Navegando Posts publicados em dezembro, 2010

A Esperança como Estímulo

Estrada e Horizonte, irmanação. Foto JEM. Clique para ampliar.

A renovação dos atos é precedida pela maturação da mente.
Provérbio Tibetano

As datas têm o sentido que a elas dedicamos. Já abordamos a superficialidade com que o homem concede em todos os dias do ano, sem exceção alguma, homenagens para profissões e mais aquilo que nos circunda. Generosamente e com propósitos os mais diversos. Faz parte do gênero humano a comemoração e a homenagem, sendo o Brasil, neste último quesito, o país possivelmente líder em homenagear. Há prêmios e láureas em profusão em nossas terras.
O dia 31 de Dezembro, por mais festivo que possa parecer, encerra inexoravelmente um ciclo de nosso calendário, pois a partir do day after tudo recomeça. E a certeza da continuação impede tantas vezes o resumo do que foi feito. Mal o champagne espuma nas taças e já somos inundados, nos primeiros dias de Janeiro, pela profusão de impostos. Estes e mais os tributos e taxas consomem acima dos cinco meses do resultado de nosso labor. Não obstante sermos submersos pela avalanche do Leviatã do Estado, o novo ano traz as esperanças que, infelizmente, podem estiolar-se ainda nos primeiros dias. São as promessas de nova conduta, a vontade de objetivos que podem não ser muito claros, ou ainda a certeza de uma incerteza afetiva.
Fim de ano deveria marcar o balanço a trazer incentivo. Se tantas realizações chegaram a termo em todas as áreas propostas e mesmo naquela mais sensível à intempérie, a saúde, em algumas temos a suposição ou mesmo a convicção de que algo faltou. Essa assertiva do inconcluso poderia ser a propulsora da vontade de se atingir objetivos precisos nesse ano que está para nascer. Não obstante o fato, sem disciplina e sem o desejo de alcançar metas, poderá o homem chegar a outro fim de ano com frustração estável ou redobrada.
Paulo, um velho colega, perguntou-me se a realização estaria sujeita unicamente à vontade de se conseguir algo. Disse-lhe que nem sempre os melhores propósitos e intenções atingem aquilo que esperávamos. Se motivado por fatores outros, externos, impossíveis de serem evitados, teríamos de nos conformar. Não são tantas as situações pelas quais passamos durante o ano e que apontam para a improbabilidade? Pode-se lutar contra ela, desde que não provocadas pelo acidente, o imponderável. O triste é quando há a desistência de almejos unicamente baseada na hesitação e, pior, o homem considerar que não atingirá o que foi proposto, por não estar à altura. Na medida de suas possibilidades, todos deveriam ter a consciência da dimensão das tarefas a que se propõem. Não se deveria, à maneira de Dom Quixote, enfrentar moinhos de vento. Há não ser que haja mudança sensível na vida de uma pessoa, como trocas afetivas ou de emprego, desilusões que podem obedecer quaisquer ordens, a natureza quando implacável, a bala perdida neste país lider mundial da violência, surge sempre à frente o deslumbrar horizontes que já foram ou estão em vias de ser sonhados. O caminhar sólido e seguro nos levará a desvelar o sonho, essa miragem salvaguarda da existência.
Nesses propósitos, o pensar unicamente voltado ao lucro ou à matéria pode conduzir o proponente ao ponto ao qual gostaria de chegar. Mas esse porto seguro monetário seria também moral e espiritual ? Neste mundão que é o Brasil, outras esperanças, infinitamente mais modestas, devem ser consideradas. Aqueles pais que aguardam para o ano novo o filho gestado com amor, a entrada deste no primeiro ciclo escolar ou o término da Faculdade, a realização paulatina da prole crescida sob o manto amoroso, a saúde a passar incólume pelas situações difíceis, a progressão na carreira como fonte para todo um clã, o envelhecer com dignidade. Perguntei a uma das moças do caixa de supermercado que frequento a respeito daquilo que a faria feliz em 2011. A sorrir, respondeu-me que a primeira felicidade será a de ver sua filhinha sem qualquer problema; a segunda relacionava-se à segurança de seu marido que trabalha em carro forte, o que a preocupa; a terceira, ver todos que a circundam em harmonia. Propósitos transcendentais na abrangência da essência do ser humano.
Meu saudoso pai entendia que tínhamos de enfrentar a sequência dos dias munidos de ferramental sólido: disciplina, concentração, dedicação, perseverança, vontade e interesse naquilo que foi proposto. Compreendia ele que, sem um todo que resultará amoroso, dificilmente o homem atinge objetivos. Paulo insistiu, a perguntar se olhar o passado não se torna uma amarra. Comentei que passos anteriores deveriam ser registrados, seja na coleta do que foi realizado, seja, ao menos, num arquivamento mental. Mas a senda percorrida tem de ser conservada. Lembrei-lhe que todo meu caminho musical, desde 1952, está em grossos livros. Se por vezes os consulto, há sempre a sensação de que valeu a pena a escolha. Sob total outra égide, guardo as marcas do suor de minhas corridas desde meados de 2008 e já lá são 27 oficiais. Fotos e medalhas dessas anônimas participações dão-me alento para as outras que deverei percorrer até que minhas pernas comecem a fraquejar. Não nos aproximamos dos 15km da S. Silvestre e da temível subida da Av. Brigadeiro? Às 5 da tarde de 31 de Dezembro espero estar na Av. Paulista para a terceira participação. O meu velho amigo maratonista Nicola já me dizia em 2008: “se o físico estiver preparado, deixe todo o resto para a mente”. E quando nasce a vontade de ser um desses mais de 20.000 integrantes no ano vindouro, perguntou-me o colega Paulo? Quando à meia noite, ao olhar o céu e houver o espocar dos fogos de artifício, mente e coração já se sentirem preparados para o Novo Ano. O interregno da passagem como sinônimo de sequência. Assim acredito.
Desejo aos generosos leitores um 2011 que atenda aos anseios de todos.

