Navegando Posts publicados em novembro, 2012

Estilos que Perduram ao Longo da História

 

C’est que les études musicales sont de loin les plus stérelisantes.
D’une part elles canalisent les facultés intellectuelles
dans les jeux abstraits d’une complication toute gratuite.
André Souris

Conheci Mariana no final da década de 1960. Estudava piano com professora de mérito. Mostrava afinco e sonhava ir bem longe. Casamento, filhos e outra atividade, não ligada à música, dissuadiram-na de enfrentar a disciplina rígida que se faz necessária quando o caminho do intérprete torna-se mais claro. Contudo, ainda tem grande prazer ao ouvir música erudita ou clássica, que “integra todo meu passado musical interrompido nos anos 70″.

O encontro foi casual no Natural da Terra perto de casa. Como sempre faço depois desses acasos, convidei Mariana para um café. Estivemos um bom tempo a conversar, eu a querer saber o porquê do distanciamento da prática pianística, ela a mostrar-me as razões pertinentes. Se acredito que motivos vários corroboram tomadas de decisões, por vezes radicais, não deixo de crer que uma razão primordial possa provocar o desencadeamento de outras decisões secundárias, que levam fatalmente à desistência.

Disse-me Mariana que certa vez foi assistir a um curso de interpretação pianística ministrado por professora do Exterior. Compareceu às aulas, sem contudo se habilitar a tocar frente à mestra renomada. Geralmente esses cursos, também denominados master classes, tem como frequentadores ouvintes,  alunos, intérpretes e alguns outros professores. Pois bem, após a apresentação de um jovem talento, a professora, que não era pianista, foi de uma severidade absoluta, chegando, segundo Mariana, ao limite da indelicadeza. Finda a aula, Mariana, que era amiga do desacatado pianista, que, aliás, conseguiu futuramente singrar um bom caminho musical, conversou com o jovem. Asseverou-me que durante semanas seu amigo mostrou-se arrasado, só retornando aos estudos após longa preparação psicológica.

Um fato pareceria evidente. Nesses cursos, ou o professor tem a diplomacia a complementar a competência, ou apresenta sintomas de autoritarismo voluntário, a fazer ver ao jovem que existe uma diferença entre magister e aluno e, por que não, “forçaria” essa competência. Inferiorizado, e até “aterrorizado”, o que sofre esses virulentos ataques mal pode expor pianisticamente suas ideias. Se o professor for pianista, a interpretação que entende a melhor é transmitida geralmente a contento, e essa explicação deveria, in conditio sine qua nom, ser colocada de maneira a não ferir a dignidade do aluno. O professor não pianista deve ter ainda maiores cuidados, pois a transmissão passa a ser apenas oral, o que poderia  pressupor uma abordagem “sonora” unicamente através das mãos do aluno que teria captado a mensagem.

O que me chamou atenção foi ter encontrado o fulcro da desistência precoce, pois a partir desse episódio Mariana não mais teve entusiasmo e os fatos mencionados no início do post fizeram-na desistir.

Estou a me lembrar de passagem que li no sensível livro da musicista Amy Fay (1844-1928), Music Study in Germany, no qual, entre as muitas considerações a respeito dos renomados professores com quem estudou, a pianista e professora norte-americana relata o tratamento dispensado por Karl Tausig  (1841-1871) aos seus melhores e menos dotados alunos. Grande pianista, falecido precocemente de febre tifóide, Tausig tinha lá suas preferências e  evidenciava-as claramente. Com aqueles que não se apresentavam a contento, ou por falta de maior talento ou até certo despreparo, Tausig era inclemente. Amy Fay menciona um aluno que, após esse massacre verbal, suicidou-se na solidão de seu quarto.

Recordo-me dos cursos que frequentei em Paris. Estudava com Marguerite Long regularmente em seu apartamento, no 16 da Avenue de la Grande Armée, e me apresentei muitas vezes em seus cursos públicos. Durante alguns meses tive aulas com um assistente por ela indicado, o excelente pianista e professor Jacques Février. Contudo, sua instabilidade emocional em classe era bem acentuada e não poucas vezes o vi proferir palavras desairosas a pianistas ótimos que se apresentavam. Um deles, que desenvolveria no futuro sólida carreira, ouviu do mestre um xingamento que se estendeu aos seus ascendentes. Foi após esse episódio que solicitei à Mme Long um outro assistente. Tive então a ventura de estudar com um dos maiores pianistas e professores que conheci, Jean Doyen. Unia à grande competência musical a relação familiar impecável que mantinha com mulher e filha. Um artista equilibrado, que transmitia segurança e tranquilidade àqueles que com ele estudaram.

