Não Deixar se Perderem nas Calendas
Não pretendo destruir-lhes a autoridade
para afirmar o valor único do raciocínio
mesmo que se pretenda impor essa autoridade
em detrimento da razão…
Blaise Pascal (1647)
Passadas as semanas com maior turbulência e impregnadas de euforia, tanto pelas manifestações de rua como pela conquista, pela quarta vez, da Copa das Confederações, várias lições deveriam ser atentamente conservadas. Esquecê-las poderia redundar em tristes consequências, tanto para um eventual plebiscito como para a Copa do Mundo de Futebol em 2014.
Primeiramente, o “hipotético” plebiscito. Os meios de comunicação apresentam várias sugestões captadas através da oitiva de políticos, empresários, operários, professores e segmentos da sociedade. Sob outro aspecto, colocam ponderações do Governo no que concerne à pauta que deverá nortear o “provável” plebiscito. Em nenhum instante ouvi ou li algo palaciano que não fosse a prioridade da Reforma Política. Não estaria o Governo a tentar “driblar” problemas cruciais? A Reforma é mais do que necessária, mas o povo que saiu às ruas clamou por temas bem mais incisivos e imediatos. Os cinco itens apresentados pela presidente têm relação com a Reforma Política e, diria, são paliativos e até periféricos à realidade que se vive presentemente… Verifica-se que é novamente a classe política a se resguardar e a pensar na sua sobrevivência. Qual a razão de um imediatismo da presidente quanto à Reforma Política e à Constituinte, essa última “temporariamente” descartada? A presidente já lá está no Planalto há dois anos e meio e o ex-presidente do mesmo partido lá permaneceu durante oito. Não foi a pauta de cinco pontos enviada ao Congresso aquela que, minimamente, o povo pediu nas avenidas, ruas e praças do Brasil. Essa assertiva é facilmente comprovada. A possível Reforma Política tenta distrair a opinião pública e, se fosse para valer, haveria entre os itens a substancial diminuição de senadores, deputados e vereadores; de ministérios; de municípios; de cabides de emprego que infestam o orçamento do Estado; da carga tributária excessiva; de benesses como a utilização de jatos da FAB para fins pessoais de congressistas, ministros e outros políticos, mesmo durante as gigantescas manifestações, o que é evidência do descaso de políticos com a realidade; das viagens dispendiosas da Nomenklatura ao Exterior e tantos mais desacertos. Brasília oficial esteve surda ao ruído das ruas! Continua a não ouvir. Retarda-se o óbvio: solução para incontáveis problemas por que passa o país, entre eles, a inflação e o desemprego. O povo quer solução imediata para temas que o afligem: Segurança (minoridade penal já, policiamento efetivo, penas bem mais severas para crimes como latrocínio, estupro, sequestro, tráfico de drogas, invasões indiscriminadas no campo e nas urbes…); Saúde (atendimento – ao menos potável – para todo o cidadão do país); Educação (o abandono de nossa educação básica representada por professores mal remunerados, escolas deterioradas, a droga à espreita nas cercanias, o ensino superior infestado por inúmeras faculdades privadas de baixíssima qualidade); Saneamento Básico (não interessa aos governantes o que corre no subsolo, e detritos a céu aberto proliferam pelo país); Transporte Público (vergonha hoje que deverá se perpetuar, pois político não utiliza esse meio, como fazem seus “colegas” da Europa, Japão, U.S.A.); Justiça (o que realmente estarrece a população é a impunidade e a lentidão da nossa Justiça). Qual a razão de só se pensar na possível Reforma Política, que poderá ter eventuais efeitos para as eleições de 2014, e não nos gravíssimos problemas que precisam de respostas urgentíssimas?
