A Esperança como Estímulo

Estrada e Horizonte, irmanação. Foto JEM. Clique para ampliar.

A renovação dos atos é precedida pela maturação da mente.
Provérbio Tibetano

As datas têm o sentido que a elas dedicamos. Já abordamos a superficialidade com que o homem concede em todos os dias do ano, sem exceção alguma, homenagens para profissões e mais aquilo que nos circunda. Generosamente e com propósitos os mais diversos. Faz parte do gênero humano a comemoração e a homenagem, sendo o Brasil, neste último quesito, o país possivelmente líder em homenagear. Há prêmios e láureas em profusão em nossas terras.
O dia 31 de Dezembro, por mais festivo que possa parecer, encerra inexoravelmente um ciclo de nosso calendário, pois a partir do day after tudo recomeça. E a certeza da continuação impede tantas vezes o resumo do que foi feito. Mal o champagne espuma nas taças e já somos inundados, nos primeiros dias de Janeiro, pela profusão de impostos. Estes e mais os tributos e taxas consomem acima dos cinco meses do resultado de nosso labor. Não obstante sermos submersos pela avalanche do Leviatã do Estado, o novo ano traz as esperanças que, infelizmente, podem estiolar-se ainda nos primeiros dias. São as promessas de nova conduta, a vontade de objetivos que podem não ser muito claros, ou ainda a certeza de uma incerteza afetiva.
Fim de ano deveria marcar o balanço a trazer incentivo. Se tantas realizações chegaram a termo em todas as áreas propostas e mesmo naquela mais sensível à intempérie, a saúde, em algumas temos a suposição ou mesmo a convicção de que algo faltou. Essa assertiva do inconcluso poderia ser a propulsora da vontade de se atingir objetivos precisos nesse ano que está para nascer. Não obstante o fato, sem disciplina e sem o desejo de alcançar metas, poderá o homem chegar a outro fim de ano com frustração estável ou redobrada.
Paulo, um velho colega, perguntou-me se a realização estaria sujeita unicamente à vontade de se conseguir algo. Disse-lhe que nem sempre os melhores propósitos e intenções atingem aquilo que esperávamos. Se motivado por fatores outros, externos, impossíveis de serem evitados, teríamos de nos conformar. Não são tantas as situações pelas quais passamos durante o ano e que apontam para a improbabilidade? Pode-se lutar contra ela, desde que não provocadas pelo acidente, o imponderável. O triste é quando há a desistência de almejos unicamente baseada na hesitação e, pior, o homem considerar que não atingirá o que foi proposto, por não estar à altura. Na medida de suas possibilidades, todos deveriam ter a consciência da dimensão das tarefas a que se propõem. Não se deveria, à maneira de Dom Quixote, enfrentar moinhos de vento. Há não ser que haja mudança sensível na vida de uma pessoa, como trocas afetivas ou de emprego, desilusões que podem obedecer quaisquer ordens, a natureza quando implacável, a bala perdida neste país lider mundial da violência, surge sempre à frente o deslumbrar horizontes que já foram ou estão em vias de ser sonhados. O caminhar sólido e seguro nos levará a desvelar o sonho, essa miragem salvaguarda da existência.
Nesses propósitos, o pensar unicamente voltado ao lucro ou à matéria pode conduzir o proponente ao ponto ao qual gostaria de chegar. Mas esse porto seguro monetário seria também moral e espiritual ? Neste mundão que é o Brasil, outras esperanças, infinitamente mais modestas, devem ser consideradas. Aqueles pais que aguardam para o ano novo o filho gestado com amor, a entrada deste no primeiro ciclo escolar ou o término da Faculdade, a realização paulatina da prole crescida sob o manto amoroso, a saúde a passar incólume pelas situações difíceis, a progressão na carreira como fonte para todo um clã, o envelhecer com dignidade. Perguntei a uma das moças do caixa de supermercado que frequento a respeito daquilo que a faria feliz em 2011. A sorrir, respondeu-me que a primeira felicidade será a de ver sua filhinha sem qualquer problema; a segunda relacionava-se à segurança de seu marido que trabalha em carro forte, o que a preocupa; a terceira, ver todos que a circundam em harmonia. Propósitos transcendentais na abrangência da essência do ser humano.
Meu saudoso pai entendia que tínhamos de enfrentar a sequência dos dias munidos de ferramental sólido: disciplina, concentração, dedicação, perseverança, vontade e interesse naquilo que foi proposto. Compreendia ele que, sem um todo que resultará amoroso, dificilmente o homem atinge objetivos. Paulo insistiu, a perguntar se olhar o passado não se torna uma amarra. Comentei que passos anteriores deveriam ser registrados, seja na coleta do que foi realizado, seja, ao menos, num arquivamento mental. Mas a senda percorrida tem de ser conservada. Lembrei-lhe que todo meu caminho musical, desde 1952, está em grossos livros. Se por vezes os consulto, há sempre a sensação de que valeu a pena a escolha. Sob total outra égide, guardo as marcas do suor de minhas corridas desde meados de 2008 e já lá são 27 oficiais. Fotos e medalhas dessas anônimas participações dão-me alento para as outras que deverei percorrer até que minhas pernas comecem a fraquejar. Não nos aproximamos dos 15km da S. Silvestre e da temível subida da Av. Brigadeiro? Às 5 da tarde de 31 de Dezembro espero estar na Av. Paulista para a terceira participação. O meu velho amigo maratonista Nicola já me dizia em 2008: “se o físico estiver preparado, deixe todo o resto para a mente”. E quando nasce a vontade de ser um desses mais de 20.000 integrantes no ano vindouro, perguntou-me o colega Paulo? Quando à meia noite, ao olhar o céu e houver o espocar dos fogos de artifício, mente e coração já se sentirem preparados para o Novo Ano. O interregno da passagem como sinônimo de sequência. Assim acredito.
Desejo aos generosos leitores um 2011 que atenda aos anseios de todos.

Desenho de Luca Vitali. Clique para ampliar.

Wishing you all a happy 2011, I reflect on new year’s resolutions and the strength of will necessary to overcome obstacles and make our dreams come true.