Desenho de Luca Vitali. Clique para ampliar.

Wishing you all a happy 2011, I reflect on new year’s resolutions and the strength of will necessary to overcome obstacles and make our dreams come true.

Leitura a Decifrar Intenções

Presépio peruano. Arte popular, madeira, 15cm. Clique para ampliar.

Natal em casa,
Páscoa na praça.
Natal na praça,
Páscoa em casa*.

Adágio açoriano
(*Quando faz mau tempo no Natal, faz bom tempo na Páscoa).

O espírito do Natal mereceria sempre ser o princípio básico, único e indissolúvel. Não há data da cristandade que melhor dignifique o espírito de solidariedade, pois a atingir todas as faixas etárias. A Páscoa, em que se comemora a ressurreição do Cristo, outra efeméride maiúscula, é preparada, como exemplo, durante um ano em certas aldeias gregas, e a frase “Cristo ressuscitou” será o cumprimento entre os habitantes para comemorar a data. O adágio popular da Ilha Terceira do Arquipélago dos Açores dá bem a medida das duas festividades, intrinsecamente ligadas na transcendência. A magia da Páscoa, entretanto, não chegaria ao âmago de uma criança, pois a antecedê-la há a morte na cruz, fato não comumente assimilado pela mente de um miúdo. E se o Ovo contém outra transcendência, passou-se para a criança interpretação e materialização outras. Todavia, o Natal traz a chama do nascimento e é compreendido por todas as idades.

