Frases que Despertaram Reflexão
Em inúmeras oportunidades assisti
a concertos de música moderna,
de lá saindo a pensar:
“Fosse-me necessário pagar o ingresso,
ficaria muito aborrecido”.
Arthur Honegger (1892-1955)
Foram tantos os Ecos de posts a partir de reflexões de leitores! Por vezes, mercê de fatos imediatos que se convertem em textos, há a necessidade de protelar determinados Ecos. A escrita hebdomadária dos posts tem esse fluxo do cotidiano multidirecionado e multicultural. Temas prementes surgem e deles não nos podemos desviar. Assim a pensar, conceitos emitidos em troca de e-mails com François Servenière a respeito de post sobre a música contemporânea de concerto, a partir das reflexões de Pierre-Laurent Aimard, tiveram de esperar. Outros aguardam o momento preciso. Tem sido para mim um prazer esse constante “debate” de ideias, que mantemos há mais de dois anos.
O que me faz “ecoar” troca de e-mails com Servenière veio tardiamente de pensamentos surgidos durante meus treinos para as corridas. Controladas as passadas e a respiração, a mente abre-se para ideias que pululam. Lembrei-me de frases de Servenière sobre repertório dito erudito, clássico ou de concerto e concernentes também à música popular, pop ou outras designações. Sobre as primeiras, relativas às obras de concerto, de hoje e de antão, escreve o amigo: “Elas não são piores que as antigas. São as de hoje, de nossa época, e existem obras primas e também as fracas em todas as épocas”. Continua sobre a música hodierna: “O turnover de talentos é muito rápido, razão pela qual me apeguei a um estilo mais universal em relação ao que se faz no presente, ‘mercado de guetos’ na psique, como se a vocação fosse apenas satisfazer uma elite intelectual de um milionésimo de indivíduos sobre a Terra, enquanto que a música precedente moderna, romântica e clássica, satisfaz um enorme número de aficionados todos os anos”.
Ainda há pouco li comentário publicado em guia de divulgação musical a considerar uma Bienal de Música no Brasil onde mais de setenta obras seriam estreadas! Serge Nigg repetiria ampliadamente seu depoimento em Témoignages (nº3), já debatido em posts anteriores, a dizer que ficava pasmo, pois era apresentado a todo momento a novos compositores, como se todos quisessem sê-lo. A Torre de Babel da atualidade, nesse mister, é real e as tendências que surgem, com rótulos por vezes ininteligíveis, desaparecem logo após para o afloramento de processo outro. A elucubração torna-se tão rápida que a necessidade de arautos bem ou mal intencionados proclamarem determinada “invenção” ou “descoberta” chega a desnortear aquele que busca o conhecimento. Teoria eclipsada por nova tende a ser sepultada sem constrangimento.
