Mensagens que transcendem

Todas as grandes tradições do mundo,
inclusive, é claro, o cristianismo,
dizem explicitamente que a morte não é o fim.
Todas falam em algum tipo de vida futura,
o que infunde em nossa vida atual um sentido sagrado.
Mas, não obstante esses ensinamentos,
a sociedade moderna é em larga escala
um deserto espiritual
em que a maioria imagina que esta vida é tudo o que existe.
Sogyal Rinpoche (“O Livro Tibetano do Viver e do Morrer”)

Todo artista verdadeiro é simples, modesto, generoso e sem vaidades.
Júlia d’Almendra

O post anterior gerou comoção entre os que tiveram o privilégio de conhecer o imenso artista que foi Luca Vitali. Para aqueles que periodicamente viam-no citado em meus textos em contextos sempre ligados à Arte, seja através de argumentos que trocávamos ou, então, graficamente visualizados pelas dezenas de desenhos e charges que ilustraram o blog semanal, ficaria a certeza de um silêncio dos diálogos e imagens que doravante deixarão de visitar este espaço semanal. Contudo, a reverenciar o amigo que nos deixou, inserirei outras obras pertencendo a contextos diversos. Essa vontade, que terá o apoio irrestrito de Marisa – esposa, companheira e colaboradora nessa complexa missão tecnológica, tão distante das preocupações de Luca -, garantirá a presença do artista. É um consolo e surda alegria. Salvaguarda.

Cinco e-mails não poderiam estar ausentes do presente post, o terceiro a conter hilariante ilustração. Revelam a intensidade de afeto que transcende o mero convívio das pessoas. Ainda existem os seres especiais. São cada vez mais raros e, quando há a possibilidade de um deles cruzar nossos caminhos, é porque realmente fomos tocados pela bem aventurança que nos conduz ao inefável. Luca Vitali…

Marisa enviou-nos um pungente ato de fé. Traduz a alma bondosa, paciente, estimuladora e que deu a Luca a possibilidade da criação livre, sem entraves. Tantas foram as vezes em que a vi, atônita e embevecida, a admirar a obra de Luca. Tinha a consciência plena de que estava a viver com um grande Mestre, basicamente desconhecido de um Sistema que vive em função de marchands ávidos de artistas mediáticos, tantos deles sem qualquer mérito.

Marisa confessa:   

“Por mais que procure, não encontro palavras para descrever o que senti ao ler seu blog. Linda homenagem ao amigo irmão que tanto amamos.

Tive o privilégio de testemunhar o encontro de vocês dois e acompanhar o desenrolar de uma amizade imediata e infinita. A verdadeira expressão do amor, no seu mais amplo sentido! Por diversas vezes participei dos encontros onde você lia em voz alta os escritos de seu próximo post para que o Luca o ilustrasse. Você lia lentamente seus magníficos textos e nós escutávamos, atentamente. Eu, como um simples ser humano mortal, prestava enorme atenção nas palavras, tentando compreendê-las e delas extrair o significado daquilo que estava sendo transmitido. Enquanto isso, o Luca, totalmente absorto, ‘sentia’ o que estava sendo lido. Sua compreensão ia muito além das palavras, ele captava todo o sentimento não só das palavras, mas do autor delas. Eram momentos sublimes, mágicos, que tive a dádiva de presenciar.

Luca sempre me falava que a essência de tudo era o triângulo, a trindade, pai, filho e espírito santo. Quando acontecia a trindade, invariavelmente vinha a transcendência. Pois é… hoje não só consigo compreender o que ele tentava me ensinar, como, mais uma vez, pude presenciar a trindade “Luca Vitali – José Eduardo Martins – François Servenière”. Meu Deus, tão simples e tão óbvio! Vocês três formaram a trindade que o Luca tanto procurava. E tudo aconteceu…

Hoje sinto-me muito triste, com uma saudade enorme do Luca, meu amor, companheiro e amigo. Agradeço muito por todo o carinho que você e a nossa querida Regina têm me dispensado. Estar com vocês é sentir o Luca mais perto de mim”.

Idalete Giga, que trocou e-mails com Luca Vitali, dele recebendo um belo desenho, escreve de Portugal:

“Foi com grande consternação que li no seu blog a notícia da morte do seu querido Amigo Luca Vitali. Compreendo e comungo da sua tristeza ao ver partir assim, inesperada e repentinamente, um amigo tão querido. Sem dúvida que Luca era um artista de grande talento e de uma imensa generosidade . Ele permanecerá vivo nas obras que amorosamente criou e na memória dos amigos e familiares. Fico com grande mágoa de não o ter conhecido pessoalmente. Contudo, já me era muito familiar através dos seus inúmeros desenhos que completaram, de forma sublime, muitos posts do José Eduardo. À medida que os nossos amigos partem, vamos também partindo e morrendo um pouco com eles. O Luca já se libertou do peso da terra. Já nada o perturbará. Já nada o fará sofrer. Que a sua alma descanse em Paz para sempre”.

