Triste Realidade Brasileira
Todo o fim é contemporâneo de todo o princípio;
só a nossos olhos vem depois.
Agostinho da Silva
Londres ficou para a história. Um dia após o fim das Olimpíadas, os meios de comunicação pátrios já insistiam nos eventos que deverão acontecer no Brasil, a Copa do Mundo de Futebol (2014) e as Olimpíadas (2016). Toda essa parafernália já anunciada com ampla publicidade, que deverá se processar num crescendo vertiginoso até as datas previstas, oculta realidades que permanecerão em segundo plano.
As Olimpíadas de Londres foram planejadas em todos os pormenores, tanto os dos “templos” construídos, como o das comunicações em seus mais variados níveis, a recepção de turistas e, sobretudo, a preparação dos atletas, que valeram à territorialmente pequena Grâ-Bretanha o valoroso terceiro lugar entre os laureados.
E o Brasil? Estaríamos minimamente preparados para os eventos que estão próximos? Vários temas mereceriam um debruçar, pois apontam para um futuro próximo no mínimo preocupante. Abordá-los sucintamente parece-me oportuno, mormente após duas semanas do término da realização londrina.
Vivemos num mundo de contradições e verdades que apenas têm validade quando interessam à determinada esfera. Se um governante permanece durante mais de uma década no poder, a mídia livre o denomina déspota, ditador, caudilho, pois, para que a democracia tenha vida, pelo menos seria o ideal, haveria a necessidade de renovação. Nos países democráticos há eleições e geralmente um candidato eleito permanece uma ou duas gestões. Nas Instituições esportivas isso não acontece e a renovação não se dá. Os escândalos que envolveriam a gestão do Presidente da CBF Ricardo Teixeira e a de seu ex-sogro, João Havelange (FIFA), bem evidenciam que a perpetuação no poder traz malefícios. Quanto ao Comitê Olímpico Brasileiro, a presidência de Carlos Arthur Nuzman perpetua-se desde 1995! Não houve oxigenação no COB e os pífios resultados que estão sucessivamente a acontecer demonstram que algo está muito errado. Festivos, dirigentes esportivos perpetuam-se no poder e esquecem-se da realidade que poderia ser risonha num país imenso como o Brasil. Todavia, assistimos a um simulacro estabelecido através de estranha percepção do que sejam as Olimpíadas, o evento esportivo de maior visibilidade do planeta.
Um simples exemplo, insistentemente decantado pela mídia regionalista que procura não se ater às performances internacionais, caracteriza um erro profundo. Trata-se do índice olímpico, mera indicação avaliativa, a considerar o mínimo que um atleta pode atingir para chegar à competição. Reside nesse mínimo a exaltação pela mídia do atleta brasileiro que o atinge, isso feito, a “construção” de toda esperança em torno. Fixemos hipoteticamente no atletismo e na natação o número 10 como recorde olímpico e um número bem abaixo como limite para um atleta chegar às Olimpíadas. Vários países têm esportistas beirando aquela marca e o mínimo se apresenta apenas como referência. A obtenção do índice olímpico não é garantia de medalha, apenas referência à aptidão de um atleta para determinada prova. Para o atletismo, o que conta é o cronômetro ou as medidas de altura a ser transposta, de distância a ser saltada ou alcançada através de lançamentos de martelo, dardos, disco ou peso. Assim como na F1 há carros que ficam sempre na rabeira, o mesmo se dá para aqueles que obtém o mínimo índice olímpico para a participação em Olimpíada.
Nos esportes coletivos a avaliação se faz através de torneios internacionais, e em esportes como judô, taekwondo, boxe, vela, como referências, as aferições também são realizadas a partir de torneios. Foram essas aferições preliminares de alto nível que permitiram as participações meritórias no vôlei masculino (prata) e feminino (ouro em Pequim e em Londres), futebol (prata), handebol feminino (digna participação apesar da ausência de medalhas) e láureas nas outras modalidades mencionadas. Quanto ao heróico, mas nostálgico futebol feminino, não recebe a modalidade o apoio digno da CBF.