Clique para ouvir com o Coro Capela Gregoriana Laus Deo, sob a direção de Idalete Giga: “Christus Natus Est”

Em posts anteriores comentava essa total dicotomia entre a essência essencial, representada pelo fato em si, e a transgressão que se dá, em muitos segmentos da sociedade, ao não apreender um mínimo gesto concentrado, reflexivo. Nos lares onde se vive a intensidade do nascimento do Cristo há toda uma preparação, que vai da leitura, a levar a compreensão ao clã, até, em certas comunidades, o desvelamento progressivo das figuras de um presépio. Ato comovente é verificar a montagem de uma árvore de Natal, quando o espírito natalino existe. Cada peça colocada amorosamente, na comunhão da fraternidade intensa. A tal ponto que a noite de 24 de Dezembro marcará a revelação por inteiro. Cantos de Natal criados em todo o mundo cristão, populares ou não, e geralmente interpretados por corais, trazem um conteúdo especial à efeméride. Todos esses valores, preservados ainda nos atos e no coração de quem vive a data plena de misticismo e mistério, podem possibilitar a abertura dos espíritos e tornar o cidadão mais solidário, generoso, voltado para o bem.

Presépio peruano. Arte popular, terracota, 10cm. Clique para ampliar.

Bem e mal. Posições antagônicas, desprezadas por muitos direcionados à dissolução de barreiras que impossibilitem ao homem juízos de valor. O desvio como elemento provocado pela sociedade, o bem como acomodamento até hipócrita. Seria essa mentalidade a levar a tantas distorções. O mal banalizou-se, o bem não é divulgado. Noticiários de todos os meios de comunicação anunciam o erro, minimamente a ação que resulta na edificação do caráter.
É pois decisivo para quem cultua o espírito de Natal apreender os ensinamentos que estão au delà da manjedoura. Na distorção da atualidade, preservar esse espírito será uma flama a mostrar à humanidade que nem tudo se perdeu. Há esperanças, tênues, mas há.
Essas mínimas reflexões têm a ver com as mensagens de Natal que todos os anos recebemos. Décadas se passaram e pouco a pouco esses cartões festivos foram se estiolando.Traziam mensagens voltadas à paz entre os homens de boa vontade e redigidos pelos remetentes. Algumas figuras relacionadas ao Natal compunham o todo harmonioso. Aqueles que recebemos contendo mensagens expressivas redigidas à mão, guardamo-los. Como exemplo sensível, menciono os enviados anualmente pelo dileto amigo Ruy Yamanischi, sempre a apresentar um pequeno conto de sua lavra relativo à efeméride, acompanhado de pequena aquarela original. Infelizmente, prática que desaparece pouco a pouco. A internet teria sido uma das responsáveis por essa diminuição. Se essas mensagens afetivas e sinceras ainda permanecem, nem os meios eletrônicos conseguiram alterar o envio de outros cartões desprovidos do espírito de Natal. Empresas as mais diversas remetem quantidade de envelopes contendo em seus interiores frases feitas, padronizadas, nas quais uma rubrica de gerente, diretor ou presidente da entidade atesta que uma tarefa foi cumprida. Mais ainda se torna fria a mensagem, seja qual for o tipo de veículo impresso, quando essa assinatura ou rubrica for através de carimbo ou impressão. Saint-Exupéry já não escrevera em Citadelle que, para quem recebe uma mensagem de amor, o que menos importa é a qualidade do papel ? Não seria essa verdade que se mostraria totalmente olvidada quando da emissão desses cartões onde tudo está escrito, mas nada entendido, pois não houve o viver o Natal ? Diria, uma maneira de desincumbir-se de uma obrigação. Para a entidade que envia, há sempre a “certeza” de que o cidadão que recebe o cartão lembrar-se-á do “ato espontâneo e generoso” do remetente. Junto a outras mensagens, em lar que cultua o Natal estarão a representar a aparência do amor. E essa mistura, que jamais será amálgama, entre o cartão sincero e essa outra espécie de comunicação, evidenciaria apenas o equívoco, não motivado pela mensagem amorosa que visa à união de mentes e corações, mas pelo outro, meramente um cartão.