Ao final de nosso encontro, Mariana, um tanto nostálgica, observou que aquele famigerado curso, causador de sua futura desistência, não foi seguido de um aconselhamento no sentido de mostrar-lhe que o episódio deveria ser esquecido. Infelizmente, todo o mal ficou na maturação solitária de um vão autoritarismo. Pergunta-se, quantos casos não têm a mesma trajetória? Sabe-se que há concorrentes de concursos de interpretação que realizam promissoras carreiras temporárias devido às premiações, mas após são esquecidos, pois novos valores surgem. Sabe-se também que alguns chegaram ao suicídio depois do convívio com o ostracismo. Encontrar o equilíbrio, eis a fórmula que todos buscam. Uns o conseguem, outros podem sucumbir. O que é certo é que a Música pode proporcionar o melhor para o mundo interior e o pior para a mente não preparada. As circunstâncias determinarão as devidas posturas. 

Talking to a friend, she confessed one of the reasons she gave up studying music was an episode she had witnessed in which an acclaimed teacher humiliated a boy during a master class. This post is about the traits a good music teacher should not have: impatience, roughness, arrogance. Teachers who are capable of patience, kindness, respect for the differences and meaningful criticism encourage pupils’ to learn from their mistakes, exploit their full potential, gain confidence to perform and to go ahead.  

Conceitos oportunos sobre o Governar

Faz de ti uma muralha, esforça-te em dizer sempre a verdade.
Provérbio butanês

O post de 3 de Novembro tem sido um dos mais procurados pelos leitores. Todos os e-mails recebidos agregaram novos conceitos sobre a dissonância absoluta entre promessa eleitoral e cumprimento posterior. Sem exceção. Essa constatação apenas ratifica a baixíssima estima que  políticos desfrutam diante do eleitor que não é seduzido por promessas vãs.

Sem nomear alguns dos prezados leitores, pois houve quase unanimidade, diria que há fortes indícios que caracterizam o descrédito desses frente ao pleito eleitoral. Recebi inclusive  conceitos extraídos de obras recentes, em que internautas evidenciam interesse em buscar alhures considerações que substanciem suas opiniões. Esse acúmulo de informações amplia e enriquece o material sobre o tema.

Foi-se o tempo em que a promessa, na conversa cotidiana entre cidadãos, valia  pelo “fio da barba”, expressão utilizada em tempos de antão, mas que correspondia ao pacto firmado, tantas vezes sem necessidade de papel ou assinatura. A palavra significava que a promessa seria cumprida e aquele que aguardava a concretização podia, em princípio, dormir tranquilo.

No âmbito da política, a palavra promessa banalizou-se por completo. Perdeu a magia ancestral, quando pactos bíblicos eram cumpridos e a sociedade podia acreditar nos tratados. Claro fica que a História está repleta de não cumprimentos de acordos, invasões traiçoeiras de territórios, assassinatos de poderosos após palavra firmada. Todavia, o termo promessa tinha lá a sua aura, a vazar o significado transcendente para a célula mater, a família.

Promessa política, hoje, está umbilicalmente ligada à necessidade imperiosa da obtenção do poder. Entende um candidato que compromisso “convincente”, mesmo sem a mínima chance de concretização, rende votos, mormente dos incautos que, hélas, constituem a esmagadora maioria da população. A promessa passa a traduzir a verdade absoluta e, no dia seguinte do candidato ungido, pode ser abandonada.

O partido que apoiou o vencedor do pleito em São Paulo soube bem explorar o fato daquele que perdeu não ter honrado a promessa de permanecer nos vários cargos durante a esperada vigência integral do mandato, sempre a pensar em pleitos mais interessantes. Realmente é uma decepção e um desrespeito com quem nele votou. Esqueceu-se o vencido que nenhum eleitor consciente vota no suplente, figura necessária, mas um estepe na acepção do termo, pois utilizado apenas a partir de uma “pane”. Sob outro aspecto, o vencedor, dias após ungido, descumpriu a promessa de extinguir a taxa do Controlar, postergando-a para 2014. Ora, se apregoou durante a campanha que teve centenas de assessores a colaborarem em seu projeto de governo,  já deveria ter exposto publicamente que essa taxa seria extinta apenas em 2014. O eleitor ficaria feliz se a verdade fosse dita? Claro que não e a “má notícia” poderia subtrair votos preciosos. Pequeno exemplo que poderá, esperemos que não, estender-se a outras áreas em que promessas foram empenhadas. O fato é que ambos navegam no mesmo barco do não cumprimento, em maior ou menor escala. Contudo, a essência do erro não tem dimensão, não se mede pelo volume.

