Euforia Acalentada Desde Sempre
Víamos na televisão que tinha gente que vendia carro,
que deixava o emprego (para acompanhar o time no Japão).
Todas essas coisas, quando entramos em campo,
fazem a gente dar tudo que tem.
Elas merecem esse momento de felicidade.
Paolo Guerrero (autor do gol do título)
“Folha de São Paulo” (20/12/2012)
Após um evento relevante que a mídia disseca ad nauseam, prefiro aguardar um pouco. A reflexão faz bem e evita que o calor dos fatos altere a razão. Durante esses últimos dias não deixei de pensar a respeito do bicampeonato mundial interclubes FIFA conquistado pelo Corinthians. Vale a pena relembrar o primeiro deles, obtido em 2000 no Brasil e tão criticado pelos torcedores de outras agremiações. Posso tecer considerações sem quaisquer outras posições, pois meu time é a infortunada Portuguesa de Desportos. Contudo, quando da primeira conquista mundial do Corinthians, acompanhei meu saudoso genro José Rinaldo ao estádio do Morumbi, a fim de assistir ao jogo entre seu time e o poderoso Real Madrid. Lembro-me da tormenta que desabou sobre São Paulo, a nossa heroica caminhada até o estádio com água bem acima dos tornozelos. José Rinaldo, seu amigo Elias e eu assistimos à contenda literalmente encharcados. Um total descaso por parte da Prefeitura e do São Paulo Futebol Clube, proprietário da grande, mas desprotegida, arena. Em jogo memorável contra o Vasco da Gama no Rio de Janeiro, o Corinthians obteria a seguir o almejado título.
A equipe paulista, tão criticada pelos opositores por motivo ligado ao título conquistado no Brasil, sofreu dissabores posteriores, foi rebaixada para a série B, do campeonato brasileiro, mas reagiu, mesmo que bem amparada pelas transmissões de seus jogos na B sempre no mesmo dia e horário da semana, fato inédito, um privilégio de nenhuma outra agremiação sequer desfrutou. Frente aos milhões de torcedores – consumidores em potencial – espalhados pelo Brasil, a mídia mostra sempre sua face pragmática. Nada a fazer. Todavia, desde jovem ouvia os torcedores de outros times desprezarem totalmente o apaixonado corintiano, considerando-o – quantas milhares de piadas não surgiram ao longo das décadas – um membro da plebe, da periferia, um ser menor, delinquente e outros atributos desairosos. Enfatizavam que o Corinthians só ganhava torneios regionais.
Após regressar para a denominada “primeirona” teve altos e baixos, mas, sob a tutela do controvertido Andrés Sánchez, certamente o melhor presidente da história do Corinthians, conseguiu feitos extraordinários, mormente sob a direção técnica do competente Tite. Após titubeios iniciais, conquistou a tríplice coroa: Campeonato Brasileiro, Libertadores da América e, agora, Campeonato Mundial de Clubes da FIFA. Nada veio ao acaso. Houve planejamento e sentido de dimensão de valores. Estou a me lembrar do vexame que o Santos proporcionou em 2011, após humilhante derrota frente ao Barcelona. Nesse caso, não houve o planejamento necessário, pois meses antes a equipe santista deixava de atuar com esmero no campeonato brasileiro, poupando-se para o confronto em Tóquio. Jogaram acanhados, como a reverenciar o forte time catalão e os 4×0 bem poderiam ter sido 6, 7, 8… Com o Corinthians deu-se o contrário. Aprenderam a lição desastrosa do time santista. Planificaram-se após a Libertadores e, sem abandonar o campeonato brasileiro, transformaram-no em um laboratório e o resultado positivo aconteceu, friso, não motivado por acaso.
Algo impressiona. Amigos do Exterior me escreveram surpreendidos pela imensa massa humana que viajou para o outro lado do mundo a fim de, tantas vezes com sacrifícios, prestigiar o carinhosamente denominado Timão. É para se pensar. Mesmo em situações calamitosas sob o aspecto técnico, o Corinthians leva multidões. Fiéis, bando de loucos e mais outras expressões engrandecem esse incrível contingente humano. Outras equipes brasileiras, quando em má fase, são praticamente esquecidas pelos adeptos. O Corinthians não. Um de meus amigos da Bélgica leu em site do país que consideravam o jogo final contra o Chelsea como a maior “diáspora” esportiva – tendo-se em vista a distância – já ocorrida em termos mundiais. Isso é fato e é bonito. Chegaram ao Japão torcedores vindos do Brasil, Austrália, da Europa e dos U.S.A., sem contar as dezenas de milhares de brasileiros que lá vivem, certamente muitos corintianos.
Estava eu a participar da Corrida de Rua Sargento Gonzaguinha (15km), verdadeira preparação para a São Silvestre (15km), no dia 16 último pela manhã. Prova em plena marginal Tietê, circundando Anhembi, sambódromo e tantas outras ruas e avenidas. A corrida começara pouco antes do início do jogo. Durante meu tempo a correr (1:43:08) só ouvia fogos e gritaria. Em todo o percurso. Finda a prova, no recebimento das medalhas de participação, veio o gol corintiano e aquela região da Av. Cruzeiro do Sul explodiu. Carlos (Batoré) e eu voltamos pelo trajeto da ida, ou seja, metrô Armênia até a estação São Bento, ônibus no terminal Bandeira até o Brooklin. Tudo a pipocar. Realmente uma festa.
Com certeza, essa torcida deverá crescer ainda mais. Tudo indica que o Corinthians, hoje o time brasileiro melhor ranqueado em avaliações internacionais, estará a receber patrocínios ainda mais interessantes. Bom para a “nação” corinthiana, ótimo para o Brasil, tão desprestigiado nos últimos anos sob o aspecto futebolístico. E ainda terá seu próprio estádio.
Minha opção foi torcer nessa competição para o Corinthians e, alegria maior, ver a efusiva manifestação de três de minhas netas, que reverenciam o time escolhido pelo saudoso pai. Eis um pequeno exemplo do que é ser corintiano. Isabel (18), a segunda neta, estava na Alemanha quando da Libertadores. O fuso horário não a impediu de assistir, via internet, à transmissão dos jogos. Finda a conquista, segundo seu relato, corria pela casa de sua tia paterna, em plena madrugada, a gritar em “silêncio”, pois todos dormiam na moradia. O valor de uma torcida é incomensurável. Hoje, a maior do Brasil. Merecem-se time e torcedores. Exemplo de amor e de dedicação. Não fosse esse “bando de loucos”, como se denomina a massa do Timão, o Corinthians não teria essa força. O título deverá dissipar traumas de outrora. Oxalá o “nação” corintiana continue a dar o belo exemplo proporcionado nesse bicampeonato. É o que todos esperamos.
A todos os generosos leitores desejo um Natal aconchegante. Que o espírito essencial da comemoração dessa data maior da cristandade contagie todos nós nessa busca eterna do aperfeiçoamento interior.
On Corinthians’ 1-0 win over Chelsea in the final of the 2012 FIFA Club World Cup in Yokohama last Sunday and the fantastic mass pilgrimage of the club’s faithful followers from all continents to Japan, the “Corinthian” invasion that painted in black and white the Toyota stadium, hugely outnumbering Chelsea’s fans. Such show of force no doubt pushed the team from São Paulo to victory.