Clique para ouvir com o Coro Capela Gregoriana Laus Deo, sob a direção de Idalete Giga: “Natal”

Data máxima. Confraternização. Crianças e adultos nessa comunhão. Que não sejam esquecidos os mais infortunados que nada têm, abandonados que estão à própria sorte. Sisuphos de vários posts ainda teima em existir, pragmaticamente em sua sina implacável. Pedro, o andarilho, deve ter partido… Nunca mais o vi após um mal que se alastrava em seu corpo. Outros com menores agruras, organizados, mas sem recursos, gostariam de um alento. Outros mais, trabalhadores, operários, funcionários, camponeses que labutam com coragem para sobreviver com seus salários achatados e proles para criar, mas esquecidos pelos homens públicos, que deles se lembrarão em período preciso. Neste santo período, despudoradamente, os governantes do país se preocupam com reajustes de seus salários. Os deles, incomensuravelmente bem acima da inflação. E só. Aviltantes. Governantes e legisladores passam ao largo do Espírito de Natal. Vendilhões do Templo. Jesus menino, mas já enrubescido em sua manjedoura, a ver essa única preocupação com o quantitativo do vil metal. Sabe que não pode haver paz entre esses homens de má vontade. Se assim não fosse, a fraternidade seria constante.
Vivamos o Espírito de Natal ! Que a centelha permaneça ! No coração daqueles que realmente mantêm a chama intensa durante todo o ano.
Meus agradecimentos à dileta amiga Idalete Giga, Diretora do Coro Capela Gregoriana LAUS DEO. Sob sua expressiva condução fluem os três expressivos cantos, do gregoriano às canções portuguesas tradicionais de Natal.
Magia do Natal ! Finalizava o presente post, quando recebo via e-mail, no instante preciso, três quadras sobre a data máxima da cristandade, justamente de Idalete Giga. Brinda-nos pois duplamente a querida colega portuguesa, através das emotivas interpretações e da pureza dos versos.

LUX MUNDI
I
O nascimento de Cristo
veio trazer a Luz ao mundo
Que toda a Humanidade
Sinta o Seu Amor profundo

II
Todo o Universo cantou
um canto celestial
e toda a Terra vibrou
com a Luz Pura do Natal

III

Deus de Infinita Beleza
Deus de Paz, Deus de Harmonia
Que a nossa Mãe-Natureza
encha a Terra de Alegria

Clique para ouvir com o Coro Capela Gregoriana Laus Deo, sob a direção de Idalete Giga: “Natal em Évora”

On Christmas season, greeting cards, the decline of personal Xmas cards and the increase of commercial ones, sent to people on customers’ list just to help reinforce brand awareness.

XVIº Concurso Internacional de Piano
Frédéric Chopin – Varsóvia

Frédéric Chopin por Eugène Delacroix. Óleo sobre madeira. 1838. Clique para ampliar.