Ficou claro nos muitos e-mails que deveríamos cuidar da educação de base, única saída a se acreditar como salvaguarda. Mas a Educação jamais tem sido a locomotiva a nos conduzir ao verdadeiro sentido da cidadania, palavra tão gasta no palavreado dos políticos pela simples razão de desconhecerem o significado essencial do termo.

De um leitor recebi frase divulgada em Março de 2006 por cientista americano e publicada no blog político Daily Kos. Referia-se o autor à “Ineptocracia” (A new word for the English Language – Ineptocracy). Escreve: “Sistema de governo onde os menos capazes de governar são eleitos pelos menos capazes de produzir e onde os outros membros da sociedade, menos aptos a se proverem a si mesmos ou a progredir, são recompensados pelos bens e serviços pagos pelo confisco da riqueza de um número de produtores em contínua diminuição”. A afirmação, contextualizada para um outro país, sob outra égide, assenta à perfeição para o dirigismo do voto, a cada dois anos no Brasil a tender para a  necessidade de  fisgar o eleitor menos favorecido por motivos os mais diversos. E é nesse quadro que a promessa surge como palavra mágica a seduzir o mais incauto. O eleito, instaurado no Poder, realmente negligencia o que prometera e fica incomodado se questionado a respeito.

Sob outro aspecto, a internet de tantas controvérsias e paradoxos, tem dado um golpe preciso, trazendo à luz as subterrâneas ações políticas, ao espalhar na vasta rede de informações sórdidos temas sobre corrupção; promessas não cumpridas; enriquecimento astronômico de governantes; os auto-aumentos abusivos da nomenklatura; uma justiça onde os mais aquinhoados contratam advogados a preço de ouro e conseguem se safar, assim como tantas mais mazelas vindas dos incontáveis “planaltos” espalhados pelo Brasil, espaços onde desliza essa figura nefasta, o lobista,  a salvaguardar interesses de empresas de todo porte.

Nestes últimos anos,  membros radicais governistas  assistem, visivelmente contrariados,  à exposição das entranhas de seus líderes. Tentam de todas as formas suprimir um dia a escrita e a fala democráticas da mídia e, também, da comunicação impactante da internet, que se espalha rapidamente como uma teia a influir na mente dos mais esclarecidos. Uma frase a conter forte alento aos que combatem o sectarismo pode ser apreendida da fala firme da presidente Dilma Roussef no último dia sete, quando dos 90 anos da Folha: “Devemos preferir o som das vozes críticas da imprensa livre ao silêncio tumular das ditaduras”. Guardemos indelevelmente essa frase como baluarte, pois os radicais mencionados estarão a perseguir o mutismo sepulcral que os livra das garras da justiça. O escritor e jornalista Daniel Hannan, em texto publicado no último dia 2 de Novembro em “Contrepoints – Le nivellement par le haut”, sob o título “Mort des politiques et naissance de l’e-démocratie”, afirma: “A internet colocou nas mãos dos cidadãos as informações que, 15 anos antes, um departamento burocrático inteiro teria dificuldades em compilar. A revolução das diferentes mídias de comunicação torna inúteis os intermediários”. Essa expansão ampla da notícia de toda ordem faz tremer os radicais. A corrupção e a promessa não cumprida, como exemplos, em poucos minutos espalham-se pela rede, a fazer com que, conhecedor do mal, o internauta possa tirar conclusões sobre a classe política. Estejamos vigilantes.

In this post I resume the subject of electoral propaganda – now inspired by input received from readers – mentioning voters’ deception with broken promises, the importance of education for all sorts of social and political issues, “ineptocracy” or the leadership of the incompetents, censorship and freedom of speech in the internet age.

René Desmaison e sua Incríveis Performances

Récompense suprême d’une incompréhensible passion.
René Desmaison

Não são poucos os posts sobre montanhismo. Reiteradas vezes tenho confessado meu fascínio sobre o tema, mormente quando escrito por competentes alpinistas que viveram experiências dramáticas, trágicas ou triunfantes. Creio que a vida em parte sedentária faz-me viajar no imaginário, desde a juventude, a paraísos impossíveis. Intrépidos aventureiros, “conquistadores do inútil”,  segundo Lionel Terray, têm narrativas não desprovidas da presença da morte à espreita, sempre, proporcionando ao leitor que aprecia essa literatura momentos de profundo interesse. Já desfilaram em posts anteriores Jan Krakauer, João Garcia, Waldemar Niclevics, Vitor Negrete, Sylvan Tesson e André Poussin (sob outra égide), Maurice Herzog, Jamling Tensing Norgay, Thomaz Brandolin, narrativas sobre Malory e Irvine e mais outras histórias. Mínima literatura, que está a se enriquecer paulatinamente.

