele dia (os vários dias), especialmente do 08 de março – o da mulher. Tudo transformado num para inglês ver (ou num para esconder). Propaganda. Parafernália. Palavras ocas. Capa e vazio. Só um exemplo, este. Pouca paciência com dias nacionais em geral”.
Maria de Fátima Pereira escreveu-me de Goiás: “Gostei muito das colocações. Meus colegas no escritório leram o texto a meu pedido. Conversamos muito depois disso. É irritante a televisão mostrar sempre que faltam tantos dias para a realização de um grande evento mundial. Um ano antes já anunciam diariamente ‘faltam x dias’ e heróis do passado são apresentados. Nas Olimpíadas, o Brasil envia delegação enorme de atletas que nada vão ganhar devido aos indíces mínimos de aprovação. Oba, Oba, Oba! Só que há uma certeza mesmo: mirradíssimas medalhas e nós, bobos, ficando emocionados. Pode ser? Vem o fracasso, atletas choram, repórteres e jornalistas descem a lenha nos dirigentes. Se um atleta constrangido e humilhado manda o recado é punido ! Os mandões, copos de whisky nas mãos, ficam quietos até o início de nova contagem de dias ‘esperançosos’. Os Dias do fracasso ficam mascarados como os farricocos. O Luca Vitali é um grande artista. Já vimos outros desenhos. Ele não desenha apenas. É genial e penetra nos textos com fantástica criatividade. Por que não falam nele? Só conheço os desenhos publicados no blog e aqueles do site que você tem no menu.”
Idalete Giga observa com acuidade o post. Seus instigantes comentários, bem mais incisivos do que aqueles por mim redigidos, evidenciam a realidade. Cá no Brasil, ou lá em Portugal, o problema é sentido. “Foi uma surpresa muito agradável ler o seu último texto ‘Dia Mundial e Outros Dias – Quando o Excesso Provoca a Desatenção’. Eu fiquei em expectativa quando me disse que ia inserir no seu próximo post as duas quadrinhas que lhe enviei. O querido Amigo compreendeu plenamente a mensagem que eu quis transmitir. Luca Vitali, sempre criativo, foi muito para além do que eu podia imaginar. Expressa, de forma genial, outro dia de coisa nenhuma com um desenho em que não falta a ‘garrafa de champanhe’ com a rolha saltando em jacto, para comemorar a 1ª Feira do dia 30 de Fevereiro de 2010!!!! Ele tem um profundo sentido de humor. Dê-lhe os meus parabéns por ter também descoberto um ‘novo dia’ – O dia D de coisa nenhuma!
Os dias mundiais disto e daquilo arrastam consigo uma grande dose de hipocrisia: Exs: Dia Mundial do Ambiente = (hoje que ninguém polua o planeta, mas amanhã já podem sujar à vontade!!!); Dia Internacional da Mulher = (hoje que ninguém maltrate a mulher, nem com um cabelo, mas amanhã ela pode continuar a ser escravisada, maltratada, abusada, etc !!!!); Dia Internacional da Criança = (hoje que se cumpram na íntegra Os Direitos da Criança, mas amanhã ela pode continuar a sofrer todos os desvarios dos adultos ); etc, etc. Tal como o José Eduardo afirma, amanhã já ninguém se lembra de coisa nenhuma. Para que servem então os dias mundiais? Certamente, para alimentar a hipocrisia humana que não tem limites….
A segunda quadra é a canção do Tudo, porque Tudo o que existe (visível e invisível) foi criação de Deus-Rei do Universo! Ele, sim, é que é digno do Dia Universal de Tudo quanto existe! O seu post terminou muito bem com este Hino ao nosso Criador!” Anteriormente já comentara a convicção espiritualista expressa de minha amiga alentejana.
Salomão de Mattos, de São Paulo, escreveu-me: “Em toda essa ‘Diarada’ que se conhece, não teria observado o professor que apenas os dias consagrados aos Santos da Igreja Católica são reverenciados, mas nunca esquecidos nos dias seguintes pelos devotos? Não estaria faltando a fé verdadeira em todas as nossas ações? Gostaria que o senhor pensasse a respeito. No resto, achei o texto bem elucidativo”.
Rosana Costa, também de São Paulo, enviou seu e-mail: “Adorei a parte que diz: ‘Faz lembrar o fluxo das vagas do mar, pois a cada onda esquecemo-nos da anterior’. Infelizmente quase tudo tem sido assim: escândalos e catástrofes. Depois da ‘onda’ da passagem do ano em Angra dos Reis, e mais recentemente ‘as ondas’ levando vidas no Rio, logo veremos nos noticiários outras ‘ondas’. Podemos lembrar da aflição da virada do século, o final do mundo no ano de 2000, e pensar qual a nova “onda’ !?!?! O novo final em 2012?“
É sempre bom se ter essa aferição em temas polêmicos. Evidencia que há mentes que entendem o drama que persiste neste século XXI motivado pelo descaso aos valores antes respeitados. A globalização se mostra sem rosto, invisível, encoberta pelo anonimato de dirigentes das grandes corporações privadas e seus acionistas. Numa outra fotografia, governantes se apresentam de rosto inteiro, mas a ocultar, com a hipócrita e perene negação aos males por eles produzidos, a grande chaga que corrompe o caráter. Nós, cidadãos comuns, estaremos à mercê do desvario. Todavia, esses senhores do infortúnio saberão encontrar um novo Dia. É tão fácil criá-lo… e esquecê-lo.
Redigi este post após regressar da Corrida da Amizade – Friendship Day, patrocinada pela Corpore. A amizade verdadeira não tem dia para ser comemorada, pois ela é perene. Meu bom amigo, o maratonista Elson Otake, tinha treinado 33km na véspera do Friendship Day, a visar à Maratona de Curitiba. Foi grata surpresa vê-lo de bicicleta, pouco antes da Corrida da Amizade. Durante todo o trajeto, Elson tirou inúmeras fotos do septuagenário corredor, que vestia integralmente o uniforme principal do glorioso Sporting de Braga. Descontração e alegria marcaram o evento.
Many readers of my last post (Nothing Day) submitted online comments with their views on the subject. I selected some messages and they are the post of this week.