Quanto à Saúde, a presidente, no auge da crise, falou em “importar” médicos, mormente cubanos. Ouvi, no programa São Paulo Gente – Rádio Bandeirantes AM – do dia 29 de Junho, entrevista do Dr. Geraldo Ferreira, presidente da Federação Nacional dos Médicos. Fiquei estarrecido quando ele disse que para parcela cubana dos 6.000 médicos que aqui chegassem, uma parte do salário ficaria com esses profissionais, mas que fatia substancial desse provento seria entregue a Cuba, que sempre viveu em crise financeira endêmica, entre outras mais. Salientou o ilustre médico o ingrediente ideológico a nortear as intenções do Planalto. É algo inadmissível e as associações médicas têm, sim, de vir às ruas protestar – já o fazem – contra essa postura contra natura do Estado brasileiro, pois profissional há no país que aceitaria plenamente receber menor importância que seria paga, no seu todo, ao possível profissional caribenho. Na mesma orientação, esclarecedor artigo do professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharias de Alimentos (FZEA) da USP, Juan López Linares, cubano naturalizado brasileiro, apresenta pontos fulcrais: “A proposta de importação de médicos de Cuba faz com que 50% do salário dos médicos pago pelo Brasil sirva para alimentar a ditadura cubana”, e prossegue: “Sou a favor da vinda de médicos estrangeiros, mas não na forma de ‘pacote’ firmado entre governos com interesses espúrios e que limitam as liberdades individuais”. Observa ainda que “a ‘escola latino-americana’ de medicina em Cuba somente aceita, sem pagar os custos do curso, candidatos indicados pelos partidos políticos favoráveis ao regime dos Castros” (“Sobre a importação de médicos cubanos”. In: Jornal da USP, 1º a 7 de Julho de 2013, p. 2). Na realidade, seriam contratados médicos que não necessitariam ter seus diplomas revalidados no Brasil. Um escárnio! Em todas as áreas, para atuar como professor em Universidade Pública, o portador do título de Mestre ou Doutor – não o certificado de bacharel - que fez mestrado e doutorado no Exterior, precisa revalidar o diploma no Brasil, mesmo que essa titulação tenha sido obtida em universidade de ponta! Qual o motivo essencial de descartarem a revalidação de bacharel e silenciarem sobre a divisão desse salário médico-Cuba? Por que a presidente não se pronuncia claramente em cadeia nacional sobre essa “divisão” estranha de salário de eventual médico cubano? O povo concordaria com essa intenção vinda do Planalto se a verdade sobre essa “importação” fosse revelada? Certamente sairia novamente às ruas em protesto à malversação de verbas, pois parte considerável será destinada a Cuba, friso, e não ao precaríssimo sistema de saúde pública brasileiro. No clímax das manifestações, a presidente em pronunciamento à Nação disse que a contratação dos médicos do Exterior seria imediata. O tema tem sido amplamente debatido, mas as Associações Médicas estão a apresentar dados insofismáveis contrários à ação do Planalto. Sob outra égide, estivéssemos a falar em medicina de excelência, qual a razão do político palaciano e de outros rincões virem a São Paulo para fazer tratamento, a exemplo do último ex-presidente e da atual? Se a medicina é de excelência no país caribenho, qual o motivo de apenas dois hospitais paulistanos serem aqueles merecedores da total confiança do Planalto? Que nos expliquem com clareza, sem subterfúgios.
Sobre os circa 50.000 mortos assassinados todos os anos, pouco se fala nas áreas do Governo, e pronunciamentos são econômicos quanto à Segurança que está realmente lastimável em todo o território brasileiro. No que respeita à Justiça, o povo quer respostas rápidas concernentes ao Mensalão. Recursos interpostos pelos advogados dos réus estão a levar o tema para quando? Já em 2012, meu saudoso amigo Luca Vitali realizava sugestiva charge sobre o Mensalão. Era fim de ano, fomos tomar um curto como fazíamos regularmente, e acreditava ele que o processo todo, já àquela altura em mãos do relator no Supremo Tribunal Federal, seria enterrado. No momento, embora os réus tenham sido condenados, a decisão do STF pende de revisão por meio dos recursos interpostos por seus advogados, que, quando julgados, poderão ou não alterar aquela decisão. Na charge de Luca Vitali, as inquietantes palavras: “Aqui Jaz o Mensalão e os caras de pau”.
Contrariando os versos do poeta açoriano Almeida Firmino, “falta-nos a voz com que protestar” (vide “Anestesiados – Há solução para nossa índole?” 18/05/2013), o povo que saiu às ruas protestou, mas está a clamar por itens muito mais prementes. Que a presidente venha a público dizer quais as medidas para o que tão insistentemente foi cobrado pela imensa massa humana. É isso o que todo brasileiro consciente quer ouvir. Microfone não lhe falta.
This post resumes the subject of the nationwide protests that still sweep our streets and the government’s response: a package of proposals that seems intended to gain time and distract people’s attention from the serious issues of poor transport, healthcare and education.