Quase todos os temas dos livros percorridos buscam os  altos cumes do planeta, os denominados 14 acima dos 8.000m. O homem a buscar quase imperiosamente o desafio frente à morte, a preferenciar o pico mais elevado. Tanto é verdade que o Everest (8.848m) é incomensuravelmente mais procurado por alpinistas profissionais e amadores do que o K2 (8.611), a pouco menos de duas centenas de metros abaixo. Recordes como metas. Ilusões que se concretizam ou se desfazem, por vezes tragicamente. Todavia, é cada vez maior a vontade do risco empreendida por alpinistas de toda sorte. Há pouco escrevi sobre o excepcional alpinista português João Garcia, que conseguiu atingir os 14 cumes acima dos 8.000m. Enviou-me gentil carta, o que muito me honra.

Geralmente, os livros sobre grandes aventuras nas montanhas partem do projeto a ser realizado, dos preparativos, da empreitada, do êxito ou da desilusão. René Desmaison (1930-2007), em seu livro Les Forces de la Montagne (Paris, Hoëbeke, 2006, 381 pgs.), teve a feliz ideia de nos fazer conhecer as origens originárias de sua vocação absoluta pelas montanhas, a escolher majoritariamente os temíveis paredões. Sua infância já estaria marcada por determinadas rebeldias e atrações pelas pequenas alturas, peraltices inusitadas, desavenças em sala de aula, enfim, René foi um verdadeiro enfant terrible. A morte da mãe obrigou-o a seguir seu padrinho a Paris. Amizades da juventude levaram-no até os rochedos de Fontainebleau e a paixão pelas desafiadoras montanhas instalou-se. A performance de Desmaison ao longo de sua vida ativa como alpinista é notável. Cerca de 1.000 escaladas, sendo 114 como pioneiro! Alpes, Himalaia, Andes foram conquistados, mormente a infinidade de picos alpinos. Motivos vários o impediram em 1959 de chegar ao topo do  Jannu (7.710m na cordilheira himalaia), considerado de muita dificuldade, tendo alcançado 7.350m com seus colegas. Em 1962, uma segunda investida com sucesso ficaria gravada indelevelmente. Picos andinos do Peru foram escalados após ter-se notabilizado nas conquistas alpinas.

As narrativas de René Desmaison prendem a atenção do leitor. Curiosamente, não se concentrou nas altas montanhas do Himalaia, mas preferencialmente nos complicadíssimos paredões dos Alpes. Picos já conquistados, se não o fossem pelas vias mais complexas, encontrariam em Desmaison o aventureiro a tentar o acesso improvável, o paredão que está sujeito à quantidade de adversidades como queda de blocos de gelo, de pedras que tantas vezes têm levado cordadas inteiras precipício abaixo.

Nesse aspecto, impressiona o número de amigos e colegas que o autor nomeia que perderam a vida em trágicas ascensões. Enumera-os e cada morte para Desmaison é quase o apelo para que continue, ao menos in memoriam. Quando nas montanhas, “a morte pode acontecer no momento que ela desejar, naquele menos esperado”, como afirma. Em Les Forces de la Montagne são inúmeros os capítulos reservados às tragédias: Jean Couzy, La mort en face, Équipée tragique au pilier Central du Freney, Les naufragés des Drus, Ascension vers l’enfer. Vitórias e tragédias são narradas com a mesma precisão por Desmaison, que chega a pormenorizar todos os procedimentos das subidas. Jean Couzy (1923-1958) foi companheiro de várias cordadas e morreria em outra aventura alpina; muitos de seus amigos sucumbiriam numa avalanche no pilar central do Freney, no Mont Blanc; o salvamento de dois alemães no difícil paredão do Drus, quando outros haviam sucumbido, são relatos minuciosos. Neste episódio, Desmaison desobedece ordens superiores, parte para o salvamento e é desligado da Companhia da qual fazia parte.