Considerando-se o repertório francês para piano, como exemplo, verificamos que compositores que se prolongam pela qualidade, como Fauré, Debussy e Ravel, foram muitíssimo visitados pelos pianistas desde primórdios do século XX, e que alguns que ultrapassaram as fronteiras da primeira metade do mesmo século também o foram, em menos intensidade, casos de Poulenc, Messiaen e Ohana, mas que interessam a centenas de intérpretes. Poder-se-ia dizer que o número de pianistas aumentou geometricamente dos anos 1950 até os nossos dias – consideremos as levas que chegam do Extremo Oriente, hábeis como poucos, geralmente sem ideias como muitos -, e a Torre de Babel faz ver ao mundo, por sua vez, incontável quantidade de compositores. Se atentarmos que os “profetas” da música contemporânea são poucos e mantém sob “tutela” escolas e institutos bem favorecidos pelo Estado, entenderemos que as obras desses “oráculos” são infinitamente menos executadas do que as mencionadas e compostas bem anteriormente em França. Inúmeras foram escritas para piano. Se aumentou consideravelmente o número de pianistas e se essas composições recentes são pouquíssimo frequentadas, há algo errado, “um milionésimo de indivíduos sobre a Terra”, como afirma Servenière. Amplio consideravelmente essa cifra. Diria que esse novo repertório pouco interessa às legiões de pianistas. Será que apenas a autoadoração em círculos bem subsidiados, tantas vezes por polpudas verbas, satisfaz compositores e seus adeptos? O gueto não estaria a dar guarida através do incenso a “criadores” que não atingem nem a mente dos pianistas, tampouco o coração do público? A ininteligibilidade, ou quase, de tantas composições criadas via computador, sem que o autor tenha a noção exata da escrita para piano, não torna tantas obras “intocáveis”, para não dizer estéreis? Se “profetas” da criação hodierna são minimamente executados por intérpretes da atualidade, o que dizer da legião de compositores que se aglomeram na Torre de Babel proferindo tendências múltiplas? Pondera Servenière ao afirmar que “o verdadeiro artista e sua alma são mestres da máquina. Eles a utilizam, mas a tem sob controle. Não são escravos, em oposição a determinados ‘profetas’, estes, possíveis ‘tolos úteis’ do modernismo”.
Em posts anteriores já afirmei que os inúmeros convidados que me honraram ao escrever composições para piano destinadas ao meu projeto de “Estudos Contemporâneos” (já são quase 90!!!) criaram obras que foram por mim apresentadas. Outros escreveram Estudos e me ofereceram espontaneamente. Ao perguntar-lhes a origem, vinha por vezes a resposta que, após a ideia concebida, foram criados via algum programa de computador. Referi-me em Témoignages a resposta de um deles (Inglaterra) à minha incisiva pergunta, questionando se alguma vez teria ele escrito uma Fuga. A resposta foi contundente: “trata-se de forma ultrapassada” (sic).
Numa visão do post mortem também verifica-se que o desaparecimento de um desses compositores “profetas” produz efeito de progressiva desativação. A Torre de Babel vive e a necessidade de atingir pequeno mercado, frise-se, destinado aos seus incontáveis hóspedes, faz com que surja uma espécie de antropofagia. Contrariamente, a morte para compositores da primeira metade do século XX que permaneceram, estaria em conformidade com o pensamento bem preciso de um grande mestre da composição, Arthur Honegger, que considerava que a primeira condição para a sobrevivência de um compositor é estar morto.
Do post sobre Charles Aznavour, Servenière tem conceitos de interesse: “ele escreve seus textos, suas músicas, suas orquestrações e canções, escreve seus textos com método da prosódia francesa clássica, ‘uma sílaba por nota’, que eu também utilizo em minhas canções, método que era aquele de Brassens, Brel e dos melhores autores contemporâneos franceses, Yves Duteil, Maxime Le Forestier, Laurent Voulzy… para não citar senão os melhores”. Há Torre de Babel também no caso da música popular, pop, rock, sertaneja descaracterizada e tantas mais designações. Está sempre a abrigar novos grupos, a grande maioria de aventureiros. Comenta Servenière: “Os raps, roqueiros, grupos outros agressivos fazem fortuna a partir da violência, do ódio, do sombrio, do nihilismo, temas tão atraentes para grandes vendagens, mas males que conduzem os humanos em direção ao ‘lado obscuro da força’, se quisermos retomar a metáfora de Star Wars. A arte verdadeira, a arte da escritura, da bela prosódia e da melodia bem trabalhada, tudo isso é desprezado”.
Continuemos nossa trilha. Na semana que terá início completarei 75 anos. Motivo para outras reflexões. Família, poucos e sinceros amigos, música, leituras, textos e corridas. O espírito em paz. A saúde agradece.
This post discusses some issues related to the contemporary classical music, such as : the great number of new composers versus the quality of their work, the compositional output of the modern school of music and the impermanence of new trends, lack of popular acceptance of the new classical canon.