A Continuação dos Acúmulos
Por causa do mundo curvo
eis aqui o que procuro
ter eu amor do passado
com a paixão do futuro
mas há remédio bem simples
para não ser inseguro
é amar vida sem tempo
ou seja o presente puro.
Agostinho da Silva
O estímulo do generoso leitor leva-me a escrever posts desde Março de 2007. Tornaram-se pulsar e naturalmente os temas surgem. Leituras a abrirem um universo de perspectivas, viagens e olhares outros, cotidiano, corridas e a música sempre presente.
Chegamos ao terceiro volume, a conter os posts de 19 de Setembro de 2009 até 19 de Março de 2011. Eles fluíram sem interrupção, e o leitor soube acompanhar os escritos que invariavelmente estiveram à sua disposição a partir das madrugadas de sábado. Seria nítido verificar que o terceiro volume ficou mais espesso. Alguns temas propostos, mormente se resenhas de livros, podem estimular textos maiores, a depender, inclusive, das associações advindas da leitura. Apesar da busca da síntese como norte, nem sempre é possível não se deixar entusiasmar por algum livro que apresente variadas opções, assim como argumentos consistentes.
Inúmeros e-mails recebidos têm como fulcro a diversificação temática, assim como as dimensões díspares dos posts. Já observara anteriormente que foi essa uma das razões de não ter aceito, desde 1990, convites para escrever crônicas na grande mídia. Se o espírito de síntese é importante, senão fundamental, a respiração estaria a demonstrar que nem sempre obedece ao mesmo ritmo. O fluxo da escrita, acredito eu, não deveria estar circunscrito a número preciso de caracteres, podendo ter flutuações. Entretanto, sei das necessidades quase que imperiosas dos espaços que a mídia oferece aos colaboradores. Tempos atuais.
Sob outra égide, o aumento numérico de leitores do post semanal tem propiciado questionamentos vários de interessados. Quando tenho o prazer de encontrar um frequentador, perguntas são formuladas, profícuo diálogo se estabelece e geralmente estimula a redação de um novo texto, seja ele sobre música, o cotidiano imperativo ou as viagens. A maioria das perguntas recai sobre música, preferenciamente interpretação. Tenho gosto em tratar do tema.
O terceiro volume das Crônicas, quando margeia circunstancialmente a realidade nacional, o faz com desencanto. Auscultar o homem das ruas, os amigos da cidade bairro, Brooklin-Campo Belo, é ouvir o que o cidadão consciente de nossa São Paulo ou do Brasil sente e pensa.
Agrada-me, ao penetrar em determinado assunto concernente ao cotidiano, ler o post da semana ao meu dileto amigo e artista plástico Luca Vitali. Sei que a interpretação arguta será traduzida em desenho ou charge. Luca ouve com um lápis no cérebro. Divirto-me com os resultados que chegam via e-mail, sempre numa visão de um artista integrado ao mundo, crítico, mas na maturidade que dispensa o amargor. Apesar da labuta artística diária, Luca encontra momentos para visualizar o texto e o seu amigo pianista pode ser visto em várias ilustrações das Crônicas (III) em situações que, diria, jocosas. Extrair do cotidiano o lado do fino humor é dom e Luca o tem.
A edição dos três tomos das Crônicas teve tiragem limitada. O caríssimo Cláudio Giordano – Pax Spes -, que acompanha há quase duas décadas a edição de meus livros é cuidadoso, verdadeiro artesão. Sonhador, idealista, atônito com esse mundo a cada dia mais materialista e pragmático, onde a corrida ao lucro desenfreado, amparada pela corrupção endêmica, propicia todos os desvios sociais, como a insegurança em progressão geométrica e a mentira entendida como verdade absoluta. Comungamos, Cláudio, Luca e eu, do sentimento de um mundo hoje irreversível. Estupefatos, assistimos. A edição criteriosa, o traço da vida a pulsar e a música são nossas “armas” respectivas. Pregar na aridez de um deserto. Mas há que continuar. Giordano ainda cuidou de uma edição limitadíssima, pois em francês, do dossier crítico de meus CDs, escrito pelo excelente compositor François Servenière.
O lançamento das Crônicas deu-se após o recital que realizei no Instituto Dante Pazzanese neste último dia 3 de Junho. Obras de Claude Debussy, inclusive as Danses – Sacrée et Profane para harpa cromática ou piano e mais orquestra de cordas. O editor de Debussy, Jacques Durand, realizou a transcrição para piano solo, que praticamente conserva, à perfeição, a escrita original. Debussy a aprovou, Manuel De Falla a interpretaria em Madri. Ao acessar o YouTube, o leitor poderá buscar essa preciosa obra do compositor francês que gravei para o selo De Rode Pomp, na Bélgica. De Franz Liszt, no ano do bi-centenário de seu nascimento, foram apresentadas diversas obras. Em Nuages Gris, escrita aos 24 de Agosto de 1881, cinco anos antes da morte do compositor, Liszt, em apenas 48 compassos, realiza a síntese da síntese, pois muitos de seus extraordinários processos lá estão nessa diminuta obra testamentária. As duas belíssimas Lendas (1866), São Francisco de Assis Falando aos Pássaros e São Francisco de Paula caminhando sobre as Ondas, transmitem o universo descritivo e os Funerais, criação datada de 1949, completaram a homenagem ao grande profeta da música. O recital foi finalizado com duas obras de Alexander Scriabine, Noturno para a mão esquerda e Vers la Flamme, uma obra a ser entendida rigorosamente como contemporânea, apesar de ter sido escrita em 1912. Deveria tocar a Valse op. 38, mas, como nesta próxima segunda-feira, dia 6, sofrerei delicada operação (vide Cirurgia da Mão – Rizartrose, 09/10/10), preferi tocar o belo Noturno para a Mão esquerda, já a entrar no clima da operação. Dediquei a interpretação ao ilustre especialista em cirurgia da mão, Dr. Heitor Ulson, presente ao recital. Rizartrose, agora no polegar da mão direita. Um público seleto e numeroso aplaudiu com entusiasmo o repertório apresentado.
Acabamos de atingir 150.000 acessos. Os blogs terão sequência. Ânimo não falta e a fidelidade do leitor tem proporcionado grande estímulo. Continuar…
On my book Crônicas de um Observador III (Chronicles of an Observer III), a collection of posts stored in my blog from September 2009 to March 2011, covering various categories of thoughts or events (music, books, travels, personalities, and everyday life).