Digno de registro, Ascension vers l’enfer, inserido no livro, já rendera anteriormente uma das mais lidas obras de Desmaison, 342 Heures dans les Grandes Jorasses. O autor não mais desejava retornar ao tema, mas, a conselho de seu editor Lionel Hoëbeke, regressa àquela que se tornaria a aventura que mais o marcou durante toda a existência como alpinista e após a “aposentadoria”. Tratava-se da abertura de uma via nordeste da “ponta” Walker, nas Grandes Jorasses. Na trágica escalada ao pico, iniciada aos 10 de Fevereiro de 1971, em um temível paredão de 1.200m, após dias de intensas adversidades climáticas, seu companheiro de cordada, o jovem Serge Gousseault (1947-1971), morre de exaustão,  a evidenciar indícios que se acentuavam, como lentidão quanto ao acesso, inchaço nas mãos, falta de víveres, inanição. Desmaison permaneceria “grudado” no paredão  ao lado de seu finado amigo durante dias, a pouco mais de 80 metros do pico de 4.208m. Apesar de sinalizar para os pilotos dos helicópteros que decolaram de Chamonix, alegou-se que ventava muito. Só após a decolagem de um Alouette III do heliporto de Grenoble, aos 25 de Fevereiro, houve a possibilidade do resgate. O piloto Alain Frébault e o mecânico Roland Pin apesar de desconhecerem o trajeto conseguiram pousar numa outra face do paredão, a 4.133m, resgatando o corpo de Gousseault e Desmaison em estado deplorável. Inúmeras controvérsias  formaram-se sobre o trágico acontecimento e estão, ainda hoje, a alimentar especulações. Dois anos mais tarde, René refaz com sucesso a ascensão invernal completa da face norte da ponta Walker, caminho doravante denominado voie Gousseault. Desta vez, a cordada era composta dos experientes Desmaison, Giorgio Bertone e Michel Claret, que morreria pouco tempo após numa escalada solitária.

René Desmaison teria de enfrentar várias polêmicas. No affaire Drus, consideraram que preparava material sobre o resgate dos dois alemães para ser vendido à revista Paris Match; no das Grandes  Jorasses, acusaram-no de ter levado consigo, numa cordada arriscada, um jovem não muito experiente e não ter observado melhor o deteriorar físico de Gousseault. Em outra oportunidade, ter escalado o Mont Blanc e lá instalado material publicitário filmado por helicóptero. Todos esses acontecimentos são suficientemente defendidos por Desmaison em La Force de la Montagne com diplomacia, diria. Contudo, no caso das Grandes Jorasses, a participação do primeiro alpinista a escalar um 8.000m (Annapurna), Maurice Herzog -  prefeito de Chamonix quando da tragédia em 1971 -, ao alegar publicamente que fortes ventos impediam o resgate,  foi amplamente questionada quanto às reais intenções dessas afirmações, o que favoreceria as atitudes de Desmaison. Frise-se uma reconhecida animosidade entre os dois, fato que alimentou o affaire. Entre os muitos links que podem ser acessados pelo leitor, recomendaria um bem incisivo a respeito da triste cordada:

http://ghirardini.blogspot.com.br/2011/05/serge-gousseault-un-jeune-guide.html

Uma visita à África e a narração de certos costumes, assim como as quatro viagens andinas, quando realiza as primeiras escaladas da face sul e sudoeste do Huandoy, nos Andes peruanos, entre 1976 e 1979, encerram esse instigante livro biográfico, narrado com os pormenores mais precisos em relação a cada passo das tantas aventuras, com espírito de fraternidade em relação aos seus colegas de cordada e, por vezes, com certa dose de humor. Fica também a narrativa da natureza em suas manifestações mais antagônicas: tempestades de neve, tormentas, quedas de séracs, avalanches, contemplação do céu imaculado, visão nas alturas das distâncias imensas, as várias colorações dos espaços percorridos pelo olhar. Livro pleno de interesse.

In this post I comment on the book “Les Forces de la Montagne”, written by the French alpinist René Desmaison (1930-2007), in which he gives an account of an entire life dedicated to mountain climbing: he explains the roots of his strong inclination for mountaineering, talks about his ascents of the Alps, the Andes and the Himalayas, the new routes he has opened, the death of many friends, the controversy of the Grandes Jorasses, his epic climbing of the mountain in the Mount Blanc massif that saw the death of his partner Serge Gousseault. Desmaison also describes nature in all its contradictory manifestations: snow storms, fall of seracs, avalanches, clear skies, endless horizons with a myriad of colors. A fascinating book for lovers of adventure stories.