Mônica Sette Lopes, juíza do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, encantara-se com as pinturas de Luca Vitali da série “Marias Brasileiras” e dele receberia  desenho sugestivo:

“Ele te mostrou a Maria da Lei que fez para mim? Para você rir um pouco, vai em attach. Brinquei com ele com aquelas Marias todas em como seria uma Maria que ficava no meio dos processos”

Franços Servenière nos envia de Blangy-le-Chatêau, na Normandia, texto inserido em seu site:

“No começo de Abril de 2013, enquanto Luca Vitali e José Eduardo projetavam para o outono no Brasil um recital do pianista em torno das sete telas da série cósmica e dos sete Études Cosmiques, o pintor enviou-me seu calendário mensal, ilustrado a cada mês por uma de suas obras. Esta está sob o título de’ Outono de Servenière’ , referência ao meu outono dedicado a compor a coletânea pianística, inspirada por e em honra de suas telas. Fiquei sem voz, pelo presente e pela qualidade da tela, uma verdadeira obra prima. Domingo, 14 de Abril, Luca enviou-me o certificado de autenticidade e mais três fotos ao lado de sua recém criação. Quarta-feira, logo a seguir, José Eduardo me contacta pelo skype e anuncia a chorar a horrível notícia: ‘Luca morreu’. Estou aterrado e incapaz de dizer qualquer palavra…

José Eduardo prestou no blog anterior uma vibrante homenagem ao amigo-irmão, repentinamente ceifado de nosso convívio. Estou arrasado. Perco uma amizade que nasceu profunda, cercada pela comunhão artística intensa, pois nós formamos e formaremos ainda simbolicamente um tríptico de artistas com concepções semelhantes, como tão bem escreve José Eduardo nesse post. Para nos consolar desse desaparecimento trágico, basta admirar pela internet ( http://vitaliluca.blogspot.com.br ) essa arte solar que me inspirou tanto. Resolvemos acrescentar no caderno de Études Cosmiques um oitavo estudo, que terá o título Automne Cosmique – In Memoriam de Luca Vitali“. (tradução JEM).

Eliana Bento, abnegada fonoaudióloga, transmite a sua e a opinião do artista Evilásio Cândido, discípulo de Luca Vitali e mencionado no blog anterior:

“Tivemos a graça de conviver com Luca Vitali!

O encontro de Evilásio e Luca tinha que ocorrer e eu, como um presente da vida, tive o privilégio de ver esse encontro de almas. Li emocionada tudo o que escreveu sobre Luca, sei da falta que ele nos faz. Tive o privilegio de conviver, semanalmente, com Luca por 18 anos, durante as aulas que ministrava ao Evilásio. Conversamos muito durante todo esse tempo e sei da beleza e da importância do deu trabalho artístico, sei também o quanto ele procurou e desejou o reconhecimento de todo o seu talento. Vejo esse reconhecimento na integração entre as artes, citada em seu blog, rara de ocorrer e privilégio das almas generosas, que só os artistas possuem. É como Evilásio afirmou quando soube de nossa grande perda: ‘Ele agora é nossa inspiração!’

Singelamente, Regina e eu, cercados de nosso pequeno clã, comemoramos neste sábado nossas Bodas de Ouro. Singelamente. Muitas alegrias, tristezas, compreensões e paciência por parte dela, esperanças sempre, todo o nosso universo sob o manto da Música e do Sagrado. Sob este, nossas filhas, genros – in memoriam José Rinaldo – e netas proporcionam ao casal a essência da dádiva. Cotidianamente. Logo após nosso almoço de 16 de Abril, menos de dois dias antes do infausto acontecimento, Luca enviou-me singela e expressiva lembrança. Espontaneamente nasciam os primeiros esboços desses pássaros da união feitos à mesa e testemunhados por José Eduardo Lonfranchi, amigo de longa data do artista, que naquele momento veio até nós para saudações. Último desenho a servir como  símbolo de afeto de uma amizade sem limites.

O desenho de Regina em seu piano imaginário, ecológico e voltado ao belo, foi outro desses exemplos da magia que brotavam da mente desse ser especial que sempre será Luca Vitali.

 Fica a nossa gratidão eterna ao artista, amigo e interlocutor arguto pelo estímulo, esperança, desprendimento e generosidade que em nenhum instante deixou de nos transmitir. Sua alma deve agora estar a conviver com o Universo Cósmico que tanto perscrutou em suas extraordinárias criações.