Há almas que amam os sons.
Franz Liszt

Em vários posts teci considerações a respeito de concursos, sejam eles acadêmicos ou de piano. Se tantos obedecem a critérios de absoluta lisura, a não faltar o descompromisso de jurados com concorrentes, tantas mais vezes vícios se apresentam, e o público manifesta-se, apoiando ou não os resultados. O júri, não poucas vezes, ignora a possibilidade futura do concursado, interessando-lhe sim, hélas, em também não raras oportunidades, o imediatismo.
Meu prezado amigo António Menéres, de Matosinhos, em Portugal, enviou-me todo o precioso material referente ao XVIº Concurso Internacional Frédéric Chopin, realizado recentemente em Varsóvia. Os recursos tecnológicos existentes hoje não permitem desvios, e os ínfimos pormenores das execuções dos finalistas não passaram ao largo. São apreendidos para quem quiser ver e ouvir. As imagens sonoras vieram acompanhadas da recepção pública e crítica, e algumas não pouparam comentários sobre preferências que não privilegiavam a primeira colocada no concurso, a pianista russa, também excelente, Julianna Avdeeva, de 25 anos. Faz parte o debate de ideias e ele existiu, acaloradamente. Todavia, o fato de lá não estar impede-me de qualquer juízo relacionado às controvérsias.
Se os vários links me fizeram ouvir seis candidatos, a vencedora e dois outros que obtiveram, empatados (ex equo), o segundo lugar, e mais os terceiro, quarto e quinto colocados, há considerações que me parecem pertinentes, mercê da enorme diferença de temperamento dos concorrentes. Centrado em Frédéric Chopin (1810-1849), houve expectativa acima da habitual devido ao segundo centenário de nascimento do compositor. Julianna Avdeeva, Lukas Geniusas (Rússia/Lituânia-1990) e Ingolf Wunder (Áustria-1985) realizaram provas que apenas comprovariam o altíssimo nível desses candidatos. Entretanto, nada lembrou identidade. Das obras interpretadas, sim. Porém, as concepções diferenciadas dos três poderiam dirigir as preferências do público para várias direções.
Ouvir os três pianistas mencionados é ter a percepção clara de características rigorosamente distintas do entendimento da interpretação musical, da apreensão da estrutura, da forma e do gênero musical, assim como da captação de temperamentos diversos. Julianna Avdeeva mostrou que o trabalho intenso pode fluir na execução impecável, mas onde o esforço para a realização ficaria transparente através não apenas da postura ao piano, mas sobretudo na compreensão do técnico-pianístico tão bem realizado, mas a clarear ao ouvinte o imenso trabalho para que a consecução atingisse alto nível. Diria que a própria interiorização, ao se externar, faria perceber a labuta intensa. Minimiza a pianista ? Absolutamente não, pois a música flui impecável através de seus dedos, o que provoca ainda maior admiração.
Ingolf Wunder é apolíneo. Impetuoso, senhor de um domínio técnico-pianístico absoluto, no qual transparece o imenso prazer em tocar. Exagera nos efeitos, nos tempi, a causar forte impacto. O terceiro andamento do Concerto nº 1 em mi menor op. 11 demonstraria essa naturalidade e a alegria na interpretação. Tudo flui sem o mínimo esforço. Aos 25 anos, suas performances preferenciaram as obras de intensa virtuosidade. Saliente-se a execução fantástica, preferencialmente sob o aspecto técnico-pianístico, dos Estudos op. 10 nº 5 e op. 25 nº 6 (terças). Deste último, realiza a sorrir a dificuldade tipificada. Vladimir Horowitz (1903-1989), essa lenda maior do piano no século XX e possuidor de técnica e musicalidade descomunais, já asseveraria o implacável desafio contido nesse Estudo. Pois a interpretação do jovem austríaco tem esse apetite, que faz descartar os obstáculos inerentes que se lhe apresentam.
François Couperin (1668-1733) preferia voltar-se à interpretação que o sensibilizava, em detrimento daquela que lhe causava espanto”. O pianista da Rússia/Lituânia, Lukas Geniusas, foi o que mais me impressionou. Sem a exuberância que caracteriza Ingolf Wunder, mas possuidor de técnica apuradíssima, suas interpretações têm a chama integral da música. A maneira como cuida da frase musical, os sentidos profundos da agógica e da dinâmica, o equilíbrio com que sabe dosar as características rítmicas das magistrais e distintas três Mazurkas op. 59 em suas sutis flexões, são de um artista completo, sans reproche. Como entender a essência da Mazurka sem o mais apurado senso do rubato? Geniusas atinge esse pleno desiderato. Nas tantas obras apresentadas nas várias fases do concurso, as linhas que compõem a estrutura de uma obra ganham absoluta independência e… sequência, o que é básico. Têm elas intensidades diferenciadas na permanência, o que é raro entre