A ladainha de quase todos os nossos esforçados atletas era a mesma após eliminados nas provas classificatórias em Londres: “estou contente pois atingi meu índice pessoal”. Pergunta-se, é esse o objetivo de se levar contingente tão grande, a obtenção de índices pessoais, brasileiros ou sul-americanos? Olimpíada é Olimpíada e só deveria lá estar a nata do atletismo. Nossos atletas conseguem esses índices preliminares em competições não tão exigentes, tais quais os campeonatos brasileiros, sul-americanos e pan-americanos, que tantas vezes representam a aparência da verdade, pois ilusória, distante das altas performances olímpicas. Perguntará o leitor se a culpa deve ser imputada ao desprotegido atleta. A resposta pareceria clara, é ele o elo fraco de toda a engrenagem. Confederações e o Comitê Olímpico Brasileiro estariam sempre preocupados com o número de atletas em cada Olimpíada. Para o povo desavisado fica a ilusão da potência olímpica, pois centenas de participantes se dirigem a cada quatro anos para a realização de provas que os mais esclarecidos entendem, no caso, como miragem; portanto, longe do quadro de medalhas almejadas. A equação é matemática. Como exemplo, não será em uma Olimpíada que um nosso corredor que corre os 100 metros rasos em torno dos 11 segundos baixe significativamente a marca durante o certame. Todavia, para dirigentes, a presença de contingente elevado de participantes denotaria poderio, quando na realidade expõe o simulacro. E o pobre atleta, tantas vezes desprotegido durante os quatro anos de preparação inadequada, pungentemente, pede desculpas ao país e chora!
Outro aspecto importante tem a ver com a alta estima de nossos atletas. Sem o amparo que seria necessário, o atleta pátrio que chega às Olimpíadas já começa as provas eliminatórias sem confiança. Ao menos foi o que apreendemos através de respostas também tristonhas, tímidas e evasivas. Aquelas minguadas medalhas individuais vieram preferencialmente do atleta desconhecido da grande mídia e ausente das massacrantes publicidades privadas ou estatais que patrocinaram as transmissões. Tanto é verdade que as imagens desses raros medalhistas desconhecidos foram estampadas quase que de imediato nas propagandas aludidas. Discretamente, afastaram as figuras dos derrotados, o que demonstra, sob outro ângulo, um desrespeito à dignidade humana.
Mais tangível ficou o não acompanhamento psicológico, mercê de uma ausência de visão voltada à preparação mental de nossos representantes. A mídia é também grande responsável, pois, ao incensar determinados atletas de maneira efusiva e como absolutos ganhadores de medalhas, apenas sobrecarregou responsabilidades. Cesar Cielo, Tiago Camilo, Maurren Maggi não teriam sobre os ombros o peso suplementar da imperiosa necessidade de ganhar? Fabiana Murer, ao abortar duas últimas tentativas no salto com vara, não sentiu o receio da falha que levaria ao “descrédito”? Culpa dos atletas? Parcialmente apenas, mas o equívoco residiria na apologia desmesurada que pode levar, se preparo mental não existir, ao fracasso. Independentemente do valor do nadador Tiago Pereira, ganhador de medalha de prata, não estaria ele livre de um peso consagrado inteiramente nos braços e pernas de Cesar Cielo? As lágrimas deste, a suposta descontração de Maurren Maggi, o desalento de Tiago Camilo, a inaceitável desculpa de Fabiana Murer não seriam o resultado dos holofotes intensos durante anos? Precisará Murer de um bom acompanhamento psicológico após as hesitações londrinas. Estariam dirigentes preocupados com as consequências mentais desse percalço da excelente atleta e que poderão levá-la à depressão?
Para o COB o número de participantes é o que conta e seus dirigentes, em entrevistas triunfalistas, exaltam aquilo que foge à realidade mais pueril. Nossa participação em Londres foi lamentável e mais será em 2016. A preparação deveria estar a acontecer há décadas, mas nada se faz de efetivo. Continuaremos a ver países pequenos, com diminuta delegação, sobrepujando nossa pomposa arrogância numérica. Triste destino. Será que, para o bem olímpico do país, não poderia o presidente do COB e demais diretores renunciarem aos cargos, deixando que uma possível nova geração diretiva tente salvar o drama anunciado para 2016? Não mais teríamos o ar rarefeito. Seria pedir muito, pois os donos do poder, após esse conquistado, não o abandonam.
Prefiro nem comentar o custo final dessas duas mais importantes competições mundiais previstas para 2014 e 2016. Chegaremos à estratosfera. Nada a fazer. Luca Vitali, artista e amigo, apreendeu situações que se anunciam, no desenho que me enviou.
Now that London 2012 Olympic Games are over, I reflect upon the poor results obtained by Brazil and the near-certainty that they will be repeated in 2016, when the Olympics will be held in Rio de Janeiro.