os pianistas. Sua presença física se contrapõe à dos dois precedentes, pois, à maneira do notável Cláudio Arrau (1903-1991), nenhum gesto é feito no sentido de causar impacto, como no caso específico de Wunder. Ao escolher, entre os Estudos, o mais introspectivo deles, o op. 25 nº 7, já não estaria a demonstrar que causar impressão frente ao público não é sua senda? Magnífica sua performance. Sob outra égide, não atenderia sua interpretação dessa obra à visão romântica do insigne pianista Alfred Cortot (1877-1962): “Uma interpretação verdadeiramente musical dessas admiráveis páginas exige que, acima do lamento doloroso da mão esquerda, sob o peso das paixões e do desalento, como devorada por dramático e inconsolável amor, plane, distante, mas penetrante e perfeitamente distinta, a voz ferida, triste e tenra da mão direita”? Lukas Geniusas é um grande pianista, já aos 20 anos de idade. Deverá percorrer o mundo a encantar – não a deixar atônitas – as gerações que o ouvirão.
Foi-nos possível assistir as performances de três outros candidatos. O terceiro colocado, o russo Daniil Trifonov, de apenas 19 anos, é já um mestre em tratar a frase musical. Rara musicalidade. A sua interpretação do Estudo das Terças já mencionado, diametralmente oposta à de Ingolf Wunder, não deixa de ser extraordinária. Prefiro-a. Fá-lo mais interiorizado, a conservar uma dinâmica mais voltada às menores intensidades, realizando com sensível expressividade os desenhos da mão esquerda, tantas vezes minimizados pelos intérpretes que visitam esse complexo Estudo, mas que visam unicamente ao impacto que o desfilar das terças produz junto ao público. Quanto ao quarto colocado, o búlgaro Eugeni Bozhanov, suas interpretações têm muita criatividade. Sabe dosar muitíssimo bem o discurso musical, sobretudo quando direcionado às baixas intensidades. Belas execuções. Tem 26 anos. O quinto colocado, o francês François Dumont, apesar de boa performance, pareceu-me mais contido. Como dois outros laureados, está com 25 anos.
A história da interpretação pianística segue sua trajetória. É possível verificar uma maior proximidade no quesito aperfeiçoamento técnico-pianístico entre os vários candidatos. Assim como no esporte, onde recordes são batidos, por vezes para causar impacto, os jovens concorrentes buscam ultrapassar barreiras. Faz parte da juventude. É salutar, desde que não se torne princípio incorporado. A música tem que fluir. E fluiu excelentemente entre os seis pianistas aqui mencionados. Algo, contudo, levou-me à reflexão. Um fundamento, que era básico nas escolas européias em meados do século passado, tem sido praticamente “descartado” pelas gerações atuais: a técnica da substituição dos dedos – questão de dedilhado -, tão imperativa, mormente nos andamentos lentos. Graças às câmaras que tudo focalizam, verifica-se que esses jovens tantas vezes desprezaram o emprego da substituição, realizando “ligações diretas”, seja na repetição de um mesmo dedo sobre a mesma tecla, ou, em frase expressiva, empregando o mesmo dedo em notas diferentes sequenciais. Compensaram bem essa “ausência” de um recurso da tradição através de discreta pedalização. Apenas uma constatação, mas questão fulcral que percorreu do romantismo até, pelo visto, bem recentemente. Inúmeros tratados sobre técnica pianística escritos por eminentes mestres pormenorizaram o processo que se direciona fundamentalmente ao denominado legato.
Quanto ao júri, ou num sentido mais amplo, júris, será que décadas se somarão a outras e bancas examinadoras continuarão a ter prioritariamente as mesmas figuras? Mesmo que relevantes, há quantidade bem grande de também ótimos músicos que circulam habitualmente pelos centros mais festejados do planeta. Qual a razão de serem chamados, não apenas em Varsóvia, mas em outros lugares do mundo e, bem particularmente, neste imenso Brasil, basicamente os mesmos examinadores? Se essa juventude particularizada em Varsóvia dá mostras de enorme renovação, qual a razão de novos ventos não atingirem os organizadores? Banca vivificada seria exemplo de tendências menos repetitivas que podem conter, no âmago, conceitos sedimentados ou estranhos. Não valeria a pena a tentativa? A Música agradeceria, e muito.

Listening online to the winners of the 16th Chopin International Competition held in Warsaw in 2010 led me to reflections on the winner’s extraordinary performances and on the jurors’ responsibility. In my view, the jury of piano competitions throughout the world ― though outstanding pianists and musicians ― is a closed club, so that the same people control the circuit. Music would benefit from the introduction of new faces to bring fresh air and vigor to such contests.